terça-feira, abril 27, 2010
Lou
Finalmente saí daquele entorpecimento que degenera os sentidos e nos afasta da razão. A serenidade voltou na medida que os efeitos colaterais deram uma trégua.
Para compensar minha última postagem, dura e amarga, hoje resolvi escrever amenidades inspirada na escultura abaixo, que parece estar sempre xeretando a conversa alheia.
Nydia, the Blind flower Girl of Pompeei (Metropolitan Museum - NYC)
Durante anos permaneceu
Presa no bloco de pedra
Até que um artista habilidoso a libertou
Do mármore branco.
Longos cachos ondulados caem displicentes
Sobre o ombro delicado
Pés descalços, seio desnudo
E uma túnica ondulante cobrindo seu corpo.
Permanece estática em seu pedestal
Não se mexe, não esboça nenhum ruído
Sua única diversão é manter
O ouvido atento a todo tipo de conversa.
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quinta-feira, abril 22, 2010
Lou
Jardim das Delícias (Bosch) Finalmente sinto-me saindo do reino de Hades para onde fui arrastada num átimo...
Fiquei por lá algum tempo onde vivi momentos insólitos
E caminhei por entre figuras horrendas, monstros indomáveis...
Senti minha vida esvaindo devagar
Por entre longos dedos de criaturas que pareciam ter escapado de uma tela de Bosch.
Foram dias difíceis e longas noites onde
Gritos pavorosos enchiam o ar e
Cheiros estranhos maculavam minhas narinas.
Gastei horas encolhida num canto onde meu corpo jazia exausto, cansado...
Energia escoando pelos poros, vitallidade escapando numa massa disforme de fezes explosivas
E um resto de vida devolvida entre rugidos e golfadas azedas.
Num grito perplexo uma pergunta insistia em minha mente confusa, cansada
Deus, ó Deus, onde estás Tu? O que queres de mim?
Afasta de mim este cálice...
E devagar fui me arrastando, tentando escapar à tentação de desistir
Minha vontade sobrepujando uma outra
E Demeter estendendo sua mão forte
Ajudando escalar pela fenda estreita por onde uma tênue claridade
Insiste em iluminar esse reino obscuro e fantasmagórico
Onde a vida pende por um fio...
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quarta-feira, abril 14, 2010
Lou
Minha infância, como de inúmeras crianças, foi embalada por muitos contos de fadas, princesas presas nas torres dos castelos, cinderelas sujas de fuligem e príncipes galopando velozes cavalos brancos...
Quando jovem, imatura e ingênua, também li muita fotonovela (nem sei se isso ainda existe), li muito romance açucarado em que um jovem rico, lindo e inteligente sempre acaba se envolvendo e apaixonando por uma mocinha pobre, às vezes inteligente outras, apenas bonita...
Nunca me senti protagonista em nenhuma das situações até porque nunca acreditei em príncipes encantados e muito menos conseguia acreditar que um homem só fosse capaz de reunir tantas qualidades quanto as descritas nesse tipo de romance.
Apesar disso tudo confesso que venho me sentindo não como uma princesa, mas como uma rainha. Não se iludam acreditando que conheci algum príncipe encantado ou um ricaço bonito, inteligente e sedutor. Nada disso. É que os efeitos colaterais da químio me obrigam a ficar no trono muito mais tempo do que eu gostaria e esse tipo de trono, tanto quanto o outro, estofado e reluzente, estou dispensando.
A realeza nunca me seduziu, sempre acreditei que levar vida de princesa deve ser simplesmente insuportável. Prefiro ser uma ilustre desconhecida circulando pelo mundo, podendo se dar ao luxo de entrar em qualquer restaurante sem ser importunada e andar pelas ruas sem a presença constante de uma dúzia de seguranças mal encarados.
E voltando ao assunto do tratamento, esquecendo os príncipes e os garanhões sedutores, não é possível que com tantos avanços na área médica os remédios ainda provoquem tantos efeitos colaterais. Essa é a semana da folga do xeloda, mas ainda assim está sendo muito difícil. Os vômitos cessaram, mas a diarréia insiste. Minha alimentação se resume a caldos claros e nos poucos momentos em que estou me sentindo melhor minha vontade é de mastigar alguma coisa mais substanciosa, mas não tenho coragem. Preciso ir devagar com o andor...
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sábado, abril 10, 2010
Lou
Ontem foi mais um dia de consulta com a Dra. Luci para ajustar a dose da quimioterapia que está provocando muitos efeitos colaterais. Ela reclamou que não telefono para relatar o que está se passando comigo e novamente argumentei que se vou até a clínica falar com um dos médicos do plantão não vejo porque deveria incomodá-la por telefone.
Ela acabou reduzindo a dose do xeloda para ver como fica. Agora vou tomar 3 comprimidos pela manhã e 2 a noite, espero que seja o bastante para voltar a me sentir bem. Depois da consulta acabei ficando até tarde na clínica tomando soro para hidratar. Eu estava me sentindo muito fraca e sem energia. Vômito e diarréia acaba com qualquer um.
Hoje estou um pouco mais animada e pelo menos consegui tomar o café da manhã, apesar de não poder comer pão integral, queijo e café com leite que tanto gosto. O que não quero é correr o risco de passar mal de novo, então o jeito é se adaptar e comer o que posso.
Espero que nos próximos dias eu volte a ser eu mesma, novamente. Quero de volta minha energia, meu entusiasmo, minha saúde, minha voz.
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quinta-feira, abril 08, 2010
Lou
De novo volto a falar de um dos meus bichos... É que eles sempre acabam me inspirando por um motivo ou outro.
Nesse instante estava eu absorvida com um joguinho no computador quando ouvi o ruído característico das longas unhas do Nino, o gato velho, batendo contra o piso de madeira. Olhei para trás e vi que o gato havia encerrado seu cochilo da tarde sobre o sofá e resolveu descer as escadas para o térreo onde fica de fato seu território (qualquer lugar onde também esteja minha mãe) e ela nunca sobe até o piso superior da casa.
Fiquei atenta para ver como é que ele consegue subir e descer a escada sem cair, curiosidade de muitos, já que o coitado está bem velhinho e cego e acaba trombando em tudo o que é mobília da casa. Vou contar o truque usado pelo espertinho.
Como qualquer gato que se preze o bichano tem um excelente senso de direção e conhece muitissimo bem a geografia da casa onde sempre viveu. Desde jovem sempre subiu e desceu a escada sabendo que um dos lados está grudado na parede e o que ele faz quando quer descer em segurança?
Vou contar o simples truque que ele usa: primeiro o bichano velho e alquebrado localiza a parede do fundo da sala e anda grudado nela até alcançar a escada e então é só continuar no mesmo sentido para não correr o risco de se esborrachar lá em baixo. Pronto. Simples assim, mas só vendo para acreditar.
Triste mesmo é quando ele dá de cara com uma parede construída depois que ficou cego, não entende onde está e começa a miar grosso. Ele mia desesperado até ouvir uma voz conhecida ou até que alguém vá buscá-lo; engraçado é vê-lo tateando o caminho com cuidado para pisar em segurança.
Um dia desses alguém teve a infeliz idéia de colocar uma vela acesa no chão e o coitado do gato, não conseguindo vencer a curiosidade do calorzinho emanado pela pequena chama, acabou com os bigodes chamuscados.
A velhice é um fardo muito pesado até mesmo para os animais. A decrepitude vai deteriorando tudo... O velho Nino é agora um arremêdo do lindo gato que foi um dia. Está magrinho e vacilante, mas ainda anda atrás da minha mãe como um cãozinho de estimação, chorando o tempo todo, tirando-lhe a paciência. Acho que em alguns momentos ela sente muita vontade de lhe dar uns tabefes, mas jamais seria capaz de uma perversidade destas com um velho gato cego e indefeso. Isso não a impede de dar uns gritos irritados com ele de vez em quando para logo a seguir fazer exatamente o que ele quer: atenção e muito carinho. O gato é velho, mas não é burro.
Lou – abr/2010
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quarta-feira, abril 07, 2010
Lou
A Viagem foi boa, pois revi uma pessoa querida e pude matar as saudades, mas quando retornei na segunda-feira a noite comecei a vomitar sem parar. O pior é que eu estava saindo do banho quando o mal estar começou e, para piorar, a energia acabou. Pensem na lambança que fiz no banheiro. Até tentei acertar o vaso sanitário, mas não tive muito sucesso. Saiu tudo, de comida aos comprimidos de quimioterapia.
Detesto vomitar. Para mim não tem nada pior do que isso. Fui dormir cedo e acordei por volta das 3 horas da manhã quando levantei para tomar o pantoprazol que protege o estômago para aguentar esse monte de remédios que preciso ingerir diariamente. Acordei novamente às 6 horas para tomar os 5 comprimidos de tykerb e fiquei recostada na cama bem quietinha para ver se a ânsia de vômito não voltaria. Ledo engano, mais ou menos uma hora depois vomitei todo o remédio e para completar a diarréia também voltou. Fiquei completamente esgotada.
Fui para a clínica e precisei tomar soro glicosado e remédio no veia para parar os vômitos, pois nada parava em meu estômago. Eu já estava desidratada e acabei dormindo o dia todo. A noite, depois de ter tomado o segundo comprimido de zofran para evitar vômitos arrisquei tomar uma sopinha leve. Parece que o remédio fez efeito e agora, além de todos os comprimidos da quimio, ainda vou precisar tomar medicação para não vomitar.
Não sei quem teve a idéia de inventar essa quimio oral, pois para mim ela é pior do que aquelas que tomamos na veia. São muitos comprimidos e efeitos colaterais e não adianta tentar me convencer que ela dá mais mobilidade ao paciente que pode viajar levando os comprimidos. Vivo cheia de gazes e dores abdominais, os pés e mãos estão sensíveis e doloridos e a pele fica cheia de erupções. Ninguém merece um negócio desses. É de enlouquecer qualquer santo.
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quinta-feira, abril 01, 2010
Lou
Andei sumida, sem vontade de escrever. Estou dando um tempo enquanto viajo para dentro de mim para tentar compreender e aceitar sem estresse algumas mudanças inevitáveis. Pode parecer bobagem, mas o simples fato da minha voz ter ficado fraca e rouca incomoda bastante. Não consigo falar alto, não consigo gargalhar, cantar então, nem pensar, e as pessoas não me ouvem direito. Preciso repetir mais de uma vez a mesma coisa ou pedir para alguém falar por mim. É um saco! Nunca pensei que um simples tom de voz fizesse tanta diferença.
Estou entrando no segundo ciclo da nova quimio e até agora só consegui sentir os efeitos nocivos dela, melhora que é bom ainda não deu para perceber. O engraçado é que muitas pessoas acreditam que fazer quimioterapia via oral é mais fácil e provoca menos efeitos colaterais.
Doce ilusão. Não tem nada de fácil na quimio via oral porque além de ser diária são muitos comprimidos e vários efeitos colaterais. Agora mesmo meu rosto está parecendo mais um ralador de côco de tantas erupções. São tão grandes que basta eu baixar os olhos para conseguir vê-las. Pareço até uma adolescente entrando na puberdade...
Outro efeito indesejado são as aftas. Minha boca vive cheia delas e hoje, para completar, ainda amanheci o dia com diarréia. Ninguém merece, ainda mais porque vou viajar a noite.
Fui conversar com a dra. Juliana e ela já passou um remedinho e liberou a viagem. Melhor assim. Pelo menos vou mudar de ares e ainda rever a tia Leó. Vamos botar o papo em dia e matar as saudades.
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