Cateter para quimioterapia

     Resisti enquanto pude mas, sem opção, precisei me render a ideia de colocar um cateter para fazer quimioterapia. Minhas veias estão muito fraquinhas e a nova medicação pode fazer um estrago enorme se a veia arrebentar como aconteceu nas últimas sessões. Melhor não arriscar.
     Estou agora em compasso de espera para fazer a cirurgia, já que primeiro é necessário que o hospital onde farei o procedimento faça a tomada de preço para que o convênio médico aprove a compra do cateter e a cirurgia. Numa situação como esta este procedimento deveria ser um pouco mais rápido, levando em conta que o câncer continua em atividade acelerada enquanto a pessoa responsável pela aprovação e pela compra do material fica pensando se aprova ou não. Será que se o câncer fosse nesta pessoa ela iria demorar tanto para tomar uma decisão?
     Ainda bem que durante esta semana encontrei várias pessoas que demonstraram a maior boa vontade no atendimento com o público. Primeiro foi no posto de saúde onde fui conferir se eu poderia tomar a vacina da febre amarela, já que a minha está vencida desde 2010. O médico havia dito que não teria problema, apesar da baixa imunidade por causa da quimioterapia, mas as atendentes foram categóricas ao dizer que de forma alguma iriam me aplicar qualquer tipo de vacina. De qualquer forma elas sugeriram que eu procurasse o Hospital HRAN para saber com certeza se eu poderia ou não tomar a vacina. No hospital fui muito bem atendida e os responsáveis pelo Setor das Vacinas disseram que qualquer paciente imunodeprimido, fazendo quimioterapia, em hipótese alguma poderá receber a vacina da febre amarela. Eu bem que desconfiava que não seria possível, mas como o médico disse que não teria problema fui conferir.
     Na ANVISA também encontrei servidores atenciosos e cheios de boa vontade. É que fui renovar meu cartão internacional de vacinas e não encontrei nenhuma dificuldade. Fui super bem atendida, e quando isto acontece é bom divulgar.
     Enquanto aguardo a cirurgia para a colocação do cateter cuido dos meus bonsais, das minhas orquídeas e do meu jardim. Cuidar das plantas acalma meu espírito e me relaxa. Também estou aproveitando o tempo para fazer alguns trabalhos manuais. Gosto de trabalhos manuais, mas evito fazê-los porque não posso fazer movimentos repetitivos. Não tenho gânglios linfáticos na axila direita e minha mão e braço, que já são inchados, ficam ainda mais inchados e doloridos quando faço qualquer esforço ou movimento repetitivo.
     E ontem no final da tarde caiu uma chuva abençoada que encharcou bem a terra recém revolvida pelo jardineiro que passou o dia cuidando dos canteiros. Fiquei observando a atividade das sabiás bicando a terra fofinha para arrancar bichinhos escondidos, e o joão de barro que também entrou na festa. Observei durante algum tempo a chuva caindo sem pressa, sem estardalhaço. As gotas grossas e cristalinas pingavam das folhas coloridas do tinhorão fazendo desenhos na grande poça d'água que a chuva formou no canteiro.
    Assim que a chuva parou a grande poça d'água que se formara no canteiro foi sumindo devagar, sugada pela terra vermelha. Fiquei imaginando a água descendo rápido pelas camadas da terra, indo alimentar o lençol freático no subsolo. Gosto de ver a chuva cair, encharcar a terra e formar grandes poças que vão sumindo devagar tão logo a chuva se vai. 

No corredor da morte

     Nos últimos dias li muitos comentários ora aplaudindo, ora condenando a execução do brasileiro Marco Archer, ocorrida na Indonésia, pelo crime de tráfico de drogas. Até a presidente reeleita no Brasil, que não faz nada efetivamente eficaz para evitar que milhares de brasileiros morram todos os dias sem atendimento médico nos hospitais do país, se deu ao trabalho de interceder pelo condenado. Cheguei a ouvir pessoas esclarecidas dizendo que ele não havia praticado nenhum crime hediondo e portanto não merecia pena de morte.
     Fiquei pensando sobre o assunto e confesso que não lamentei a morte do traficante. Na minha opinião, uma pessoa que vende drogas para usufruir lucro, sem se importar com as consequências disto, comete sim um crime hediondo. Alguém parou para pensar em quantas vidas esse traficante conseguiu destruir com as drogas que vendia? Alguém pensou nas famílias que ele conseguiu desestruturar com estas drogas que ele ajudava a distribuir? Certamente muito poucas pessoas pensaram nisto.
     Muitos lamentaram o tempo que ele passou no corredor da morte, aguardando sua sentença. O Marco deve ter sofrido; eu não tenho a menor dúvida disto. Ele deve ter sofrido muito e repensado várias vezes, todos os dias, o quanto não valera a pena ter corrido o risco de transportar drogas, mesmo ganhando muito dinheiro para fazer isto. Duvido que se tivesse outra oportunidade ele correria o risco de ser descoberto carregando drogas, por maior que fosse a quantia que viesse a receber por isto e por melhor que fosse a vida que ele pudesse levar usufruindo do dinheiro sujo com a venda de drogas.
    Pensando sobre a angústia do condenado que está no corredor da morte acabei traçando um paralelo com minha própria vida  e conclui que desde que recebi o diagnóstico das metástases do câncer de mama que tive há mais de quinze anos também me sinto presa num corredor da morte, só e eu não trafiquei drogas e nunca cometi nenhum crime para merecer esta pena.
     Alguém poderá dizer que o corredor no qual me sinto presa não é real. Será?  Não sei se o  meu corredor da morte é real ou emocional, mas sem dúvida é devastador e muito cruel. Ontem as paredes deste corredor pareceram se estreitar mais um pouco. É que recebi o diagnóstico do último PET que fiz e o resultado, mais uma vez, mostrou aumento da atividade metabólica na lesão do esterno e um discreto aumento do metabolismo no pulmão esquerdo. As lesões nas vértebras e arcos costais diminuíram e as demais lesões permaneceram inalteradas, mas só se passaram pouco mais de três meses do último PET que eu havia feito. No ritmo que as lesões estão crescendo o prognóstico não me parece nada animador... Será que existe luz no fundo do túnel?
     O Marco Archer sofreu no corredor da morte e sua vida acabou com um tiro no peito. Apenas um tiro. Sua dor física, se é que houve, foi rápida. A dor do paciente oncológico pode ser constante e crescente e é devastador conviver com a angústia e a possibilidade do aumento desta dor. O que será pior: um tiro no peito ou uma doença corroendo seu corpo e te enchendo de dores dia após dia?
     O Dr. Fernando resolveu alterar novamente o protocolo para ver se consegue deter o avanço dessa doença maldita, que mesmo com a evolução da medicina e as novas drogas ainda continua matando sem dó. A carboplatina estava acabando com minha imunidade e nos sete ciclos que fiz ela não conseguiu deter o avanço da doença. Fiquei livre desta quimioterapia que eu não gostava, mas vou ter que fazer outra que não me parece nem um pouco santinha. Além do trastuzumabe e do pertuzumabe que ele manteve foi acrecentada a quimioterapia doxorrubicina lipossomal. Vamos ver se desta vez vai dar certo.
     Serei enfim libertada ou terei que aguardar mais um pouco por minha lenta e inexorável sentença de morte?