Quando descobri que estava com câncer, ainda atônita com a notícia, fui procurada por um amigo para ser sua avalista no refinanciamento de uma dívida com o cheque especial. Como éramos amigos e eu não estava em condições de raciocinar direito sobre o abacaxi que estava arrumando, assinei os papéis e esqueci do assunto.
Fiquei dois anos em tratamento, pois a cada seis meses achavam outro caroço e lá ia eu fazer nova cirurgia e recomeçar tudo. Passada esta ciranda de cirurgias, de saco cheio de médicos, hospitais, quimioterapias e rádio, resolvi pedir um tempo para viver a vida e, com o aval da minha mastologista, embarquei para Londres onde morei durante um ano.
Alguns dias depois do meu retorno a Brasília sofri uma queda e caí de madura, fraturando o antebraço em dois lugares. Por sorte o osso não chegou a sair do lugar, pois o meu braço direito é bastante complicado porque não tenho mais os gânglios linfáticos e não posso me dar ao luxo de machucar feio.
Eu ainda estava com o braço imobilizado quando recebi uma carta do Serasa comunicando que meu nome estava inscrito no cadastro dos maus pagadores. Como eu não havia feito nenhuma dívida e não conseguia imaginar o que poderia ser, liguei para o banco perguntando do que se tratava e, qual não foi minha surpresa, quando o gerente informou que a dívida em questão era referente aquele contrato que eu havia assinado como avalista para meu amigo.
O infeliz deixou de pagar as prestações do refinanciamento que, naquela altura, já acumulava uma dívida de mais de R$ 15.000,00. Isto no ano de 2000.
Fiquei sem crédito na praça, sem cheque especial, cartão de crédito e afins e com o meu nome sujo. Pior, eu estava com cirurgia marcada para finalizar a reconstrução mamária que eu havia feito quando precisei retirar a mama direita. Precisei adiar a cirurgia.
Tentei resolver a questão com meu amigo da onça e, lógico, não consegui nada. Entrei em contato com o banco para tentar negociar a dívida e o pessoal encarregado do assunto era aquele tipo simpático e que faz tudo para não facilitar a vida do avalista, enquanto deixa o devedor principal livre, leve e solto.
Fui conversar pessoalmente com os negociadores do banco, expliquei que estava em tratamento, que estava com cirurgia marcada e blá blá blá. Eles pediram que eu levasse um relatório médico explicando meu problema de saúde e a cirurgia a que eu seria submetida, para que o banco estudasse uma forma de reduzir os juros facilitando o pagamento da dívida. Levei toda a papelada no banco e, durante pelo menos uns quatro meses, tentei renegociar a dívida. Eles faziam tudo o que podiam para dificultar as coisas.
Fui conversar pessoalmente várias vezes. Tentei convencer o pessoal do banco a aceitar outro avalista que estava disposto a assumir a dívida para meu amigo da onça, mas eles não aceitaram. Em resumo, estavam dispostos a arrancar o que pudessem de mim e de mais ninguém, e muito menos de devedor principal.
Um belo dia retornei ao banco para conversar mais uma vez e argumentei que eu precisava resolver aquela questão para que eu pudesse fazer a cirurgia da mama programada. Sabem o que o gerente que me atendeu teve a coragem e o topete de dizer na minha cara? Duvido que alguém possa imaginar.
O sujeitinho olhou para mim com a cara mais cínica do mundo dizendo que não poderia baixar nenhum centavo da dívida, que o valor era aquele mesmo e ponto final. Para acabar de vez comigo ainda olhou bem na minha cara e disse, com todas as letras e em alto e bom som, que a cirurgia para reconstruir minha mama não era importante e que não faria a menor falta eu ficar sem a cirurgia.
Naquele momento tive vontade de avançar no sujeito e torcer o pescocinho dele, mas me contive. Afinal, matar um cretino daquele não faria a menor diferença. Eu precisava acabar com ele de outra maneira, com a cabeça, no emocional.
Respirei fundo e deixei aflorar a Athena que habita em mim, em toda sua plenitude. Senti sua armadura abraçar meu tórax, empunhei sua lança, aguardei que o escudo com a cabeça da medusa entrasse em atividade e então perguntei com a cara mais tranquila que pude mostrar: Você tem pinto? Pego de surpresa ele respondeu gaguejando que sim, sem atinar onde eu queria chegar com uma pergunta daquela natureza. Ainda mostrando uma calma que eu estava longe de sentir, voltei a perguntar: Você gostaria de ficar sem o seu pinto? Ele estava agitado, preocupado com o rumo da nossa conversa e respondeu titubeando: Claro que não. Ainda demonstrando calma disparei: Pois é, da mesma forma que você não pretende ficar sem o seu pinto não venha me dizer que minha mama não é importante e que não faz nenhuma falta reconstruí-la. E continuei para feri-lo de morte: não desejo um câncer no seu pinto porque é muito triste ter câncer e perder um pedaço do corpo...
Naquela altura da conversa o sujeito estava suando frio e nervoso. Levantando mais o tom de voz, que no meu caso já é alto por natureza, falei: Agora eu quero cópia de todos os papéis referentes a esta dívida para entrar com uma ação judicial contra você, o banco e o cretino do meu amigo que fez o favor de colocar-me neste imbróglio legal.
Acho que o negociador que até então estivera em evidente vantagem sobre mim ficou com tanto pavor só em imaginar a possibilidade de ficar sem o seu precioso objeto fálico que pediu-me calma. Disse com voz trêmula que retiraria meu nome do cadastro do Serasa e que aceitaria um novo avalista. Olhei bem dentro dos olhos dele e disparei: você tem uma semana para retirar meu nome desta dívida que não é minha. Nem mais um dia. Se neste prazo você não conseguir resolver tudo, prepare-se. E saí da sala.
Menos de três dias depois ele conseguiu localizar-me na casa de uma amiga (até hoje fico curiosa para saber como ele conseguiu encontrar-me) para dizer que estava tudo resolvido. Meu crédito estava restabelecido e meu nome limpo. Eu estava livre.
Nunca mais me animei a concluir a reconstrução da mama. Acho que é uma forma de me lembrar que não posso me envolver com um problema que não é meu e para o qual não contribuí e que nunca, em nenhuma circunstância, devo ser avalista ou fiadora de quem quer que seja.
Alguns homens, até os dias de hoje, tentam aniquilar a força das mulheres como o fizeram no passado, de forma sutil, sem que elas se dessem conta. Depois, não satisfeitos, perseguiram as muheres e até as queimaram nas fogueiras com a desculpa esfarrapada de que se tratava de bruxas. Os homens sempre nos temeram.
Aquele sujeito em questão foi mais incisivo. Foi cruel. Onde já se viu, nos dias de hoje, um homem olhar para uma mulher e dizer sem rodeios que a mama, os peitos, os seios dela não são importantes. Será que ele pensa o mesmo do pinto? Duvido...