Sopa de feijão, quentinha

A casa era velha e o telhado sem forro mostrava sinais do tempo nas telhas de barro, muito antigas e cheias de goteira. Os caibros, de troncos de eucalipto, finos e tortos, e as ripas já estavam bem estragadas pela ação dos cupins.
Os pombos entravam na casa pelas janelas que estavam sempre abertas, com uma intimidade irritante, deixando para trás suas cacas nojentas sobre o assoalho varrido e bem lavado, de madeira carcomida pelos anos de uso. Faziam ninhos e criavam seus filhotes no alto das paredes caiadas de branco de uma das salas, protegidos do sol e dos predadores, e certos de que não seriam enxotados, como deveriam.
O piso da casa ficava afastado do chão de terra batida pelo menos meio metro, e as frestas largas entre as táboas do assoalho deixavam passar qualquer coisa miúda que caísse no chão. Para ventilar e não mofar o piso de madeira, havia algumas aberturas no alicerce alto da casa velha, por onde, lógico, entravam bichos pequenos e até crianças. Os insetos que naturalmente viviam naquele ambiente fresco e escuro, usavam as frestas e os buracos na madeira do assoalho para entrar na casa sorrateiros e assustar os moradores e visitantes.
De vez em quando uma das galinhas criadas soltas no quintal espaçoso resolvia fazer seu ninho e chocar no porão. Quando nasciam os pintinhos uma criança entrava no porão retirando uma tábua que ficava solta. Era preciso andar de gatinhas para retirar a ninhada e a galinha, que vendo toda aquela função ficava nervosa e gritava muito. O resgate dos pintinhos amarelinhos e sua mãe protetora era uma aventura.
Na cozinha com piso de cimento queimado na cor amarela, havia sempre alguém trabalhando ou alguma criança comendo uma guloseima apetitosa. Qualquer criança que morasse naquela rua sabia que embaixo da pia da cozinha, atrás da cortina de pano estampado, bem limpinha, sempre havia uma panela cheia de doce de leite puro ou com côco ralado ou então pés de moleque.
No comecinho das noites nunca faltava um caldeirão fumegante de sopa cheirosa e apetitosa em cima do fogão. Às vezes a sopa era de feijão, outras vezes de macarrão ou legumes, mas sempre, invariavelmente, era muito gostosa. As meninas da casa e seus amiguinhos se deliciavam enchendo a barriga com aquela sopinha feita sob medida para eles, no velho fogão a lenha que ficava no canto da cozinha e que um belo dia foi destruído pela mãe, a golpes de cavadeira de ferro, para dar espaço ao novo fogão a gás.
Poucos dias depois que o novo fogão reinava na velha cozinha, a dona da casa pediu chorosa ao marido que construísse outro fogão a lenha, dessa vez na varanda da cozinha, pois andava a sentir falta do fogo crepitando entre as trempes vermelhas pelo calor. Ele, que havia ficado muito bravo com a destruição do fogão antigo não se fez de rogado e em pouco tempo mandou construir um novo fogão todo vermelho, da cor do fogo que subia dos galhos secos que queimavam sob as trempes de ferro escuro.
O quintal, como em quase toda casa de interior, era grande. Um enorme abacateiro, que todos os anos ficava com os galhos envergados sob o peso dos frutos que enchiam a árvore, cresceu no espaço vazio de dois grandes pneus sobrepostos, que serviam de pula pula para a garotada. Sua sombra era fresca e acolhedora. Seus frutos eram doces. Era embaixo daquela árvora que as crianças gostavam de brincar de casinha e bonecas.
A infância acabou. Aquelas crianças cresceram e partiram para bem longe dali. O velho abacateiro sucumbiu sob a lâmina afiada do machado de um novo morador que passou a ocupar uma parte do quintal. A velha casa foi reformada. Não havia mais sopa quente em cima do fogão, nem doces de leite ou pés de moleque na panela guardada embaixo da pia da cozinha. Todos mudaram. Tudo mudou.
O tempo varreu tudo, mas não destruiu as lembranças daquela infância que ficou gravada na memória de cada uma daquelas crianças que adoravam tomar sopa de feijão, bem quentinha, enquanto tagarelavam em volta da mesa de madeira que ficava numa cozinha acolhedora, aquecida por um fogão a lenha.
7/fev/2011
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