Voltei para casa sem fazer o faslodex e desta vez não foi por falta do remédio, mas por causa dos efeitos  colaterais que insistem em perturbar meu corpo. Como se não bastasse a aplicação do faslodex ser bastante dolorida, no meu caso ainda aparecem erupções, coceira, uma dormência que já alcançou a metade da coxa e desde a última aplicação há 28 dias um fibroma do tamanho de uma bola de gude. Ninguém merece uma medicação tão cheia de efeitos colaterais.

     O dr. Fernando Maluf, meu oncologista, suspendeu a aplicação do remédio. É que na próxima segunda-feira vou fazer um novo PET para que ele possa avaliar a eficiência do novo protocolo e então ele irá decidir se eu continuo ou não fazendo o faslodex, mas algo me diz que meu organismo não está gostando muito desta medicação... 

     Fazer o PET é sempre um momento de tensão... o câncer é uma doença cheia de manhãs e costuma fazer um grande estrago em silêncio... Acredito na eficácia da nova medicação, mas só terei certeza mesmo depois do exame. O jeito é esperar um pouco mais. Haja coração...

     A partir de amanhã terei que fazer uma dieta especial para fazer o PET. Só posso comer proteínas e isto inclui carnes, soja, ovos e gorduras, tudo que não aprecio comer, mas que não tem cão... caça como gato. O jeito é comer o que posso, já que não posso comer o que gostaria.

     Fui despertada de madrugada, bruscamente, com um forte estalo seguido do clarão de um relâmpago. Sem dúvida um raio caiu bem próximo da minha casa. O ribombar do trovão veio em seguida, acompanhado de uma chuva forte, e bem fora de época para Brasília. Estamos na seca e não é comum chover forte assim. Bom para a natureza e minhas plantinhas estão agradecendo, pois estava muito seco e a terra esturricada pela estiagem.

     Gosto de ouvir o som da chuva caindo e ver a água escorrendo pelo chão e lavando tudo. Assim que amanheceu abri a janela e fiquei por um longo tempo observando a folia dos passarinhos aproveitando a chuvinha, já mais fraca, que caía sem pressa. O joão de barro dava seus três passinhos e uma corridinha  catando bichinhos que se escondiam no gramado. A sabiá tomava banho numa poça d'água que se formou numa depressão do canteiro. A garrincha pulava pelos galhos do manacá florido. A natureza parecia sorrir com a chuva inesperada. Eu também sorria.

     Minha garagem é tão espaçosa, mas o entregador do jornal escolheu jogar o pacote bem no meio do canteiro molhado pela chuva. Mesmo dentro do saco plástico é claro que ficou tudo encharcado. Sujeito mais sem noção... ou terá sido maldade mesmo? A coisa anda tão feia que vemos maldade até onde não existe... coisa mais feia Maria de Lourdes.

     Melhor voltar a escrever sobre a chuva, a natureza, os animais. E falando em animais a gata Mingau ficou amuada quando viu tudo molhado lá fora. Ela ficou olhando da porta, sem se animar a molhar as patinhas no piso encharcado.  É que ela fica esperando eu abrir a porta do jardim para fazer pipi no canteiro de flores. Passado alguns minutos ela se aventurou lá fora mas em seguida voltou correndo para dentro de casa, escorregando no piso liso e encerado. Suas patinhas sujas de terra ficaram marcadas no chão. Agora ela está dormindo bem enroladinha na cadeira quentinha. Deve estar sonhando com suas caçadas pelo quintal.

     Depois de seis meses da refratura do quinto metatarso do meu pé direito o dr. José França confirmou hoje que o osso continua quebrado do mesmo jeito. Ainda bem que usando o sapato com o solado grosso, conforme orientação dele, estou conseguindo caminhar sem maiores problemas. Conversamos bastante durante a consulta e ele deixou bem claro que posso e devo continuar caminhando, com cuidado, é claro.

      Já estou convencida de que aposentei de vez meus lindos e elegantes sapatos de salto alto mas, dos males o menor... já me dou por satisfeita em poder continuar andando e por ter conseguido aposentar também a cadeira de rodas. Doei todos meus sapatos, era difícil abrir o armário com tantos sapatos elegantes e precisar pegar sempre o mesmo botinão bruto e pesado. O que os olhos não vêem o coração não sente... o ditado vale também para o desapego. Agora só tenho dois pares de sapato: um botinão que mais parece um coturno e um tenis de cano alto e solado grosso. Adeus elegância!

     A pseudoartrose está me ensinando a ter menos pressa. Estou aprendendo a caminhar mais devagar e com um cuidado redobrado porque preciso ver onde piso para não pisar em falso e muito menos torcer o pé. Também estou aprendendo a não dar bola para olhares críticos. Agora já consigo até me divertir com o olhar espantado ou de reprovação para meu botinão que nunca combina com uma roupa mais arrumadinha. Os críticos de plantão devem pensar que sou a criatura mais sem gosto e sem noção que já viram andando por aí...
    Mas mudando de assunto, na próxima segunda-feira, dia 3 de junho, vou fazer outro PET para conferir a eficiência do novo protocolo da quimioterapia que estou fazendo. Dá sempre um friozinho na espinha fazer o PET... nunca dá para ter certeza de como o câncer está se comportando. Acho que está tudo sob controle, mas só o exame vai mostrar se isto é verdade mesmo.  

      Procuro cumprir com minhas obrigações como qualquer cidadão de bem, mas me sinto afrontada por ser ameaçada de multa por causa de lixo ensacado e na lixeira quando as calçadas e canteiros do condomínio estão cheias de cocô de cachorro. Não vejo lógica na cobrança. Cocô de cachorro espalhado nas ruas é muito mais sujo e nocivo do que lixo ensacado. Se não posso deixar lixo ensacado em minha lixeira é inconcebível que o condomínio aceite pacificamente tanto cocô de cachorro espalhado pelas calçadas e canteiros.