Os 85 anos da minha mãe

           Minha mãe vai completar 85 anos amanhã. Que vida longa! Quantas lembranças dos altos e baixos vividos nesta longa jornada... Quem olha para ela não acredita que já tenham se passado tantos anos, ela está muito bem e continua ágil e ativa, lúcida e curiosa.
           Quando estamos sozinhas ela costuma relembrar o passado, pois sabe que sou boa ouvinte. Ela gosta muito de recordar sua infância passada nas fazendas do interior de São Paulo,  onde ela viveu com o pai e os irmãos. Também gosta de falar dos anos em que morou como interna  no Colégio Stella Maris. Foi lá que ela conheceu meu pai e onde eu nasci.
            Suas lembranças da infância tem cheiro de mato, lugares onde ela e a irmã mais nova, tia Suzana, corriam soltas catando frutinhas silvestres, pescando nos riachos usando balaios, peneiras ou anzóis (ela ri gostoso quando remeda o som de um peixe que elas chamavam chorão, porque saia da água emitindo um gemido parecido com choro);  tem cheiro de medo dos animais selvagens que a noite rondavam a casinha tosca onde sua família vivia;  tem cheiro da bruma fria que cobria os campos, no inverno sem sapatos ou agasalhos apropriados; tem cheiro da difícil lida nas roças de milho, arroz, de amendoim, mandioca, batatinha e algodão; tem cheiro das constantes mudanças da família pelas fazendas da região.
            De vez em quando ela menciona a mãe que se casou aos quinze e morreu aos trinta e três anos,  poucos dias depois do parto mal feito do seu nono filho. Lembra do dia em que minha avó foi levada num barquinho pequeno para ser enterrada num cemitério distante, e dos longos cabelos loiros que lhe serviram de mortalha.
            Minha mãe foi a primeira pessoa da família que se aventurou longe de casa. Saiu de Capão Bonito, no interior de São Paulo, para viver no Colégio Stella Maris, no Rio de Janeiro. Morou lá mais de quinze anos até se casar com meu pai.
            Quando escuto as histórias da minha mãe fico admirada. Ela foi muito ousada para sua época. Não era comum, nos anos 40, que uma mulher se aventurasse sozinha no mundo. Ela foi corajosa, mesmo considerando que tenha ido  viver  num colégio de freiras.
          Minha mãe saiu da roça e aprendeu praticamente sozinha a se virar no Rio de Janeiro, para atender às necessidades do colégio. Era ela quem saía para ensinar as freiras novatas, que chegavam da europa,  a  andar pela cidade.
          Até hoje minha mãe não consegue ficar muito parada. Ela acorda cedo, varre o jardim das folhas secas que caíram durante a noite e alimenta os passarinhos que voam livre e ficam aguardando a porção de sementes que ela coloca nos pratos todas as manhãs. Só depois disto ela senta para tomar o café da manhã. Outra atividade que ela adora é colocar roupas para lavar. Se deixar, ela coloca roupa na máquina todos os dias.
          A parte da tarde é reservada para costurar e assistir TV. Ela dá notícia de todas as fofocas televisivas. É até engraçado. Volta e meia ela chega perto de mim e pergunta cheia de caras e bocas: você sabia que... é sempre alguma fofoca envolvendo um artista ou político corrupto.
          A noite, um pouquinho antes de dormir, é sua hora de rezar. Ela pega seus livrinhos de orações e reza prá todo mundo, depois vai dormir em paz para acordar no dia seguinte bem cedinho e começar tudo outra vez.
1 Response
  1. Anônimo Says:

    A vovó é demais. Além de uma história de vida impressionante, ela ainda faz o melhor suco de limão do mundo, a melhor farofa, o melhor pé de moleque e por aí vai! Família MARA essa minha!
    Mama, falando em coisas delícia: cadê meu bolo de cenoura?
    bjos,


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou