O ataque dos cupins

Solteira, sem eira nem beira, como diz um velho ditado, a jovem grávida precisava procurar outro lugar para morar. Estava, como diz um outro ditado, mais perdida do que cego em tiroteio. Não tinha para onde ir. Não sabia o que fazer...

Num lance de sorte, destes que acontecem apenas uma vez na vida, ela foi convidada a morar num apartamento simpático e acolhedor, para fazer companhia a uma jovem estudante, cujos pais haviam se mudado para uma cidade distante.

Ela aceitou de pronto a oferta e em poucos dias já estava morando na casa onde foi recebida com carinho e sem o menor preconceito pelo fato de estar grávida e ainda ser solteira.

Depois de alguns dias morando na nova casa, ela resolveu começar a registrar num diário tudo o que estava se passando com ela durante aquele período mágico e difícil que era a gravidez sem um companheiro. Ela relatava suas alegrias e tristezas, seus medos e angústias, suas vitórias e expectativas para um futuro que nem mesmo ela tinha idéia de como seria.

Anos depois, quando aquela criança que estava sendo gerada já era uma jovem adolescente, a mãe lhe deu o diário de presente. A jovem o leu e o guardou cuidadosamente numa caixa de madeira.

O tempo passou indiferente as histórias que ele ajudava a gerar. A jovem cresceu e a mãe se tornou uma mulher madura. Ambas ainda moravam juntas, agora numa casa que era delas. O pai, que jamais conhecera sua filha, havia morrido há muitos anos.

Um dia a mãe notou muitas asinhas de insetos caídas no chão, perto do armário do quarto da jovem. Curiosa, resolveu tirar tudo do lugar, e qual não foi sua surpresa ao perceber que a caixa de madeira, onde a filha guardava o diário escrito por ela, estava toda furada de cupins.

Ela retirou a caixa do lugar, mas como estava trancada com um cadeado, apenas jogou um veneno por fora para matar os cupins, e colocou a caixa na área de serviço.

Já havia anoitecido quando a filha retornou do trabalho. Assim que sua mãe a viu, contou que havia encontrado cupins na caixa de madeira onde ela guardava coisas de sua infância. Elas foram juntas até a área de serviço, abriram a caixa e viram que ela estava completamente destruída por dentro. O caderno com as memórias da gestação de sua mãe exibia um buraco enorme no centro e vários outros buracos menores em toda sua extensão. Era quase impossível ler o que estava escrito naquelas páginas meio amareladas pelo tempo.

A filha desolada, segurando o caderno destruído nas mãos, pediu que a mãe tentasse reescrever a história do começo de sua vida. A mãe folheou as páginas totalmente furadas pelo ataque dos cupins e sorriu. Não seria difícil reescrever aquela história que continuava cristalizada e intacta em sua memória...
1 Response
  1. Lili Says:

    Oi Lou,
    Vi na rede hoje "feelings change, memories don't", poderia até ser o título desse post rs
    Só que o sentimento que memórias evocam é tão real que ás vezes acho que eles também não mudam, a gente é que sente algo novo.
    Isn't the feelings a memory too?
    Beijin,


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou