Uma experiência difícil

             - Aguarde sentada naquele banco que vou buscar um funcionário que fale português para conversar com sua amiga.
            Maria e Fátima tinham acabado de chegar ao aeroporto de Heathrow em Londres e foram juntas para o guichê de imigração. Maria que tinha vários carimbos no passaporte e Visto dos EUA não teve nenhum problema e foi admitida para permanência de seis meses na cidade, mas o guarda da imigração resolveu criar caso com Fátima porque o passaporte dela não tinha nenhum carimbo e ela estava chegando à cidade para estudar por seis meses e não falava uma palavra sequer em inglês.
            A conversa não acabava mais e de longe Maria só conseguia ver a amiga gesticular e responder a várias perguntas, não dava para deduzir e muito menos escutar o que eles tanto falavam. Ela já estava ficando aflita, com medo de Fátima ser deportada, quando finalmente a imigração resolveu carimbar o passaporte. Mais do que depressa as duas pegaram as malas na esteira e quando finalmente alcançaram o saguão encontraram outro problema: o amigo que ficou de buscá-las no aeroporto não estava aguardando no local combinado.
            Elas estavam cansadas da longa viagem e bastante estressadas com o episódio na imigração. Tentaram falar pelo celular, mas a ligação caía na caixa postal. Por onde andaria Vitor? Resolveram sentar e aguardar um pouco mais.
            O tempo passava e nada de Vitor chegar. As duas já estavam na fila do taxi quando ouviram uma voz conhecida gritando seus nomes, era o Vitor que vinha correndo ao encontro delas. Ele sorria enquanto se desculpava pelo atraso. Os três se abraçaram e saíram juntos do aeroporto. Optaram pelo metrô, já que iriam descer em Piccadilly Circus, onde ele trabalhava.
            A viagem até o centro de Londres foi longa, quase uma hora no metrô lotado. Quando chegaram na estação de Piccadilly desembarcaram e para desespero dos três só havia uma escada que levava para a saída. O jeito foi respirar fundo e arrastar as pesadas malas escada acima. Quando finalmente alcançaram a rua uma rajada de vento gelado os recebeu, mas mesmo assim foi um alívio sentir que finalmente haviam chegado ao destino.
            Foram direto para o hotel que ficava quase em frente a saída do metrô e onde passariam a noite. Estavam exaustas pela viagem longa e pelo estresse na imigração. Só queriam descansar para apagar da memória as lembranças ruins da chegada à cidade. No dia seguinte sairiam com calma para conhecer Londres.
            O domingo amanheceu frio, nem parecia verão. Foi preciso usar botas, um agasalho e cachecol quentinho para se proteger do frio que parecia querer congelar até os ossos. – É assim o verão na Europa? Fátima perguntou assustada, já que detestava invernos gelados. Vitor sorriu e disse que em Londres o tempo era meio doido. Era muito comum a cidade exibir todas as estações do ano num mesmo dia.
            Como estavam em Piccadilly foram caminhando a pé até o Palácio de Buckingham, primeiro ponto turístico que resolveram conhecer. A longa avenida de acesso ao palácio era ornamentada com árvores antigas e frondosas que deixavam uma sombra gelada e escura desenhada no chão. Fátima levantou a gola do casaco para ver se esquentava um pouco mais. Ela andava encolhida, de cabeça baixa e com as mãos protegidas no bolso do casaco. Sentia tanto frio que nem conseguiu reparar direito nos canteiros em frente ao palácio que ainda exibiam flores coloridas. Uma multidão de turistas aguardava em frente aos portões altos.
            Assistiram a troca da guarda e em seguida foram conhecer o Parlamento e o famoso Big Ben. Fátima estava impressionada com tudo o que via, era sua primeira viagem a Europa. A única coisa que tirava um pouco do prazer no passeio era o vento frio que não parava de soprar. O Palácio de Westminster ou Casas do Parlamento, que abriga a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns, fica numa das margens do Rio Tamisa.
            Assim que viu o prédio do Parlamento Fátima exclamou excitada: - a arquitetura da fachada é gótica! Aprendi isto em minha aula de decoração, mas é a primeira vez que vejo um prédio assim. – É lindo!
 O famoso relógio Big Ben fica numa das torres que mede 96 metros e é conhecida como Torre do Relógio. Depois do almoço as amigas resolveram voltar para o hotel e não saíram mais. No dia seguinte precisavam sair para conhecer a escola onde iriam estudar e iriam também para a casa da família que iria hospedá-las durante o período que ficariam na cidade.
            Na segunda-feira foram conhecer primeiro a casa onde iriam morar e levaram o maior susto. A dona da casa informou que havia cancelado a reserva da hospedagem e que a escola sabia do cancelamento. Maria e Fátima ficaram assustadas, pois a escola não havia informado nada sobre o cancelamento da hospedagem. Ainda bem que Vitor estava com elas e pode acompanhá-las até a escola para tentar resolver o problema.
            A escola ofereceu outra opção de hospedagem e lá se foram os três para o novo endereço, mas outro problema os aguardava: o dono da casa estava furioso porque um aluno da escola havia quebrado algumas coisas em sua casa e saído sem pagar pelo prejuízo. Ele chacoalhava um chaveiro com as chaves da casa enquanto conversava com Vitor e dizia que só receberia as duas novas alunas se elas pagassem adiantado a quantia de cento e cinquenta libras para cobrir os prejuízos causados pelo outro estudante.
            Maria e Fátima se recusaram a pagar pelo prejuízo e voltaram desoladas para o hotel onde estavam hospedadas. Já era muito tarde, estavam cansadas e furiosas com a escola, pois pagaram adiantado um mês de hospedagem quando fizeram a matrícula, antes de saírem de suas casas, e agora estavam sem lugar para morar em Londres e não podiam ficar muito tempo pagando pela diária do hotel. Elas precisavam encontrar um lugar para morar, pois estavam se sentindo como duas sem teto em Londres. Parecia que tudo estava dando errado para as amigas, desde a chegada ao aeroporto. Era melhor dormir e esfriar a cabeça.
            Vitor trabalhava no hotel onde Maria e Fátima estavam hospedadas, e então conversou com sua gerente para saber se era possível elas ficarem morando no mesmo alojamento dos funcionários do hotel que ainda tinha alguns quartos disponíveis. Ele explicou a situação das amigas e a gerente, sensível ao problema, resolveu alugar um dos quartos. Ela também sugeriu que ambas tentassem uma vaga para trabalhar meio período no restaurante do hotel, já que eram estudantes e podiam trabalhar legalmente.
            Não podia ter acontecido nada melhor. Os ventos pareciam estar começando a soprar em favor das amigas que além de conseguirem um quarto para morar no centro de Londres, ainda podiam trabalhar pela manhã e estudar no período da tarde. Era um arranjo perfeito. Elas pegaram suas malas e fizeram a mudança para o alojamento no mesmo dia, e em seguida foram até a escola cobrar de volta o pagamento referente a um mês de hospedagem em casa de família.
            A primeira semana chegou ao fim e Fátima não parecia nada feliz. Ela trabalhava no hotel pela manhã e frequentava a escola de inglês na parte da tarde. Chegava em casa abatida comentando as histórias de vida que ouvia dos colegas que frequentavam a mesma escola. Eram histórias de pessoas pobres que foram morar em Londres e que viviam no maior sufoco. Eles precisavam estudar para manter o visto de estudantes e assim poder continuar trabalhando legalmente, moravam em bairros distantes do centro e trabalhavam muito para se manter e também poder mandar dinheiro para as famílias. Era uma vida muito dura e difícil.
            Fátima não conseguia se adaptar e sentia muita falta de sua casa e sua família que havia ficado para trás. Além da dificuldade com a língua, o que atrapalhava a comunicação no trabalho, o frio, em pleno verão, piorava ainda mais as coisas. Ela só queria dormir e se recusava sair para conhecer a cidade. Saía da cama apenas para trabalhar e ir para o curso de inglês. Na metade da segunda semana ela decidiu que não iria mais ficar, queria voltar para casa. Pediu ajuda a Vitor e foram marcar a passagem de volta. No final da segunda semana Fátima embarcou de volta para casa sem ter conhecido Londres.
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1 Response
  1. Anônimo Says:

    Seus contos estão ótimos, mama! Se não conhecesse a história, teria ficado curiosíssima para saber o que iria acontecer!
    Bjos


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou