Ainda temos um ao outro

            - Dadai, dadai, não vai embora...
            Era assim que Mercedinha se despedia do pai no portão da casa, todos os dias pela manhã, quando ele saía para o trabalho. Enquanto o pai se afastava ela ficava acenando e chorando. Ele olhava para trás, jogava um beijo e seguia seu caminho. Ela adorava aquele pai carinhoso, e ele amava profundamente a única filha. A menina de olhos verdes muito vivos tinha longos cabelos cheios de cachos dourados que emolduravam um rostinho redondo e corado. Ela era linda. Era a paixão daquele pai.
            Na volta do trabalho ela disparava até a porta da casa tão logo ouvia os passos firmes de Heitor ecoando na calçada. O ritual se repetia todos os dias, e assim que a porta se abria ela se jogava no pescoço dele e enchia seu rosto de beijos e os dois entravam abraçados e ficavam brincando juntos por algum tempo até Mercedes se cansar e dormir nos braços do pai.
            A mãe de Mercedes era uma senhora baixinha, de cabelos curtos e castanhos e corpo roliço. Era uma mãe carinhosa e estava grávida do seu segundo filho. Ela vivia para cuidar do marido e da filha pequena.
            Certa ocasião Heitor, o pai de Mercedes, precisou viajar alguns dias a trabalho. Durante sua ausência a cidade onde moravam foi tomada por um surto de doenças contagiosas que dizimou várias pessoas, principalmente crianças. Anita ficou muito aflita quando Mercedes ficou amuada por causa de uma febre constante. Em seguida a menina começou a vomitar e uma diarreia a deixou bastante prostrada. Ela ficou gravemente doente.
            Com o pai ausente e uma gravidez já bastante adiantada Anita precisou internar Mercedes num hospital já superlotado de pacientes com os mesmos sintomas. Ela não saía de perto da cama da menina, mas todos os cuidados foram em vão. Mercedes, assim como vários outros pacientes, também não resistiu ao forte vírus e acabou falecendo poucos dias depois, aos três anos de idade.
            Desesperada de dor e angústia pela perda da filha e sem o marido por perto para lhe dar apoio Anita, de saúde frágil, entrou em trabalho de parto. Sua gravidez, de alto risco, a deixava num estado muito delicado. Os médicos usaram de todos os recursos, mas tudo foi em vão. A criança nasceu morta e Anita ficou entre a vida e a morte na UTI do hospital.
            Heitor, sem sequer imaginar a tragédia que atingira sua família, voltando de viagem entrou correndo em casa chamando pela filha querida que não viera ao seu encontro. Um silêncio sinistro... uma casa vazia. Onde estariam sua mulher e sua filha?
            Uma vizinha, muito a contragosto e sem saber direito como abordar o assunto, veio ao seu encontro e relatou a desgraça que se abatera sobre sua família. Heitor soltou um grito de horror e desespero. Levantando as mãos aos céus ele clamava aos gritos que saíra para trabalhar e voltando para casa encontrara suas duas filhas mortas e sua mulher agonizando no hospital. – O que aconteceu meu Deus? Tenha piedade de mim. Minha família está quase toda destruída. O que eu fiz para merecer tamanho castigo?
            Heitor saiu correndo para o hospital, sua mulher agonizava. Ele segurou suas mãos muito frias e lançou uma súplica a Deus – salve ao menos a minha mulher, já que minhas filhas estão mortas. Tenha piedade de mim.
            As horas foram se arrastando e a noite alcançou Heitor suplicando a Deus, ajoelhado na beira da cama de sua esposa muito amada. Ela resistiu àquela noite e nos dias que se seguiram foi recobrando as forças devagar. Deus ouvira as preces de um homem desesperado.
            Passado alguns dias Anita recebeu alta hospitalar. Ela recuperou a saúde, mas ficou sabendo que não poderia mais ter filhos e suas duas filhas estavam mortas. Anita sentiu-se morrer, mas foi amparada pelo marido que muito a amava. Voltou para casa arrasada, e um silêncio sepulcral, devastador, os recebeu no lar vazio. As gargalhadas de Mercedes silenciaram... estava tudo muito triste e desolador.
        Heitor abraçou Anita carinhosamente e sussurrou em seu ouvido: - ainda temos um ao outro.
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1 Response
  1. Anônimo Says:

    Mama, ficou excelente! Mto triste, mas excelente!


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou