Nascimento de uma Deusa


Gosto de mitologia, mesmo não sendo conhecedora profunda do assunto. Lendo o livro A Deusa Interior, que adorei, acabei escrevendo um texto abordando o nascimento de uma das deusas da Roda da Deusas, com a qual mais me identifiquei. Achei divertido encontrar características minhas em todas as deusas e identificar características dessas deusas em meu círculo de amizades.

Sinto que existe um movimento universal em direção a uma nova consciência e a mulher, querendo ou não, está no epicentro deste movimento.
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Minha mãe, personificação da prudência, apaixonou-se coitada e perdeu o juízo. Sua prudência se desmanchou no ar feito fumaça ao vento. Nem se deu conta do jogo perigoso em que se metia quando topou se encolher para agradar seu amor. Acabou engolida pelo meu pai que só queria mesmo era apoderar-se dos conhecimentos dela e não correr o risco de perder seu lugar no Olimpo.
Ele não sabia que engolindo minha mãe, engolia também a mim, que mal começara a crescer no silêncio seguro do ventre de Métis.
Antes que os fluídos paternos a assimilassem saí do seu útero e caí nas entranhas de Zeus. Pequenina, quase invisível, comecei escalar o corpo do meu pai e, como um alpinista experiente, fui subindo devagar, queria alcançar-lhe o coração.
Ocupado que estava em assimilar os conhecimentos de Métis, não se dava conta de meus movimentos sutis em seu interior. Seu corpo robusto se alimentava dela e eu me alimentava de seu corpo. Era uma troca justa.
Cheguei exausta ao átrio, um barulho ensurdecedor ribombava nas paredes grossas do coração do meu pai. Era o sangue executando sua tarefa contínua e necessária de circular pelo corpo. Entrava venoso no ventrículo direito para sair puro e oxigenado pelas artérias. Não percebi nenhum sentimento ali. Vi apenas o sangue vermelho rubro entrando e saindo das veias e artérias, numa perfeita cadência militar.
Continuei minha escalada e escorreguei propositadamente para o átrio esquerdo. Fui catapultada de seu ventrículo, com a força de uma poderosa bomba hidráulica que empurrou-me para cima num viscoso rio vermelho, puro sangue carregado de oxigênio. Fui parar no cérebro, centro do sistema nervoso com mais de 100 bilhões de neurônios. Foi lá que resolvi concluir meu desenvolvimento.
Cresci sem pressa sugando todos os conhecimentos do meu pai. Mergulhei nos sulcos cinzentos das dobras de seu cérebro, nadei em suas sinapses, naveguei em seu fluído mental. Fui aos poucos percebendo que o hemisfério dominante do seu cérebro estava sempre muito atarefado, decifrando complicadas operações de lógica, se ocupando com a linguagem ardilosa que ele usava para enganar os incautos. Fiquei ali bastante tempo, tempo suficiente para aprender todas as suas manobras.
Resolvi então brincar um pouco testando o funcionamento de algumas glândulas e seu sistema nervoso. Provocava-lhe sono nas horas mais inconvenientes ou o deixava em permanente estado de alerta, apenas manipulando seu hipotálamo. Também o fiz sentir muita fome e uma sede capaz de secar o Nilo.
Seu equilíbrio ficava comprometido com um simples toque em seu cerebelo. E bastava abafar seu hipocampo para que ele se desesperasse acreditando ter perdido a memória que tanto prezava. Do que adiantava todo conhecimento, sem memória? Nada.
Mudei-me para o outro lado do córtex cerebral para familiarizar-me com o pensamento simbólico e com a criatividade. Continuei crescendo enquanto descansava no corpo caloso. Aprendi todas as artimanhas masculinas, saquei suas carências, suas necessidades, suas mais finas sutilizas.
Zeus, ao engolir minha mãe, devorou junto com ela a sabedoria e os valores matriarcais, selando o destino cruel reservado as mulheres na sociedade patriarcal que se insinuava.
Mas ele nunca imaginou que eu, mulher intelectual e guerreira, estivesse me desenvolvendo e aprendendo em sua cabeça. Naquela altura do meu desenvolvimento sua cabeça explodia em dores. Desesperado, implorou ajuda de Hefesto que lhe abriu o crânio com um machado afiado, de onde saltei já adulta, armada.
Sou Athena, deusa que ocupa seu lugar no Olimpo ao lado de Zeus.
16/fev/2011
1 Response
  1. Anônimo Says:

    Ma,

    Ficou mto bom!!! Adorei!!!

    Bjos,


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou