Pés

Olhem só o caboclo esparramado na rede, tirando aquele cochilo gostoso, e com os pezões bem a mostra. Os pés são rudes, gordinhos, acostumados a pisar descalço na terra seca ou molhada. Benditos pés. (tela do Valdonês)
Se eu já gostava de meus pés agora gosto ainda mais, pois só eu sei o quanto eles fizeram falta nos últimos tempos.
Pode ser um pé gordinho ou magrelo, grande ou pequeno, negro ou branquelo o importante é estar inteiro, sem unha encravada e pronto para longas caminhadas, para chutar a bola, o balde ou até o pau da barraca.

Ciclo da Vida


A cova escura e fria nem sempre é sepultura.
Para a semente é o útero protetor que permite sua germinação. Rompida a casca pequenas raízes
fixam seus tentáculos na terra que a nutrirá e um broto verdinho e delicado desabrocha em busca do sol. Em poucos dias uma nova flor se abrirá exalando perfume, explodindo em cores. Um novo ciclo de vida tem início. Longo ou breve, ele sempre cumpre seu papel.

Um Anjo no Metrô

Era uma tarde fria de fevereiro em Budapeste, saímos para almoçar. Fomos a um restaurante grego e em seguida decidimos conhecer o Museu de Belas Artes que estava exibindo uma mostra de Monet.
Várias pessoas aguardavam numa longa fila a hora de abertura das portas do museu, indiferentes ao frio e ao vento que soprava sem cessar. No ar gelado, espessos flocos de neve branquinha bailavam suavemente enquanto caiam para se dissolver ao tocar o chão.
Estávamos eu, uma amiga e nossas jovens filhas aguardando pacientemente nossa vez e finalmente entramos no grande hall. O acervo do museu era muito bom e a mostra de Monet era tão fantástica que nem nos demos conta do passar das horas, perdidas na contemplação daqueles belos quadros famosos.
É curioso pensar que uma palheta de cores básicas e um simples pincel em mãos hábeis e talentosas possam transformar telas brancas de linho em obras de arte que ficam imortalizadas no tempo causando admiração nas pessoas.
Quando saímos do museu a noite escura já tinha envolvido tudo lá fora. A praça e as ruas próximas estavam desertas cobertas pela neblina invernal, e a iluminação suave dava um colorido meio fantasmagórico as esculturas da Praça dos Heróis. Aproveitamos para fotografar e saímos caminhando devagar em direção ao metrô. Somente nessa hora nos demos conta de que havíamos esquecido o mapa e o cartão com o nome e o endereço do hotel. Por sorte eu havia guardado na bolsa o cartão de acesso aos quartos o que serviu para pedirmos uma indicação para sabermos o metrô certo que deveríamos pegar.
As casas de câmbio estavam fechadas e só tínhamos dinheiro local para comprar apenas uma passagem de metrô para cada uma e aquela estação iria nos obrigar a fazer uma baldeação e isso significava ter que comprar outra passagem. Não sabíamos como fazer para chegar a outra estação que nos levasse até o hotel com apenas uma passagem.
Já era muito tarde, estávamos numa cidade estranha, o povo falava uma língua mais estranha ainda e não sabíamos o que fazer. Olhamos uma para a cara da outra e começamos a rir da situação inusitada. O que iríamos fazer?
Vimos um jovem aguardando o trem junto com algumas moças e resolvemos pedir informação. Quem sabe ele falava inglês? Deu certo. Ele não só nos orientou como também resolveu nos acompanhar até a estação onde poderíamos pegar o trem que nos deixaria próximas de nosso hotel. No caminho foi contando a história da cidade e nos mostrando alguns prédios que guardavam qualquer tipo de história. Foi muito gentil e atencioso.
Caminhamos na noite fria e escura em direção a outra estação do metrô. O vento soprava forte fazendo ruído e a neve não parava de cair em flocos grossos. O casaco pesado não era páreo para a friagem e o corpo tremia embaixo das várias camadas de roupas. Finalmente chegamos.
Nosso anjo da guarda se despediu, mas antes de sair tiramos uma foto juntos para o guardarmos na lembrança. Ele era um jovem médico residente e até arriscou algumas palavras em português que havia aprendido com alguns colegas da faculdade. Nosso anjo sem asas sorriu, acenou e entrou novamente na noite escura e fria. Foi embora.
A máquina para venda automática de passagens estava quebrada. Tivemos que solicitar a compra dos bilhetes aos policiais de plantão que estavam conversando numa salinha. Eles nos atenderam com toda má vontade que puderam demonstrar e quando fomos pagar uma moeda ainda fez o favor de cair embaixo da mesa onde estavam e eles não nos deixaram pegá-la de volta. Ainda bem que o restante das moedas foi suficiente para pagar as quatro passagens.
Saímos da sala rindo. Minha filha reclamou de sede mas não pudemos comprar uma garrafa d’água, pois faltava exatamente o valor da moeda que havia caído embaixo da mesa. Demos guargalhada da situação e eu brinquei que ela deveria abrir a boca para deixar a neve cair na lingua para aliviar a sede até chegarmos em nosso hotel.
Entramos no trem ainda rindo do mal humor dos guardas e da falta do dinheiro para comprar água. Ficamos tagarelando durante o trajeto e rapidamente nossa estação chegou. Saímos apressadas e não notamos que alguns guardas nos chamaram para conferir nossos bilhetes do trem. Como não os atendemos eles vieram correndo atrás de nós certos de que estávamos sem as passagens. Nos abordaram antegozando nossas caras assutadas e devem ter pensado: pegamos essas turistas no flagrante... Abri calmamente minha bolsa, peguei os bilhetes e entreguei aos guardas que os examinaram ávidos. Estavam loucos para nos aplicar uma multa. Saíram desapontados. Não foi dessa vez o flagrante. Caímos as quatro na gargalhada e saímos rapidamente da estação.

Sebinho, um passarinho do cerrado

Estava sentada na varanda
Aproveitando a brisa fresca da tarde
Que soprava calma,
Sem a fúria descontrolada da ventania do dia anterior
Que espalhava pela rua e pelos jardins
Um monte de folhas secas caídas no chão.
Olhei para o vaso florido em frente a janela do quarto
E vi um pequeno passarinho entrando e saindo
Do meio das flores penduradas em cachos.
Fiquei parada observando e
Num instante percebi que o esperto passarinho
Aproveitava a água acumulada no prato
Para se refrescar na seca implacável do cerrado
Nessa época do ano.
Ele entrava no prato, mergulhava o corpinho delgado
E saia para chacoalhar suas peninhas delicadas.
Seu dorso é escuro,
A garganta cinza, a barriga amarela, e
Tem também uma faixa branca em cima dos olhos.
Habitante do cerrado, frequenta jardins e pomares
Adora beber água doce na garrafinha dos beija-flores
E tomar banho em qualquer tiquinho de água.
Com seus bicos longos e finos
Se alimentam do néctar das flores e pequenos insetos.
Voam aos pares
Fazem seus ninhos em meio aos galhos verdinhos
E até nas varandas das casas
E em poucos dias pequenos filhotes mostram a cabecinha e
Piam reclamando o alimento que os fortalece
São novos sebinhos que
Logo logo estarão voando pelo jardim.

Pena Alternativa

Não querendo reinventar a roda
Nem descobrir novo tipo de pólvora
Acho que encontrei a fórmula
De aniquilar um ladrão
Não será preciso matar o coitado
Nem tampouco cortar no facão
Basta encravar-lhe uma unha
Para colocá-lo no chão
Se o crime for hediondo
Encrava-lhe todas
E discretamente dê-lhe um forte pisão
O coitado vai pedir clemência
E rogar morte mais branda e súbita
Quem sabe uma letal injeção
Mas por Deus não dê outro pisão.

Identidade Revelada

Começou a se desenvolver devagar, bem devagarinho.
Alterou discretamente a cor da pele para um leve rosado
E iniciou a lenta mudança.
Engordou um pouco e se fez notar...
Ninguém sabia exatamente o que era, muito menos eu.
Percebi logo que não era chegada a abraços frouxos
Muito menos aos apertados.
Odiava ficar trancada e começava a pulsar
Batendo forte como um bumbo em plena avenida
Deixando-me apreensiva.
Eu olhava, examinava cuidadosamente
E não chegava a nenhuma conclusão,
Mas meu instinto dizia que não podia ser bom.
Aprendi que quem não mostra a cara
Pode até ser tímido, mas em geral
É bandido ou ladrão.
Usei todo tipo de unguentos, de rezas
E ela nem se abalou, acho até que se fortaleceu
E se apresentou disfarçada em couve-flor.
Não admitia nenhum toque
Nenhuma carícia.
Era pequena, mas se fazia sentir como um gigante
Desordenando meu corpo, obrigando-me mancar.
Foi aniquilada pelo corte certeiro do bisturi
E arrancada sem dó pelo alicate salvador.
Acabou descartada numa lixeira
Pedacinho infame de unha encravada.

Morte do alienígena

Ontem as unhas dos pés voltaram a doer muito. A inflamação parecia ter melhorado, mas a dor voltou com toda força e um pouco antes de dormir, já muito irritada, apelei com Deus. Falei muito brava que eu queria acordar bem e de preferência curada de todas as ziquiziras que estão me atormentado nos últimos tempos.
Acordei hoje cedo e a primeira coisa que fiz foi tirar os curativos dos dedos. Percebi desapontada que tudo parecia como antes e a dor continuava no mesmo lugar mas, uma intuição dizia que eu procurasse a podóloga que atende na clínica Pé por Pé. Bendita intuição.
Embora a dra. Luci tivesse dito que eu teria que fazer uma pequena cirurgia na unha com um cirurgião, minha intuição dizia que eu procurasse um podólogo. Fiquei pensando: a dra. Luci é oncologista e entende é de tratamento para câncer, unha é assunto de podólogo sério. Além do mais foi ela mesmo quem me indicou a clínica de podologia.
Procurei o telefone na internet e liguei para a clínica explicando meu problema. A pessoa que me atendeu, muito solícita, conseguiu um encaixe ainda pela manhã. Foi a melhor coisa que me aconteceu. Fui atendida por uma profissional séria e competente. Ela avisou que iria doer um pouco mas que assim que extraísse o pedaço da unha que estava encravada a dor passaria. Não deu outra, a extração doeu que cheguei a chorar mas a dor passou como que por encanto. Ficou apenas um leve dolorido, mas agora consigo andar sem mancar.
Olha, essa medicação que estou usando tem que acabar com o câncer definitivamente, pois os efeitos colaterais que ela provoca são muito complicados. Meus pés estão parecendo os pés daqueles caboclos que trabalham descalço nas roças. Estão ressecados, rachados e descascando. As unhas além de inflamadas também encravaram. O alienígena que estava saindo debaixo da minha unha nada mais era do que uma reação da unha que enterrou fundo na pele. Por causa dessa brincadeira precisei tomar uma injeção de benzetacil e há duas semanas estou fazendo uso de antibiótico. A pele das mãos e pés ficam hiper sensíveis, a neuropatia faz tudo doer, a pele escurece e se enche de manchas (mesmo usando muito filtro solar) e uma náusea atormenta o tempo todo. Além disso tudo uma canseira infame insiste em deixar a pessoa prostrada. Ninguém merece uma coisa dessas. Só mesmo ficando curada de vez.

De olho nas eleições

Fui até a clínica para os médicos examinarem meus pés. Concluiram que a inflamação ainda não cedeu e que vou precisar continuar com a medicação por mais 10 dias. Haja paciência e bom estômago para aguentar tanto remédio... No sábado a dor no dedão inflamado subia pela perna até a virilha. Não havia posição que desse conforto. Foi um horror. Ainda bem que hoje a coisa, se não sarou, pelo menos melhorou. Esse alienígena que resolveu sair debaixo da minha unha precisa morrer logo!!!

As notícias desse final de semana foram devastadoras. Minha amiga Socorrito precisou baixar na UTI depois de um desmaio, e lá ficou sabendo que a doença avançou para o cérebro. Câncer parece uma praga, quando você pensa que está tudo sob controle o infeliz resolve avançar para onde não deve. Ninguém merece ter câncer no cérebro. Ainda bem que minha amiga é animada, e apesar da má notícia ela está bem hoje e talvez até consiga sair da UTI para um apartamento. Força Socorrito. Fique melhor logo. E você também Mororozinha.

Minha filha também ficou muito abalada quando soube que um estuprador anda atacando na Asa Norte e em plena luz do dia. Quando é que as autoridades dessa nossa querida Brasília vão tomar providência efetiva para trazer mais segurança para a população. Nossa cidade merece ser melhor tratada. Não faz sentido em pleno Plano Piloto ficarmos a mercê de bandidos e estupradores. Cadê o policiamento??? Cadê a segurança??? Para onde está indo todo o dinheiro que pagamos de impostos???

As eleições estão chegando, vamos votar com mais responsabilidade para escolhermos melhor nossos representantes. Brasília merece tudo de bom e nós, cidadãos de bem, merecemos muito mais do que representantes corruptos e sem compromisso no Congresso. Lugar de ladrões e delinquentes é, no mínimo, na cadeia. Vamos fazer valer a lei do ficha limpa!!!

Olha as eleições geeente! A hora da mudança é agora. Somos responsáveis por nossas escolhas e, por isso, precisamos votar bem. Vamos cobrar ações efetivas dos nossos parlamentares. Nossa cidade precisa melhorar os serviços de saúde, transporte, segurança, educação. Aliás, educação é fundamental. Um povo bem educado não aceita ser conduzido placidamente como gado para o matadouro. Um povo educado pensa, cobra, faz valer seu voto.
















Aí está a aparência do alienígena que resolveu sair debaixo da unha do meu tão bem tratado pezinho. Se na foto ele é feio vocês nem podem imaginar o quanto ele é ainda mais feio visto ao vivo e em cores. Horrível! E pior, doído que só, mas não tem como fotografar a dor...
Já tomei a bendita benzetacil, mas até agora nada de bom está visível. A dor ainda não cedeu, mas tenho esperança que comece a melhorar. Estou tomando o antibiótico há três dias, acho que só agora vai começar a aparecer algum resultado.
Os médicos que examinaram meu pé não gostaram do que viram. Todos acreditam em alguma bactéria sinistra resolveu dar cria debaixo da unha. Ninguém merece ser berçário de bactéria, muito menos eu e meu pé. Vou combater essa cretina e dar cabo nela, pois quero voltar a fazer minhas caminhadas calçando um tênis confortável. Agora só dá para ficar de chinelinho em casa (e ainda fazer propaganda das havaianas nas fotos). Quando saio fica pior. É que coloco meias para proteger o pé e uso sandálias. Fica uma marmota. kkkkk

Seguindo minha intuição

Cada dia fico mais convencida de que devo seguir minha intuição.
Outro dia ouvi, num curto espaço de tempo, várias opiniões diferentes sobre minha saúde e o resultado de meus exames. Uma coisa não está batendo com a outra, mas se os sintomas também não batem porque devo me preocupar acreditando no pior?
Não faço o tipo alarmista, que adora arranjar motivos para se sentir um trapo. Às vezes até me sinto assim, mas posso garantir que detesto essas ocasiões. Fico assim quando estou realmente cheia de dores e incapaz de coordenar um pensamento lógico, mas no geral estou quase sempre de bem com a vida, mesmo que os pés não ajudem muito na caminhada ou que uma dor mais forte me obrigue claudicar.
Meu TSH está lá nas alturas, então tentaram convercer-me aumentar a dose do hormônio. Como vi que não adiantava argumentar, peguei a receita mas a deixei esquecida no meio de um monte de papéis. Achei mais seguro, ao invés de simplesmente tomar um remédio mais forte, consultar minha endocrinologista, uma médica de quem eu gosto e em quem confio, e mostrei os resultados do último exame de sangue. Ela nem se abalou com o que viu. Olhou tranquilamente para mim e disse que não vai aumentar a dose do hormônio por enquanto porque certamente a alteração no TSH é resultado desse monte de remédios quimioterápicos e outros que ando tomando.
Adorei essa parte, porque odeio ficar tomando remédios e mais remédios. Vou repetir o exame de sangue em quinze dias e vamos ver o resultado. Minha intuição é fd! Cada dia acredito mais nela. Se eu fosse acreditar em tudo que me dizem e se eu tomasse todos os remédios prescritos acho que já teria cumprimentado São Pedro há muito tempo...
Medicina é uma ciência complicada, e nosso corpo reage de uma forma muito particular. Cada caso é um caso, e cada pessoa é um universo único. Um sintoma pode significar diversos problemas e uma medicação errada pode mascarar uma doença. Não gosto de ficar me entupindo de remédios e só os tomo se realmente fico convencida da necessidade dos mesmos. Além do mais, se minha intuição me deixa em alerta, prefiro acreditar nela.

Falso Alarme de uma Dor Anunciada




Em qualquer clínica, hospital ou posto de saúde
O que se vê, além de expressões abatidas e caras de dor,
É um monte de jalecos brancos
Esvoaçando para lá e para cá
Dentro deles médicos, enfermeiros e auxiliares
Rostos anônimos puncionando veias,
Drenando tumores, aplicando injeções,
Tomando decisões que podem implicar em vida ou morte.
Hoje me vi cercada por alguns jalecos brancos com
Rostos conhecidos tentando me convencer sobre um procedimento.
Depois de muita conversa e explicações
Conclui que não restava outra saída e
Acabei me colocando em mãos desconhecidas
Dentro de outros jalecos brancos.
A atenciosa médica do plantão
Examinou as unhas inflamadas nos meus pés
E preveniu que a injeção seria muito dolorida.
Desolada, fiquei aguardando minha vez enquanto observava
Outros pacientes serem atendidos.
Uma enfermeira puncionava a veia saliente
Que descia sinuosa pelo braço de pele muito branca do jovem rapaz.
Outra enfermeira chamou meu nome e
Nem me atentei para seu rosto
Tudo que vi foi uma seringa com uma agulha enorme
Apontada sinistramente em minha direção.
Um líquido branco opaco ocupava mais da metade do tubo
A enfermeira informou que o procedimento precisava ser rápido
Para não obstruir a agulha e
Com um ar divertido no rosto
(talvez apenas fruto da minha imaginação fértil)
Avisou que sendo uma injeção muito doída
Precisava ser aplicada nos glúteos.
Insegura e preocupada com o tamanho da dor
Perguntei como deveria proceder
A resposta veio seca e objetiva: basta ficar de pé
E abaixar um pouco a calça comprida.
Obedeci a ordem sem entusiasmo e fiquei esperando a dor chegar
A agulha penetrou meu músculo e a temida benzetacil aplicada.
Nem percebi quando tudo terminou
Pois a dor anunciada simplesmente não aconteceu.
Acho que estou anestesiada com tantas dores
Que esta nem abalou.
Ainda bem, tudo não passou de um falso alarme.

Vovó Dolores em Atividade
















Acorda bem cedo e varre o jardim
Recolhe as folhas jogadas pelo vento
E as sobras das queimadas caídas no chão.
Sem pressa rega os canteiros e
O beija-flor, acostumado com a ducha fina
Baila sem medo na chuvinha fresca
Feita sob medida para ele.
Pássaros reclamam pelas frutas frescas
Que ela ainda não colocou nos pratos pendurados na pitangueira.
Em seguida vai cuidar dos passarinhos que estão nas gaiolas
Eles nunca conheceram a liberdade, e mesmo com as portas
Abertas não se aventuram soltos no ar.
As gaiolas são grandes e espaçosas,
Mas ainda assim são feitas de grades
Coitados, não fizeram nada errado para viverem uma vida presos
Mesmo que sejam em gaiolas douradas.
Mais tarde vai para o quarto de costura
Escolher os tecidos para montar outra colcha
Decide as cores e padrões, corta paciente cada pedacinho do patchwork
Devagar vai montando o desenho
E uma nova colcha de retalhos vai sendo costurada com carinho
É mais um presente para alguém especial
Que mora no coração da Dolorinha,
Uma idosa com mais de oitenta anos.

Prescrições Médicas

Ontem comecei um tratamento com acupuntura para ver se consigo harmonizar meu corpo com toda essa quimioterapia que promete curar algumas coisas, mas também estraga tantas outras. Em seguida fui até a clínica fazer o zometa e acabei conversando, no curto espaço de uma meia hora mais ou menos, com três médicos e cada um falou algo totalmente diferente do outro sobre o problema da inflamação na unha dos meus pés, um efeito colateral da quimioterapia que estou fazendo.
No final das contas uma das médicas prescreveu uma injeção de benzetacil para debelar o problema que segundo ela pode até evoluir para uma septicemia por causa da baixa imunidade. Achei um exagero, pois a inflamação já esteve muito pior do que está agora. Olhei para meus pés e fiquei imaginando um tiro de canhão numa mosquinha... Já pensou enfrentar uma benzetacil por causa de uma unha? Hummm, não sei não... Ela ainda disse que a benzetacil seria para evitar uma internação para ficar tomando antibiótico pela veia, já que por via oral me faz muito mal por causa do excesso de remédios que venho tomando.
Fiquei pensando, esse não é um efeito colateral da medicação??? O que vai adiantar tudo isso se vou continuar fazendo uso do remédio? Se é um efeito colateral esperado a inflamação certamente irá voltar e aí? Vou tomar benzetacil de novo??? Sem chance. Melhor pensar em outra solução, pois afinal falei com três médicos e cada um pensou numa solução diferente. Já vi que medicina não é uma ciência exata, então não vou dizer amém para tudo que decidem fazer comigo. Fiquei me imaginando uma paciente da série House que passa por todo tipo de problemas e perrengues até a doença ser finalmente diagnoticada e o remédio correto administrado.
Para completar meu TSH está lá nas alturas. Uma das médicas acha melhor deixar como está, já a outra quer aumentar a dose do remédio que faço uso. Para não ficar no meio dessa discussão decidi que vou mesmo é fazer uma consulta com minha endocrimologista, pois ela é especialista nesse assunto e confio nela.
Os médicos não entram num acordo e o paciente é que fica perdido como cego em tiroteio... Prefiro acreditar na medicina chinesa. É mais natural e com menos remédios. Como diz a Tiê em sua música, ... me dá pena do meu chinês. Por ele eu passava o dia inteiro a meditar, bebendo chá verde... É melhor do que quimioterapia ou benzetacil.


Ocupação Urbana

Há alguns anos vim morar no condomínio onde vivo até hoje. Naquela época eram poucos os moradores e a maioria dos terrenos eram abertos, inclusive o da minha casa.
Era uma paz morar por aqui. A noite ouvia-se o coaxar dos sapos e o cricilar característico dos grilos, e pela manhã era bastante comum acordar e ver vacas ou cavalos pastando no quintal porque a portaria era rudimentar e não havia nenhum tipo de cerca fechando o condomínio.
A impressão que eu tinha era o de morar numa cidadezinha de interior ou até mesmo num sítio, tão vasta e abundante a natureza que cercava minha casa. As crianças que por aqui viviam se esbaldavam em suas brincadeiras pelos terrenos vazios.
Lembro-me bem que naquela ocasião para se fazer um canteiro bem adubado era só recolher um pouco do esterco dos animais que pastavam pelos arredores. Tudo o que se plantava crescia forte e vistoso. No meu quintal havia muitas bananeiras, uma horta cheia de verduras sempre fresquinhas e um jardim repleto de flores coloridas.
As crianças que cresceram no condomínio tiveram a oportunidade de brincar como toda criança deve fazer. Elas corriam soltas, subiam nas árvores, brincavam de pique e todo tipo de brincadeiras que hoje quase não se vê mais.
O tempo foi passando e as pessoas foram chegando devagar, ocupando os terrenos, construindo casas e muros. O condomínio está todo murado, parecendo um grande presídio. Hoje dá para contar nos dedos os poucos terrenos vazios que ainda restam. Todos os lotes foram cercados, inclusive o meu, e o local perdeu aquele ar interiorano e os vizinhos se distanciaram. Cada um vive trancado em seu próprio mundo, e pouco se comunicam. Uma tristeza.
O silêncio gostoso que envolvia a noite e alcançava as manhãs já não existe mais. O cricrilar dos grilos cessou e não se ouve mais o coaxar dos sapos e muito menos o balé das pequenas lanternas dos vagalumes que enchiam as noites frescas. Cavalos ou vacas pastando já faz um tempão que não vejo de perto.
Agora o que se ouve são os motores dos carros que circulam pelas ruas e o insuportável barulho que vem da academia vizinha. Os instrutores devem pensar que seus alunos são surdos, pois berram feito loucos enquanto orientam os exercícios. Vez ou outra um dos aparelhos da musculação cai no chão fazendo tremer tudo enquanto o barulho ecoa pela minha casa.
As manhãs, outrora cheia dos cânticos dos pássaros, agora é invadida pelas vozes dos frequentadores da academia que chegam para malhar e pela música ensurdecedora que esses tarados por malhação gostam de ouvir. Um horror.
A ocupação urbana é inevitável e o preço que pagamos é alto. Perdemos em qualidade de vida na medida que vamos nos distanciando da natureza e nos aproximando cada vez mais urbanização. Acostumamos ouvir o ronco dos motores, o barulho ensurdecedor de muitas vozes, enquanto devagar vamos esquecendo como era agradável ouvir a brisa soprando de leve as folhas das árvores, ou o barulho dos pequenos seres da noite.

As vozes dos bichos

Minha casa, às vezes, parece mais um zoocômio (uma mistura de zoológico com manicômio), pois de repente os bichos todos começam a soltar suas vozes numa sinfonia desconexa. É o gato que late andando sem rumo pelo jardim e latindo feito um louco; o gato velho miando desesperado, perdido em sua cegueira; a poodle latindo estridente e irritando todo mundo e esse gata viralata da foto miando baixinho e delicado. A coitada é feia, mas muito carinhosa. Ela tem horror a estranhos e se esconde assim que ouve o barulho da campainha (deve ter sido muito maltratada antes de ser abandonada em meu quintal). Para fechar o ciclo, o joão de barro pia alto enquanto o bem-te-vi solta um piado que mais parece um grito. É a orquestra animal se apresentando sem maestro e sem hora marcada.

Lembrando mamãe

Minha filha achou meu texto macabro, mas acho que precisamos aprender lidar com a idéia da morte sem maiores sofrimentos. Minha intensão não é me despedir, como sugeriu minha filha. Aliás, posso garantir que ainda quero estar por aqui um bom tempo ainda. De qualquer forma, macabro ou não, fica aí o texto para reflexão.

Numa conversa com minha filha ela disse que não irá ao meu velório. Conversa mais estranha... Retruquei no ato dizendo que não quero ser velada e enterrada, prefiro ser cremada e ela disse que também não quer ver isso de perto, pois não está nem nunca estará preparada para minha morte.
Acho muito ruim que ela reaja assim diante da morte, pois a única certeza que temos é que um dia iremos morrer, inevitavelmente. Tudo que nasce, animal ou vegetal, um dia irá morrer.
Que ela não queira participar dessa despedida tudo bem, até porque eu também não gosto de funerais. Acho pesado, triste e até tenho por hábito não olhar quem está partindo. Prefiro guardar a imagem daquela pessoa viva.
De qualquer forma é importante estarmos preparados para encarar a morte. Ela é tão natural como o nascer e pode chegar sem aviso, de uma hora para outra, num átimo.
Minha filha precisa entender que estarei com ela para sempre. Para começar, sou metade do seu código genético. Vou estar nela também nas lembranças das coisas que formam minha personalidade e no jeito como gostamos de sorver a vida. Assim, quando ela tomar uma taça de um bom vinho irá lembrar que eu também apreciava a bebida de Baco; cada viagem, cada peça de teatro ou visita a uma exposição trará, de alguma forma, uma lembrança minha e é assim que prefiro ser lembrada. Todas as vezes que ela ouvir uma piada idiota irá recordar minhas gargalhadas porque lembrará que sempre ri muito de piadas idiotas. Adoro piada idiota, são as que mais me fazem rir. Também estarei presente no som de uma música ou quando ela usar uma echarpe bonita, um sapato elegante ou um belo brinco ou colar. Serão essas coisinhas que vez ou outra trarão minha lembrança, não o dia da minha morte.
A morte não é o fim, o que muda é a forma da energia que nos constrói. Como na metamorfose que transforma a lagarta rastejante e asquerosa numa linda borboleta, a morte também irá nos transformar numa outra forma de energia. E quanto ao funeral, não faço a menor questão. Se não for difícil pode até doar meu corpo para estudo, pois aquele corpo não será mais eu.
Falando nisso, um dia desses fui ver novamente a exposição dos corpos que estava no Ibirapuera. Já é a terceira vez que vejo essa exposição e cada uma delas acho mais interessante. Dessa última vi como reage o corpo na prática esportiva.
Os corpos estão perfeitamente conservados, mas falta-lhes a energia vital. Nenhum sentimento, nenhum pensamento, nenhuma emoção, apenas um amontoado de células formando ossos, nervos, músculos, órgãos. Uma máquina perfeita, mas nenhum homem será capaz de devolver vida aqueles corpos. Essa se foi para sempre, mesmo estando os corpos preservados.

Brasil fora da copa e dentro da campanha eleitoral

O Brasil está fora da copa. Como a maioria dos brasileiros eu também estou lamentando a derrota, mas pensando bem, será que não foi melhor assim?
A única ocasião em que vemos os brasileiros erguendo a bandeira é por ocasião de copa da mundo, mas tenho vontade mesmo é de ver esse espírito patriótico comemorando outros tipos de conquistas.
Temos muito a comemorar, mas de um modo geral o povo brasileiro só faz falar mal do país, como se tudo por aqui fosse uma grande droga. São poucas as pessoas que se preocupam em mostrar o que o país tem de bom, coisas das quais podemos nos orgulhar de fato.
Fico pensando no resultado das eleições se o Brasil tivesse conseguido alcançar a tão almejada taça. O povo, alienado por natureza, ficaria ainda mais fácil de ser conduzido tão embriagados estariam pela vitória no futebol. Talvez a derrota tenha sido um remédio amargo, mas curador. Quem sabe a partir de agora consigam botar o pé no chão e escolher direito seu candidato nas urnas?
Vamos levantar nossa bandeira para transformar o Brasil no país que todos almejamos e não apenas de quatro em quatro anos por acasião da copa do mundo. Vamos aproveitar a derrota no futebol, já que é irreversível, e tentar ganhar outros campeonatos em favor do crescimento do país e da melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Vamos ser mais sérios na hora da escolha de nossos governantes.

Lembranças de momentos em família

Torre de Babel de Pieter Brueghel, o Velho

Nas férias escolares de minha filha sempre tivemos o hábito de montar um quebra-cabeça. Esse aí contém 5000 peças. Todos gostaram tanto da imagem que decidimos fazer uma mesa de centro para usá-lo como decoração e assim lembrar dos momentos divertidos em que toda a família participava da brincadeira. O jogo foi montado em cima da mesa e levou quase três meses para ser concluído. Alguns amigos também participaram da montagem. Foi muito divertida a brincadeira. Boas lembranças, momentos felizes.