Neste domingo em que se comemora o dia dos pais, acordei lembrando do meu. Quando me dei conta, estava pensando em como teria sido minha vida se eu tivesse tido a oportunidade de ter convivido com ele um pouco mais de tempo. Eu tinha apenas acabado de completar 11 anos de idade quando ele faleceu.
Meu pai era um homem alto para a geração dele, mas para mim, uma garotinha de apenas 11 anos, ele parecia ainda maior, era o próprio gigante Golias. Lembro-me que, mais do que respeito, eu tinha medo dele. Sua voz soava tão forte que aos meus ouvidos parecia o ribombar assustador de um trovão. Suas mãos me metiam medo, e eu fazia tudo para ficar bem distante delas. Minha impressão era que um tapa vindo daquelas mãos enormes quebraria qualquer criança ao meio.
Hoje, olhando para trás no tempo, percebo o quanto minhas impressões infantis foram injustas com meu pai. Ele, apesar de grande e forte, era um homem sensível e incapaz de machucar qualquer pessoa, e muito menos uma criança. Aliás, ele sempre dizia que surra não consertava ninguém e jamais admitiu que alguém nos batesse, nem mesmo minha mãe. Ele nunca deu um tapa ou um simples puxão de orelhas em mim ou em minhas irmãs mais novas. Bastava seu olhar ameaçador para que entendessemos o recado e saíssemos de fininho ou parássemos uma briga ou discussão.
Quando nasci meu pai era considerado um velho, pois já estava com quase 60 anos. Naquela época ainda não existia essa insuportável demagogia do politicamente correto, que inventaram para os tempos atuais. Velho era simplesmente velho e não um idoso, mas por outro lado, o velho era um cidadão que todos reverenciavam e respeitavam.
Quando criança me ressenti da distância que havia entre mim e meu pai. Mantinhamos um relacionamento cordial, mas sem muita intimidade, e isto não era apenas por causa do receio que eu sentia em ficar por perto e levar uma bronca ou um safanão. Era alguma coisa invisível que nos afastava, mas eu não conseguia entender o que era, e muito menos saber porquê aquilo acontecia. Eu simplesmente sentia e me ressentia...
Somente depois de adulta fui compreender e entender as razões para o distanciamento entre nós, e foi aí que lamentei ainda mais a morte precoce do meu gigante Golias.
Meu pai casou-se com minha mãe em segunda núpcias. Em seu primeiro casamento meu pai teve duas filhas e a mais velha, muito parecida comigo fisicamente, com a diferença de ser loira e de olhos verdes, era sua paixão, seu encantamento. Eles eram muito ligados um ao outro. Um dia quando meu pai retornou à casa, após uma viagem de trabalho, encontrou sua mulher no hospital entre a vida e a morte, após ter dado à luz uma criança morta. Estranhando que sua filhinha mais velha não havia corrido ao seu encontro na porta, como sempre fazia, perguntou por ela, e foi aí que recebeu a pior notícia de sua vida: sua filha mais velha também estava morta e sepultada. Sua morte prematura fora provocada por uma epidemia que havia assolado a cidade durante sua ausência.
Meu pai não conseguiu sequer enterrar sua filha amada, não conheceu a mais nova que nascera morta e não sabia se sua mulher iria resistir a tudo aquilo. Seu mundo deve ter desabado naquele momento... Seu sofrimento deve ter sido arrasador. Hoje entendo isto.
Tempos depois, a primeira mulher do meu pai pegou uma criança para criar e assim conseguiu realizar sua vocação para a maternidade. Meu pai adotou aquele garotinho, tão diferente deles fisicamente, não só no papel, mas também no coração. Ele amou aquele menino com uma paixão comovente. Naquela equação, um salvara o outro. Ele foi o filho que meu pai precisava, e meu pai, o pai que toda criança gostaria de ter. Há homens com vocação para a paternidade e meu pai foi um homem assim.
Quando eu nasci meu pai exultou. Era de novo pai de uma garotinha, mas lá no fundo do seu coração, um sentimento assustador começou a se formar: um medo incompreensível de perder outra vez uma filha amada...