O Retrato da Mamãe

Memória é uma coisa curiosa. Um acontecimento qualquer muitas vezes nos remete a lembranças longinquas, coisas que ficaram sepultadas há muitos anos e que aparentemente não tiveram importância. Um fio de memória pode puxar várias outras e, de repente, voltamos no tempo.
Nessas viagens ocasionais vez por outra deparo com situações hilárias que fazem-me rir como se estivesse acontecendo agora, no momento da lembrança.
Hoje mesmo aconteceu algo assim. Acordei bem cedo e acabei ficando sozinha em casa porque todos saíram para assistir a missa do domingo. Depois do café da manhã resolvi ir para o jardim e fiquei lá um tempão mexendo nas plantas. Cortei as folhas secas dos antúrios, amarrei alguns galhos das orquídeas que ficam presas nas árvores, cortei as folhas amareladas das samambaias e, por fim, molhei os vasos que ficam nos tripés altos.
Concentrada naquelas tarefas de repente me veio a memória um trabalho de escola que minha filha fez quando ainda era bem pequena. A professora pediu que as crianças fizessem um desenho de suas mães e posso até imaginar a festa da garotada ao colocar no papel branco a imagem que tinham de suas mães.
No dia da festa na escola as mães foram convidadas a encontrar seu retrato feito pelos filhos, que estavam fixados num grande mural. As crianças estavam excitadíssimas com o acontecimento e soltavam gritinhos de satisfação.
Toda animada minha filha foi comigo até o mural conferir minha cara quando eu me encontrasse entre as várias figuras de mães. Naquela ocasião eu trabalhava como advogada e imaginei que meu retrato seria o de uma mãe séria, envergando um terninho bem comportado. Procurei durante vários minutos e nada. Acabei me dando por vencida e falei com minha filha que ela precisava ajudar-me porque sozinha eu não conseguia encontrar meu retrato, afinal eram muitos desenhos.
Toda animadinha ela esticou o bracinho rechonchudo e pegou uma figura muito diferente do que eu havia imaginado. Ela havia me retratado com uma pazinha de jardim nas mãos e o corpo cheio de bolinhas. Curiosa perguntei: porque você retratou a mamãe assim? Ela me respondeu com a melhor carinha do mundo: é você, nos finais de semana, cuidando do jardim lá de casa. Ainda sem entender os pontinhos pretos na pintura perguntei novamente: e o que são esses pontinhos pretos que você fez na mamãe? E a resposta me fez dar boas gargalhadas. Ela respondeu candidamente: são as perebinhas que você tem na pele.
Tenho um problema de pele que sempre incomodou bastante, psoríase. Essa doença é benigna, não contagiosa, mas é crônica e provoca descamação na pele. No meu caso, que tive a psoríase do tipo gutata, minha pele ficava cheia de marquinhas em forma de pequenas bolinhas brancas por todo o corpo. Felizmente estou em remissão da doença há mais de dez anos, mas isso me atormentou durante toda adolescência e juventude, pois além do aspecto feio a psoríase provocava uma coceira infernal.
Aquele desenho me fez rir, mas também me fez refletir... Nunca me ocorrera antes pensar que uma criança fosse se ligar num detalhe como aquele problema na pele. Eu não havia percebido até então que meu desconforto com a psoríase era visível também para uma criança tão pequena. Passei a prestar mais atenção em minhas queixas.
Por fim me dei conta de que aquele desenho era muito revelador e que nosso compromisso com a educação de nossos filhos é coisa muito séria. Eles, por mais jovens que sejam, nos observam nos mínimos detalhes, somos seus espelhos, seus exemplos e nem sempre passamos a imagem que queremos que eles tenham de nós. Aquele desenho me fez perceber o quanto somos responsáveis por nossos filhos.
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Obrigada pelo comentário. bjs Lou