Reflexões sobre a morte e o morrer

          Eu estava chegando em casa hoje a tarde quando percebi que haviam fechado a porta da casa do Gilmar, meu vizinho e amigo que faleceu semana passada num acidente de carro. Num primeiro momento pensei: quem mexeu no cafofo do meu amigo? E no segundo seguinte me dei conta de que agora aquela casa não é mais dele. Ele nunca mais irá precisar de uma casa para morar, pois se foi para sempre. As coisas que eram dele e pelas quais ele tinha apreço poderão até ser descartadas pelos seus herdeiros... Ninguém é obrigado a gostar ou valorizar um objeto apenas porque herdou aquele objeto. Cruel, mas verdadeiro.
            A morte do meu amigo, que tinha a mesma idade que eu e era um homem saudável, um atleta que gostava muito de correr, me fez pensar sobre a morte e o morrer nestes últimos dias. Refleti muito sobre o assunto, e até gastei todo o meu tempo de terapia na segunda-feira falando sobre isto. Cheguei a algumas conclusões...
            Percebi por exemplo a tolice que é acreditar que o fato de se ter uma doença grave ou crônica nos deixa muito mais susceptível a morte. Pura bobagem, pois para morrer basta mesmo é estar vivo. Tenho câncer há mais de 15 anos e continuo aqui vivinha da silva, e meu amigo que era forte e saudável está morto e enterrado.
            Eu tinha a ilusão de que nos últimos quinze anos eu vinha negociando com a dona morte um tempo de prorrogação da minha vida, mas com o falecimento inesperado do Gilmar acabei por concluir que isto é uma grande balela. Quando nossa vida chega ao fim não existe nenhum tipo de negociação: a morte chega e põe um fim definitivo na existência de qualquer ser vivo. A Moira Átropos, uma das três fiandeiras do destino, simplesmente corta o fio da vida que Láquesis vinha tecendo e o barqueiro Caronte entra em cena e faz a travessia. É o fim e ponto final. Não existe a menor possibilidade de acordo ou negociação.
            Estou viva simplesmente porque ainda não chegou minha hora de morrer. A doença é apenas um detalhe da minha existência e não preciso ficar focada nisto. Só não consigo esquecer que sou paciente oncológica porque faço quimioterapia há mais de sete anos. Amanheço o dia tomando em jejum o tykerb,  minha químio oral,  e faço o herceptin na veia a cada 21 dias; o faslodex a cada 28 e o zometa a cada três meses. É muito remédio quimioterápico para ser esquecido. É por esta e outras que de vez em quando eu preciso fazer uma pausa para viajar. São estas pausas recheadas de viagens e aventuras que me dão o combustível e o entusiasmo para continuar achando que a vida vale a pena.
1 Response
  1. Lili Says:

    A forma como vemos faz uma diferença incrível acerca da vida e do mundo, dos fatos e nossas atitudes...
    Que tenhamos olhos de ver.
    Beijin,


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou