Reflexões sobre a morte e o morrer
quarta-feira, agosto 28, 2013
Eu estava chegando em casa hoje a tarde quando percebi que haviam
fechado a porta da casa do Gilmar, meu vizinho e amigo que faleceu semana
passada num acidente de carro. Num primeiro momento pensei: quem mexeu no
cafofo do meu amigo? E no segundo seguinte me dei conta de que agora aquela
casa não é mais dele. Ele nunca mais irá precisar de uma casa para morar, pois
se foi para sempre. As coisas que eram dele e pelas quais ele tinha apreço
poderão até ser descartadas pelos seus herdeiros... Ninguém é obrigado a gostar
ou valorizar um objeto apenas porque herdou aquele objeto. Cruel, mas
verdadeiro.
A morte do meu amigo, que
tinha a mesma idade que eu e era um homem saudável, um atleta que gostava muito
de correr, me fez pensar sobre a morte e o morrer nestes últimos dias. Refleti
muito sobre o assunto, e até gastei todo o meu tempo de terapia na
segunda-feira falando sobre isto. Cheguei a algumas conclusões...
Percebi por exemplo a
tolice que é acreditar que o fato de se ter uma doença grave ou crônica nos
deixa muito mais susceptível a morte. Pura bobagem, pois para morrer basta
mesmo é estar vivo. Tenho câncer há mais de 15 anos e continuo aqui vivinha da
silva, e meu amigo que era forte e saudável está morto e enterrado.
Eu tinha a ilusão de
que nos últimos quinze anos eu vinha negociando com a dona morte um tempo de
prorrogação da minha vida, mas com o falecimento inesperado do Gilmar acabei
por concluir que isto é uma grande balela. Quando nossa vida chega ao fim não existe
nenhum tipo de negociação: a morte chega e põe um fim definitivo na existência
de qualquer ser vivo. A Moira Átropos, uma das três fiandeiras do destino,
simplesmente corta o fio da vida que Láquesis vinha tecendo e o barqueiro Caronte
entra em cena e faz a travessia. É o fim e ponto final. Não existe a menor
possibilidade de acordo ou negociação.
Estou viva simplesmente
porque ainda não chegou minha hora de morrer. A doença é apenas um detalhe da
minha existência e não preciso ficar focada nisto. Só não consigo esquecer que
sou paciente oncológica porque faço quimioterapia há mais de sete anos.
Amanheço o dia tomando em jejum o tykerb, minha químio oral, e faço o herceptin na veia a cada 21 dias; o
faslodex a cada 28 e o zometa a cada três meses. É muito remédio quimioterápico
para ser esquecido. É por esta e outras que de vez em quando eu preciso fazer
uma pausa para viajar. São estas pausas recheadas de viagens e aventuras que me
dão o combustível e o entusiasmo para continuar achando que a vida vale a pena.
A forma como vemos faz uma diferença incrível acerca da vida e do mundo, dos fatos e nossas atitudes...
Que tenhamos olhos de ver.
Beijin,