Uma experiência difícil
sábado, junho 29, 2013
- Aguarde sentada naquele banco que vou buscar um funcionário que fale
português para conversar com sua amiga.
Maria e Fátima tinham
acabado de chegar ao aeroporto de Heathrow em Londres e foram juntas para o
guichê de imigração. Maria que tinha vários carimbos no passaporte e Visto dos
EUA não teve nenhum problema e foi admitida para permanência de seis meses na
cidade, mas o guarda da imigração resolveu criar caso com Fátima porque o
passaporte dela não tinha nenhum carimbo e ela estava chegando à cidade para
estudar por seis meses e não falava uma palavra sequer em inglês.
A conversa não acabava
mais e de longe Maria só conseguia ver a amiga gesticular e responder a várias
perguntas, não dava para deduzir e muito menos escutar o que eles tanto
falavam. Ela já estava ficando aflita, com medo de Fátima ser deportada, quando
finalmente a imigração resolveu carimbar o passaporte. Mais do que depressa as
duas pegaram as malas na esteira e quando finalmente alcançaram o saguão encontraram
outro problema: o amigo que ficou de buscá-las no aeroporto não estava
aguardando no local combinado.
Elas estavam cansadas
da longa viagem e bastante estressadas com o episódio na imigração. Tentaram
falar pelo celular, mas a ligação caía na caixa postal. Por onde andaria Vitor?
Resolveram sentar e aguardar um pouco mais.
O tempo passava e nada
de Vitor chegar. As duas já estavam na fila do taxi quando ouviram uma voz
conhecida gritando seus nomes, era o Vitor que vinha correndo ao encontro delas.
Ele sorria enquanto se desculpava pelo atraso. Os três se abraçaram e saíram juntos
do aeroporto. Optaram pelo metrô, já que iriam descer em Piccadilly Circus,
onde ele trabalhava.
A viagem até o centro
de Londres foi longa, quase uma hora no metrô lotado. Quando chegaram na estação
de Piccadilly desembarcaram e para desespero dos três só havia uma escada que
levava para a saída. O jeito foi respirar fundo e arrastar as pesadas malas
escada acima. Quando finalmente alcançaram a rua uma rajada de vento gelado os
recebeu, mas mesmo assim foi um alívio sentir que finalmente haviam chegado ao
destino.
Foram direto para o
hotel que ficava quase em frente a saída do metrô e onde passariam a noite. Estavam
exaustas pela viagem longa e pelo estresse na imigração. Só queriam descansar
para apagar da memória as lembranças ruins da chegada à cidade. No dia seguinte
sairiam com calma para conhecer Londres.
O domingo amanheceu
frio, nem parecia verão. Foi preciso usar botas, um agasalho e cachecol quentinho
para se proteger do frio que parecia querer congelar até os ossos. – É assim o
verão na Europa? Fátima perguntou assustada, já que detestava invernos gelados.
Vitor sorriu e disse que em Londres o tempo era meio doido. Era muito comum a
cidade exibir todas as estações do ano num mesmo dia.
Como estavam em
Piccadilly foram caminhando a pé até o Palácio de Buckingham, primeiro ponto
turístico que resolveram conhecer. A longa avenida de acesso ao palácio era
ornamentada com árvores antigas e frondosas que deixavam uma sombra gelada e
escura desenhada no chão. Fátima levantou a gola do casaco para ver se
esquentava um pouco mais. Ela andava encolhida, de cabeça baixa e com as mãos
protegidas no bolso do casaco. Sentia tanto frio que nem conseguiu reparar
direito nos canteiros em frente ao palácio que ainda exibiam flores coloridas. Uma
multidão de turistas aguardava em frente aos portões altos.
Assistiram a troca da
guarda e em seguida foram conhecer o Parlamento e o famoso Big Ben. Fátima
estava impressionada com tudo o que via, era sua primeira viagem a Europa. A
única coisa que tirava um pouco do prazer no passeio era o vento frio que não
parava de soprar. O Palácio de Westminster ou Casas do Parlamento, que abriga a
Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns, fica numa das margens do Rio Tamisa.
Assim que viu o prédio do
Parlamento Fátima exclamou excitada: - a arquitetura da fachada é gótica!
Aprendi isto em minha aula de decoração, mas é a primeira vez que vejo um prédio
assim. – É lindo!
O famoso
relógio Big Ben fica numa das torres que mede 96 metros e é conhecida como Torre
do Relógio. Depois do almoço as amigas resolveram voltar para o hotel e não
saíram mais. No dia seguinte precisavam sair para conhecer a escola onde iriam
estudar e iriam também para a casa da família que iria hospedá-las durante o
período que ficariam na cidade.
Na segunda-feira foram conhecer
primeiro a casa onde iriam morar e levaram o maior susto. A dona da casa
informou que havia cancelado a reserva da hospedagem e que a escola sabia do
cancelamento. Maria e Fátima ficaram assustadas, pois a escola não havia
informado nada sobre o cancelamento da hospedagem. Ainda bem que Vitor estava
com elas e pode acompanhá-las até a escola para tentar resolver o problema.
A escola ofereceu outra
opção de hospedagem e lá se foram os três para o novo endereço, mas outro
problema os aguardava: o dono da casa estava furioso porque um aluno da escola havia
quebrado algumas coisas em sua casa e saído sem pagar pelo prejuízo. Ele
chacoalhava um chaveiro com as chaves da casa enquanto conversava com Vitor e
dizia que só receberia as duas novas alunas se elas pagassem adiantado a quantia
de cento e cinquenta libras para cobrir os prejuízos causados pelo outro
estudante.
Maria e Fátima se
recusaram a pagar pelo prejuízo e voltaram desoladas para o hotel onde estavam
hospedadas. Já era muito tarde, estavam cansadas e furiosas com a escola, pois pagaram
adiantado um mês de hospedagem quando fizeram a matrícula, antes de saírem de
suas casas, e agora estavam sem lugar para morar em Londres e não podiam ficar
muito tempo pagando pela diária do hotel. Elas precisavam encontrar um lugar
para morar, pois estavam se sentindo como duas sem teto em Londres. Parecia
que tudo estava dando errado para as amigas, desde a chegada ao aeroporto. Era
melhor dormir e esfriar a cabeça.
Vitor trabalhava no
hotel onde Maria e Fátima estavam hospedadas, e então conversou com sua gerente
para saber se era possível elas ficarem morando no mesmo alojamento dos
funcionários do hotel que ainda tinha alguns quartos disponíveis. Ele explicou
a situação das amigas e a gerente, sensível ao problema, resolveu alugar um dos
quartos. Ela também sugeriu que ambas tentassem uma vaga para trabalhar meio período
no restaurante do hotel, já que eram estudantes e podiam trabalhar legalmente.
Não podia ter
acontecido nada melhor. Os ventos pareciam estar começando a soprar em favor
das amigas que além de conseguirem um quarto para morar no centro de Londres, ainda
podiam trabalhar pela manhã e estudar no período da tarde. Era um arranjo
perfeito. Elas pegaram suas malas e fizeram a mudança para o alojamento no
mesmo dia, e em seguida foram até a escola cobrar de volta o pagamento
referente a um mês de hospedagem em casa de família.
A primeira semana chegou
ao fim e Fátima não parecia nada feliz. Ela trabalhava no hotel pela manhã e
frequentava a escola de inglês na parte da tarde. Chegava em casa abatida
comentando as histórias de vida que ouvia dos colegas que frequentavam a mesma
escola. Eram histórias de pessoas pobres que foram morar em Londres e que
viviam no maior sufoco. Eles precisavam estudar para manter o visto de
estudantes e assim poder continuar trabalhando legalmente, moravam em bairros
distantes do centro e trabalhavam muito para se manter e também poder mandar
dinheiro para as famílias. Era uma vida muito dura e difícil.
Fátima não conseguia se
adaptar e sentia muita falta de sua casa e sua família que havia ficado para
trás. Além da dificuldade com a língua, o que atrapalhava a comunicação no
trabalho, o frio, em pleno verão, piorava ainda mais as coisas. Ela só queria
dormir e se recusava sair para conhecer a cidade. Saía da cama apenas para
trabalhar e ir para o curso de inglês. Na metade da segunda semana ela decidiu
que não iria mais ficar, queria voltar para casa. Pediu ajuda a Vitor e foram
marcar a passagem de volta. No final da segunda semana Fátima embarcou de volta para
casa sem ter conhecido Londres.