Um cachorro linguarudo

O adestrador chegou cedo para mais um dia de trabalho. Enquanto explicava para a família como deveriam conduzir o animal percebeu que havia uma empregada nova na casa e a chamou para participar do treinamento. Era importante a participação de todos os membros da família para evitar que seu trabalho de adestramento fosse por água abaixo.
Laura veio correndo, toda esbaforida. Chegou ofegante e foi logo dizendo que havia trabalhado na casa de um pessoal que veio do Equador e que eles tinham um cachorro que falava. Como a risada foi geral ela argumentou, entre ofendida e impaciente, que estava dizendo a verdade e que aquele não era um cachorro comum. Aquele cachorro que veio do Equador falava e era um grande linguarudo, pois contava tudo o que se passava na casa para a patroa.
A dona da casa, sua nova patroa, tentou explicar que cachorro, fosse do Brasil ou de qualquer outro lugar no mundo não falava, apenas latia, mas Laura não se deu por vencida e afirmou novamente que aquele cachorro falava sim e para justificar explicou: um dia quebrei um prato acidentalmente. Assim que minha patroa chegou em casa o cachorro a acompanhou até o quarto e contou tudo o que aconteceu, tintim por tintim.
Em sua pura ingenuidade Laura continuava afirmando que o cachorro falava. Para reforçar sua tese explicou que sua patroa voltou para a cozinha e perguntou-lhe o que havia acontecido de diferente naquele dia. Ela, percebendo que havia sido descoberta, contou que havia quebrado um prato. Com os olhos arregalados Laura, relembrando aquele incidente bizarro, contou que a patroa falou que já sabia do acontecido, pois o cachorro havia lhe contado.
Por mais que se tentasse explicar que tudo aquilo era brincadeira Laura continuava afirmando que o cachorro falava, pois era um cachorro diferente, era um cachorro que só existia no Equador,
Depois de várias tentativas infrutíferas para convencer Laura de que cachorro não falava a nova patroa perguntou: Alguma vez o cachorro falou com você? Não. Respondeu Laura na maior inocência. Falar comigo ele nunca falou, mas chamava meu nome Lauuuuuuuuuura, Lauuuuuuuuura...

Sem Título


Os dias se tornaram semanas e mais de um mês se passou sem que eu escrevesse uma linha sequer. Primeiro foi a falta de vontade de escrever, uma indolência provocada por uma tristeza e uma saudade sei lá do quê... Depois, foi por causa de uma fratura na cabeça do rádio do braço direito. Logo o braço direito que não tem gânglios linfáticos. Minha mão e o antebraço ainda estão bem inchados, mas agora já consigo escrever, escovar os cabelos e até escovar os dentes com a mão direita. Parece bobagem, mas não poder usar a mão direita para quem é destra é um deus nos acuda.


Nesse período de silêncio, ou melhor, de falta de textos, muitas coisas aconteceram. Viajei para Fortaleza com o braço na tipóia e fui assaltada enquanto caminhava em plena dez horas da manhã pelo calçadão da praia, num belo domingo de sol e praia cheia, lotada de gente e pivetes disfarçados de cidadãos de bem. Eu estava bem em frente ao quiosque de apoio ao turista e bem próxima da residência do secretário de segurança pública do ceará, que ironia...


O delinquente, um pivete ainda muito jovem, mas já acostumado a prática de assaltos, avançou para cima de mim, toda amarrada numa tipóia quente e fechada, e agarrou meu lindo pescocinho. A ação do bandido foi muito rápida. Num primeiro momento pensei que o pivete estivesse me esfaquiando, pois apenas senti suas mãos agarrando meu pescoço com força para em seguida sair correndo em direção ao mar.


Acredita que a polícia veio ao meu encontro por causa do assalto? Pois é, fiquei impressionada! O policial, muito atencioso, parou a viatura e perguntou se era eu quem havia sido assaltada. Acho que a tipóia e os cabelos brancos ajudaram na identificação... kkkk


Fiz questão de registrar a ocorrência para fins de estatística, pois sabia que recuperar a jóia seria quase impossível. Mesmo assim os policiais foram até o hotel onde eu estava hospedada para informar que haviam prendido vários bandidos na praia e recuperado algumas jóias. Fui com eles até o local da apreensão mas não localizei meu colar que tinha um valor estimativo muito maior do que seu valor comercial.


No final das contas os policiais acabaram me dando uma carona até o restaurante Côco Bambu. Foi muito engraçado desembarcar do camburão da polícia num restaurante arrumadinho e lotado. Imaginem a cara das pessoas na fila aguardando para entrar e tentando imaginar o que estava acontecendo. Acabei me divertindo com a situação.


De volta a Brasília comecei a fazer os exames para conferir a eficiência da quimio. Até agora os exames revelaram que não houve nenhum avanço da doença, está tudo estacionado. Menos mal, mas o que eu esperava mesmo era uma melhora, mesmo que discreta, afinal os efeitos colaterais da medicação fizeram questão de ser bem eficientes.