Barquinho a deslizar





O sol tinge de prata
As águas calmas do Lago Paranoa.
Barquinhos deslizam suavemente
Embalados pela calma brisa
Que sopra sem cessar
Na tentativa de espantar para bem longe
A seca inclemente que assola o cerrado.

Qual é o seu nome?

Nome você carrega para toda vida, é sua identidade. Uma escolha errada por parte dos pais e quem paga o pato é o dono da identidade. Você.
Uma mulher, seja ela quem for, começa a pensar na escolha do nome do seu bebê tão logo suspeite da visita da cegonha. Muitas vezes a escolha recai sobre um nome que está na moda ou de um personagem da novela que está dando o que falar. Até aí tudo bem, mas o problema fica complicado quando resolvem fazer aquela mistura de nomes do pai e da mãe ou até dos avós e aí a coisa pode ficar bem estranha...
A escolha do nome pode até causar briga em família. O pai quer Onofre a mãe Pedro e aí começa o impasse. É discussão prá lá, argumento para cá e no final acabam juntando os dois e vira um nome enorme e sem sentido. E falando em nomes estranhos e sem sentido, alguém já leu uma lista desses nomes registrados em cartório? Custamos a acreditar ser verdade nomes como Letsgo (os pais devem ter gostado do som de let’s go) ou Francisoreia Dorida, e por aí a fora. Pode?
Nomes estranhos já criaram tantos problemas que precisou ser criada uma lei para censurar escolhas de nomes bizarros ou vexatórios. Veja a que ponto chegamos. Precisamos criar uma lei para coibir o uso de nomes esquisitos.
O fato é que nome nós carregamos pelo resto da vida e carregar um nome estranho ou que causa constrangimento é de doer... Pense bem num bebê com cara de anjinho carregando um nome como Adolph Hitler ou qualquer outro personagem genocida da história. O inverso também assusta, pois agora imaginem um sujeito cruel e sanguinário com o nome de Ghandi por exemplo. Fica muito estranho.
Um dia desses assisti pela TV a entrevista de um casal contando que precisaram entrar na justiça para conseguir registrar a filha com o nome de Amora porque o cartório se recusara fazer o registro e sem o registro a criança não poderia, por exemplo, ser incluída em plano de saúde.
Olha só a complicação. E o pior era que o bebê havia nascido prematuro e precisava de acompanhamento médico frequente, o que estava onerando muito o orçamento do casal. Não teria sido mais fácil e racional escolher um nome “normal” ao invés do nome de uma fruta para um bebezinho e resolver o problema? Não. Eles preferiram gastar com advogado e com médico, mas fazer valer sua escolha estranha.
Para dar um exemplo dos pequenos aborrecimentos que certamente esse nome trará para essa criança, principalmente durante a infância e juventude, vou relatar uma conversa que tive com minha filha enquanto ela me dava uma carona. Nem bem havia acabado de falar no assunto ela retrucou: Amoooora? Que nome é esse? Isso é nome de fruta e não de gente. Argumentei: os pais pensaram em amor e resolveram chamar a filha de Amora, qual o problema? De novo ela argumentou num impulso que me fez dar boas gargalhadas. Mãe, pense bem, Amora. Isso lá é nome de gente? Sabe o que acontecerá em várias oportunidades quando alguém perguntar: Qual seu nome? A criatura responde: Amora. Amora? Ah! Vou contar pro seu pai que você namora. Kkkkk
É o mínimo que acontecerá várias e várias vezes principalmente durante a infância e adolescência dessa criança e isso certamente irá tirá-la do sério. Criança pode ser cruel principalmente se perceber que a outra se aborrece com esse tipo de brincadeira. Vira bulling e arrasa com qualquer auto estima.

Um corpo dolorido

Sexta-feira fiz o zometa e ontem a dor em meu corpo que já estava incomodando desde que voltei a tomar o xeloda piorou. Agora está doendo do couro cabeludo ao dedão do pé e toda estrutura óssea. É muito desconfortável e irritante, pois a dor é constante e para piorar ainda dei uma forte batida na quina de uma mesa e minha coxa está com um vergão roxo e inchado e é lógico, doído pra caramba.
Deve ser para compensar que os dois últimos meses não senti muita dor com o zometa e até brinquei que o remédio que andei tomando deveria ser daqueles fabricados na China. Isso é para morder a língua e não falar demais.
Na sexta-feira pela manhã fiz acupuntura para bloquear a dor, mas desta vez parece que não fez muito efeito. O remédio resolveu mostrar que ainda continua provocando as dores de sempre. Haja paciência...
Passei quatro semanas sem tomar o xeloda para tratar o problema da inflamação nas unhas do pé e agora que voltei a usá-lo meu corpo precisa se readaptar com a bomba. Só espero que ele faça sua parte e acabe de vez com os novos focos de metástases que apareceram .

Casal abraçado

pintura de Lourenço Gonçalves

O caboclo de mãos enormes segura com delicada leveza o corpo da jovem de pernas longas, esguias e bem torneadas. Seus seios volumosos se insinuam na transparência sutil da camisola curta. Abraço protetor, abraço apaixonado. Tem coisa melhor do que abraço?

Vista de uma janela







A janela do meu quarto é aberta para o quintal da casa com suas árvores sempre verdinhas e canteiros floridos. Da cama pode-se avistar o céu sempre azul, azul de brigadeiro e sem nuvens nessa época de seca.
Na imensidão azul do céu de Brasilia é frequente vermos um gavião ou um carcará planando para aproveitar uma corrente de ar, e bem cedinho vemos bandos de periquitos barulhentos que sairam de suas árvores dormitório em direção aos parques e jardins da cidade.
Gosto de acordar e ficar morgando na cama enquanto escuto a algazarra dos passarinhos nas árvores do quintal e quando levanto sempre vou até a janela olhar o jardim e observar o vai e vem da bicharada.
Os filhotes de calango, com o pescoço esticado, gostam de tomar sol na calçada de pedra. O joão-de-barro, com o peitinho estufado, caminha dando três passinhos e uma corridinha pelos canteiros em busca de comida; num instante encontra a bacia onde minha mãe prepara adubo com sobras de frutas e legumes e se farta com as pequenas lagartinhas que se desenvolvem naquele ambiente de matéria orgânica em decomposição.
No manacá da serra que fica próximo ao muro os pardais fazem o seu playground. Eles se divertem saltando entre os galhos e piando o tempo todo. De vez em quando a Haseena, uma poodle encrenqueira, fica embaixo da árvore latindo feito louca para ver a revoada dos pássaros e, quem sabe, conseguir abocanhar algum...
É no pé de pitanga e no de acerola que os pássaros soltos na natureza vão se banquetear com os frutas que são colocadas nos pratos pendurados nos galhos. Todos os dias os sanhaços azuis e o amarelo e preto pousam no prato para comer. Eles são lindos, mas muito desconfiados e passam o tempo todo beliscando e observando tudo ao redor; já os bem-te-vis são bem abusados e se sentem os donos do pedaço. Os sabiás passam o tempo todo revirando os canteiros e ciscando as folhas secas. Adoram comer as pitangas maduras e de vez em quando conseguem encontrar uma minhoca gorda e suculenta. São bem tranquilos e parecem não ter medo de gente. O joão de barro também é tranquilo e adora ficar por perto quando alguém está mexendo na terra, quando percebe uma minhoca distraida cai de bico na coitada. Outro pássaro tranquilo é o sebinho, mas a garrincha é desconfiada e as rolinhas também.
Hoje percebi que os periquitinhos verdes encontraram uma pequena fresta entre a parede e o telhado da casa e sumiram lá dentro. Vou ter que mandar fechar o espaço para que não façam ninho e encham a casa de sujeira e piolhos. Gosto muito de passarinhos, mas não os quero dentro do meu telhado. Prefiro que fiquem nas árvores do meu jardim.
Embaixo da minha janela o sol está brilhando e deixa tudo quentinho. O Nino, o gato velho, está deitado se aquecendo e o Bubu está de tocaia tentando caçar algum pássaro distraído. Os calangos correm dele como o diabo corre da cruz e se escondem em qualquer fresta que encontram. De vez em quando um deles tem o azar de cair nas garras do gato e aí eles fingem de morto para ver se escapam de seus dentes afiados. Volta e meia salvo um deles das garras do Bubu que naquela altura já arrancou a cauda do coitado.
É assim todo santo dia. De vez em quando um pássaro diferente encontra meu jardim como aconteceu numa ocasião em que um bando de tucanos pousou numa das árvores. Foi um espetáculo lindo!

Bandeira Brasileira e Civismo


Enquanto esperava minha carona chegar fiquei lendo sentada no degrau da escada do Brasil XXI, um prédio comercial no centro de Brasilia. Um barulho chamou minha atenção, parei de ler para ver o que era e dei de cara com a bandeira brasileira tremulando no alto do seu mastro.
Olhei para nossa bandeira, observei-lhe as cores, a inscrição no centro e as estrelas e quando me dei conta estava viajando naquele símbolo e acabei atentando para o fato de não saber identificar cada uma daquelas vinte e sete estrelas.
Estudei em colégio de freiras e tenho em minha memória os hasteamentos da bandeira brasileira que aconteciam uma vez por semana, numa cerimônia cheia de formalidades. Naquela época eu não compreendia a importância do ritual, mas lembro que cantávamos o hino nacional enquanto a bandeira era hasteada e todos os estudantes queriam ter a honra de participar do hasteamento. A cerimônia acontecia antes do começo das aulas das turmas da manhã.
A Madre Prefeita subia numa espécie de púlpito que ficava no pátio coberto e disparava uma campainha irritante e barulhenta para que os alunos fizessem fila por turma e por ordem de tamanho. Todos os alunos e professores, sem exceção, participavam do evento. A bandeira era hasteada no mastro que ficava no pátio descoberto. Os alto falantes espalhados em vários pontos do pátio coberto tocavam o hino nacional e os estudantes, os professores e as freiras do colégio, com as mãos no peito, cantavam em coro. Ao final os alunos se dispersavam e saiam correndo para suas salas de aula.
Nas aulas aprendíamos a letra do hino e a importância dos símbolos da Pátria e hoje, quando não consigo identificar o estado que cada estrela representa, fico muito surpresa. O pouco que ainda me lembro é que a estrela solitária chamada Spica representa o Estado do Pará e que o Cruzeiro do Sul, representando os Estados da Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro fica no centro do círculo azul. As demais não consigo fazer a menor idéia.
Não sei hoje como funciona, mas tenho a impressão de que as escolas não devem mais cantar o hino, pois muita gente sequer sabe sua letra. Infelizmente os brasileiros não aprendem como devem o valor do civismo, e só se lembram da bandeira na época da copa. Aliás, civismo maior é na hora do voto com responsabilidade e é isso que precisamos também aprender.
Mas voltando a bandeira, como eu estava com a máquina fotográfica na bolsa resolvi tirar uma foto. Fiquei um tempão esperando o melhor momento para o clique porque o vento embolava a bandeira no mastro, mas quando ela se mostrou por inteiro, linda em suas cores, consegui eternizar o momento na fotografia.
Observando nossa bandeira mais atentamente vi que o verde que representa nossas matas está cheio de falhas, meio desbotado. É consequência das derrubadas das florestas por pessoas estúpidas e inescrupulosas; é consequência das queimadas criminosas e da destruição de nossas matas ciliares. A destruição de nossas matas, do verde de nossa bandeira, provoca o encolhimentos dos nossos recursos hídricos, sejam eles rios outrora caudalosos, riachos ou fontes. Nosso verde está encolhendo...
O azul do nosso céu está obscurecido pela espiral negra de fumaça e poluição lançadas continuamente no ar.
O Amarelo de nossas riquezas está sumindo desde a época do descobrimento até os dias de hoje quando vemos pela TV imagens do dinheiro dos nossos impostos escondidos nas cuecas, nas meias e nas malas clandestinas. Alguns de nossos homens públicos, indignos da pátria que representam, se apropriam descaradamente dos recursos que deveriam promover o desenvolvimento e o bem comum.
Finalmente o branco, que deveria representar a paz, está mais encardido, mais amarelado. Alguns representantes do poder público, preocupados em engordar suas contas bancárias em paraísos fiscais, preferem fazer vista grossa a violência crescente em todo país e deixam a população cada dia mais refem da bandidagem que começa na periferia e se alastra até o Congresso Nacional.
É, as cores de nossa bandeira estão cada dia mais apagadas e o lema “ordem e progresso” uma orientação ética da vida social, sugerindo que o interesse coletivo deve prevalecer acima do individual está há muito esquecido.
Está passando da hora de reavivarmos as cores da nossa bandeira, de transformar o Brasil, gigante pela própria natureza, na verdadeira pátria dos brasileiros.

Manjar para passarinhos e calangos

Olha só que flagrante. Um calanguinho filhote que mais se assemelha a um jacarezinho em miniatura e uma garrincha, um passarinho pequeno e delicado pousado na velha bacia plástica que serve para minha mãe preparar adubo com sobras das frutas e legumes consumidos em casa. Os bichinhos que se desenvolvem nas frutas que primeiro apodrecem para depois secarem servem de alimento para os passarinhos e calangos. Eles adoram a iguaria e passam o dia entrando e saindo da bacia. O adubo que fica pronto depois de uns vinte dias é cheiroso e muito nutritivo. As flores, frutas e temperos do meu jardim adoram.

Explosão de beleza na seca em Brasília

O período de seca em Brasília não é só poeira, nariz sangrando ou desconforto; essa é a época da explosão de flores nos ipês espalhados pela cidade. Roxos, amarelos ou brancos todos são lindos e enchem nossos olhos com sua cores vibrantes. Não resisti e parei para fotografar esse da foto, que enfeita um jardim na QI 15 do Lago Sul.
Depois de quatro semanas dando um tempo no uso do xeloda para poder tratar a inflamação nas unhas dos pés eles finalmente ficaram curados. Estão bem descascados, mas sem dor. Oh alívio!!! Hoje voltei a tomar o xeloda, mas agora estou esperta e ele não me pega mais desprevenida.
Esse quimioterápico precisa ser muito eficiente para destruir e acabar de vez com o câncer, pois o estrago dos efeitos colaterais é um horror. Meu TSH continua alto e o colesterol também. Só espero que os nódulos das metástases estejam bem murchiiiinhos... Eles precisam desaparecer logo, pois já deram o que tinham que dar.

O Retrato da Mamãe

Memória é uma coisa curiosa. Um acontecimento qualquer muitas vezes nos remete a lembranças longinquas, coisas que ficaram sepultadas há muitos anos e que aparentemente não tiveram importância. Um fio de memória pode puxar várias outras e, de repente, voltamos no tempo.
Nessas viagens ocasionais vez por outra deparo com situações hilárias que fazem-me rir como se estivesse acontecendo agora, no momento da lembrança.
Hoje mesmo aconteceu algo assim. Acordei bem cedo e acabei ficando sozinha em casa porque todos saíram para assistir a missa do domingo. Depois do café da manhã resolvi ir para o jardim e fiquei lá um tempão mexendo nas plantas. Cortei as folhas secas dos antúrios, amarrei alguns galhos das orquídeas que ficam presas nas árvores, cortei as folhas amareladas das samambaias e, por fim, molhei os vasos que ficam nos tripés altos.
Concentrada naquelas tarefas de repente me veio a memória um trabalho de escola que minha filha fez quando ainda era bem pequena. A professora pediu que as crianças fizessem um desenho de suas mães e posso até imaginar a festa da garotada ao colocar no papel branco a imagem que tinham de suas mães.
No dia da festa na escola as mães foram convidadas a encontrar seu retrato feito pelos filhos, que estavam fixados num grande mural. As crianças estavam excitadíssimas com o acontecimento e soltavam gritinhos de satisfação.
Toda animada minha filha foi comigo até o mural conferir minha cara quando eu me encontrasse entre as várias figuras de mães. Naquela ocasião eu trabalhava como advogada e imaginei que meu retrato seria o de uma mãe séria, envergando um terninho bem comportado. Procurei durante vários minutos e nada. Acabei me dando por vencida e falei com minha filha que ela precisava ajudar-me porque sozinha eu não conseguia encontrar meu retrato, afinal eram muitos desenhos.
Toda animadinha ela esticou o bracinho rechonchudo e pegou uma figura muito diferente do que eu havia imaginado. Ela havia me retratado com uma pazinha de jardim nas mãos e o corpo cheio de bolinhas. Curiosa perguntei: porque você retratou a mamãe assim? Ela me respondeu com a melhor carinha do mundo: é você, nos finais de semana, cuidando do jardim lá de casa. Ainda sem entender os pontinhos pretos na pintura perguntei novamente: e o que são esses pontinhos pretos que você fez na mamãe? E a resposta me fez dar boas gargalhadas. Ela respondeu candidamente: são as perebinhas que você tem na pele.
Tenho um problema de pele que sempre incomodou bastante, psoríase. Essa doença é benigna, não contagiosa, mas é crônica e provoca descamação na pele. No meu caso, que tive a psoríase do tipo gutata, minha pele ficava cheia de marquinhas em forma de pequenas bolinhas brancas por todo o corpo. Felizmente estou em remissão da doença há mais de dez anos, mas isso me atormentou durante toda adolescência e juventude, pois além do aspecto feio a psoríase provocava uma coceira infernal.
Aquele desenho me fez rir, mas também me fez refletir... Nunca me ocorrera antes pensar que uma criança fosse se ligar num detalhe como aquele problema na pele. Eu não havia percebido até então que meu desconforto com a psoríase era visível também para uma criança tão pequena. Passei a prestar mais atenção em minhas queixas.
Por fim me dei conta de que aquele desenho era muito revelador e que nosso compromisso com a educação de nossos filhos é coisa muito séria. Eles, por mais jovens que sejam, nos observam nos mínimos detalhes, somos seus espelhos, seus exemplos e nem sempre passamos a imagem que queremos que eles tenham de nós. Aquele desenho me fez perceber o quanto somos responsáveis por nossos filhos.