Mudança de endereço

     Passados mais de oito anos de tratamento do câncer metastático e muitos e diferentes protocolos de quimioterapias estava ficando cada vez mais difícil fazer o trajeto da minha casa até a clínica onde sou atendida, no final da Asa Sul. O trânsito, a cada dia que passa, está mais congestionado, então os 20 minutos que eu gastava entre minha casa e a clínica agora se transformaram em uma hora ou mais, dependendo do horário. Concluí, com muito pesar, que havia chegado a hora de mudar do meu pequeno paraíso para facilitar minha vida e diminuir o estresse e o cansaço da viagem. Decidi vender minha casa para morar na Asa Sul, o mais perto possível do setor hospitalar.
     Não foi uma decisão fácil, principalmente por causa da minha mãe que adora cuidar do jardim, e dos bichos que estão acostumados com o espaço do quintal mas, com todos os problemas e dificuldades que a doença acaba trazendo é preciso optar pela praticidade. No final das contas, morar na Asa Sul também terá suas vantagens e os bichos acabarão por se adaptar, tanto quanto minha mãe e o restante da família. Além do mais as quadras do plano são cercadas de amplos jardins com frondosas árvores e muitas flores e frutos silvestres.
     Tenho que mudar no início do mês de abril, então a maioria das minhas coisas já estão empacotadas e muitas outras coisas precisei vender ou doar, afinal estou saindo de uma casa grande para um apartamento. É uma boa oportunidade, no final das contas, de eliminar os excessos e aprender a viver apenas com o essencial e necessário, e um bom e difícil exercício de desapego.
      A maratona da procura de um apartamento para comprar é muito desgastante, principalmente quando o orçamento não é muito folgado. Vi muitos imóveis mal conservados e ainda assim muito caros. Vi apartamentos detonados e imundos. Fiquei impressionada com a falta de cuidados dos proprietários que ao invés de conservar suas casas deixam 

Morando provisoriamente em apart hotel

  Saí da minha antiga casa, onde vivi por mais de vinte anos, há mais de uma semana. Por incrível que possa parecer não sinto saudades ou nostalgia, acho que consegui virar a página sem sofrer por ter que deixar para trás uma casa que construí devagar e com cuidado, para abrigar minha família. Todos cresceram e seguiram suas vidas,  estava na hora de fazer mais uma mudança em minha própria vida.
     Estou temporariamente ocupando um apart hotel, mas em pouco mais de duas semanas acredito que estarei em minha nova casa, um apartamento localizado na Asa Sul, no centro de Brasília. O apartamento é espaçoso e confortável, e melhor, irá facilitar em muito a minha vida. Lá estarei mais próxima de tudo o que preciso e posso ir caminhando até uma padaria ou para fazer pequenas compras. Estou a menos de dez minutos da clínica onde faço quimioterapia e também dos hospitais, uma verdadeira benção nestes tempos de trânsito caótico e congestionado.
     A Mingau, nossa gatinha de estimação, está começando a se acostumar com a mudança. Agora ela já não fica mais escondida o dia inteiro, mas ainda continua olhando nostálgica pela janela, espiando de longe o jardim, farejando o ar, sentindo vontade de rolar na   grama como fazia em nossa antiga casa. Seu pelo já está ficando branquinho novamente. Em nossa antiga casa seu pelo estava sempre sujo da terra que ela cavava fazendo buracos nos canteiros do jardim.
     A Haseena, nossa poodle velhinha, já está perdendo o medo de chegar perto do espelho d'água que se destaca no jardim do condomínio. Os esguichos d'água já não a assustam mais. Ela caminha pela grama, cheira por todos os lados e depois se deita próximo do local onde eu e minha mãe paramos para descansar e conversar um pouco. O extenso jardim  tem  vários pergolados com cadeiras, um convite para uma pausa e um papinho descontraído.
     Enquanto estamos no apart hotel a pequena reforma no apartamento está a pleno vapor. Os armários velhos e mal cheirosos já foram para o lixo e uma nova demão de tinta está sendo feita em toda casa. As janelas velhas e pesadas, do tempo em que o apartamento foi construído, também estão sendo trocadas. O piso de madeira será polido e resinado e assim todo o apartamento ficará novinho em folha, pronto para ser ocupado.
     Não vejo a hora de entrar definitivamente em minha nova casa. Tenho certeza de que morar no Plano Piloto será muito bom para toda família. Até mesmo minha mãe, que estava insegura por trocar uma casa por apartamento, irá gostar da mudança. Ela se adaptará  aos poucos e encontrará seu jeito próprio de  ficar ocupada o tempo todo. Além do mais, morando na quadra, será mais fácil fazer caminhadas, uma atividade importante tanto para ela quanto para mim.
     E pensando bem, de tempos em tempos, é preciso jogar fora o que não nos serve mais. É preciso fazer mudanças para renovar as energias.

Aguardando minha mudança definitiva

     Fiquei mais de um mês hospedada em um apart hotel sem telefone, TV e internet. Fiquei fora do mundo, mas agora estou de volta e já morando em meu novo apartamento que fica bem próximo da clínica onde faço tratamento quimioterápico.
     O texto abaixo foi escrito em abril, mas só agora pude postar. 

    Já se passou quase uma semana desde que entreguei minha casa para os novos donos e vim morar no apart hotel. Ficarei aqui mais três semanas até que o apartamento que comprei seja pintado e o piso gasto pelo tempo seja restaurado. Os armários velhos e cheirando a mofo já foram retirados e devagar o apartamento começa a ficar com a minha cara e o meu jeito de funcionar.
     Minha nova casa fica no terceiro andar então, para evitar acidentes com os gatos, vou mandar colocar tela em todas as janelas. Elas também servirão para impedir que os pombos façam ninhos nos grandes nichos que ficam na frente das janelas. Acho que o arquiteto que bolou aquele prédio não tinha idéia de que estava construindo um pombal além dos apartamentos. Os pombos fazem ninhos no local e ainda tentam entrar pelas amplas janelas. Ninguém merece conviver com pombos e os piolhos e doenças que eles costumam carregar. Vou aproveitar aquele espaço para fazer um pequeno jardim com vasos, quem sabe assim a Mingau, nossa gatinha de estimação, fique menos infeliz com a mudança para um apartamento. Ela está sentindo muita falta dos canteiros do jardim de nossa antiga casa, onde ela costumava passar o dia inteiro dormindo e sonhando com os passarinhos que ela sempre tentava caçar.
     A Haseena, nossa cachorrinha poodle, também está estranhando a mudança. Ela olha desconfiada para tudo a sua volta e se assusta com qualquer ruído estranho. Ela morre de medo de se aproximar do enorme espelho d'água com esguichos em alguns pontos, que fica no meio do grande jardim do condomínio onde estamos morando provisoriamente.
     Minha mãe, coitada, também está deslocada e sem espaço. O tempo todo ela diz que está se sentindo dentro de uma gaiola, por estar morando num espaço tão reduzido. Não vejo a hora de mudar definitivamente para o apartamento para que ela reencontre suas coisinhas: a velha máquina de costura, algumas plantas e seu passarinho de estimação, um melro metálico lindo que parece nunca ter envelhecido apesar de já estar com mais de quinze anos.
     Quanto a mim acho que estou começando a relaxar das emoções contraditórias com a venda da casa e a estressante procura de um apartamento que pudesse atender as necessidades da família. Foi uma procura difícil e frustrante na maioria das vezes. As pessoas, de um modo geral, parecem cuidar muito mal de suas casas, pois a grande maioria dos apartamentos que visitei estava em péssimas condições de uso e conservação. Um lixo mesmo. O apartamento que comprei não é nenhum primor de conservado, mas basta fazer uma boa pintura e arrumar o piso para que possamos morar com conforto.
     O pintor já iniciou o serviço de pintura e garatiu que em duas semanas estará tudo pronto. Espero que ele consiga fazer a entrega no prazo, pois não vejo a hora de entrar definitivamente em minha nova casa. Vou morar na Asa Sul, muito próximo da clínica onde faço quimioterapia, para facilitar meu deslocamento. Se antes eu precisava de uma hora ou mais para chegar na clínica, por causa do trânsito e da distância, agora só precisarei de uns dez minutos, se tanto. Além do mais, nas quadras do Planto Piloto é possível encontrar tudo o que preciso a poucos passos da minha nova residência. Uma bênção nestes tempos de trânsito caótico.