As bodas de Dolores
sábado, junho 22, 2013
- Só porque sou morena cor de canela e tenho os cabelos negros e
cacheados não posso ser freira?
- É, passou de branco é
preto, e mulher preta não pode ser freira nesta Congregação.
Esse diálogo carregado
de preconceito seria motivo de processo nos dias de hoje, mas nos idos dos anos
cinquenta era perfeitamente normal. Alguém com mais de sessenta anos tem
lembrança de ter conhecido na juventude alguma freira negra? Duvido.
E a jovem morena cor de
canela perdeu a ilusão de que algum dia iria passar pelo ritual dos votos
perpétuos para se tornar freira e esposa de Cristo. Apesar de a congregação
tê-la rejeitado para ser freira ela continuou morando e trabalhando no convento,
pois já vivia lá há muitos anos e aquela era a única vida que conhecia.
Numa bela manhã de sol
Dolores carregava de volta para a cozinha do convento uma bandeja com delicadas
xícaras de porcelana e um bule com um pouco de café negro e cheiroso. Uma
freira já avançada em idade se aproximou e com voz forte e decidida disse-lhe
de sopetão: - O Sr. Heitor, que trabalha em nosso colégio, é viúvo e quer se
casar com você.
Dolores levou tanto
susto com a notícia que deixou cair a bandeja espalhando cacos de louça e café
pelo chão. Olhou surpresa para a freira que continuava em pé na sua frente e
disse quase num sussurro: - mas ele é um velho. Não quero me casar com um homem
velho e que eu mal conheço. Eu nunca sequer conversei com o Sr. Heitor, como é
que ele quer se casar comigo?
A freira retrucou
encerrando o assunto: - O Sr. Heitor é um homem bom, sério, é viúvo e quer se
casar com você. Não seja tola. Aproveite a chance de ter um marido que cuidará
de você, lhe dará uma casa e filhos. – Eu nem quero ter filhos. Sempre quis ser
esposa de Cristo, e nunca pensei em me casar, ainda mais com um homem velho...
A pressão para que
Dolores aceitasse o pedido de casamento foi enorme. Todo dia era a mesma
ladainha: você precisa aceitar o pedido de casamento. Não houve paquera e muito
menos namoro. Dolores não teve escolha e poucas semanas depois dessa conversa ela
e Heitor embarcaram de ônibus para São Paulo e lá pegaram outro ônibus para uma
cidadezinha no interior do estado. Era lá que o pai e os irmãos de Dolores
moravam, e era lá aonde eles iriam se casar. Mal trocaram algumas poucas
palavras durante o trajeto da viagem que começara no Rio de Janeiro, o coração
dela estava muito apertado. Dolores sentia medo do futuro que haviam escolhido para
ela.
A família aguardava o
casal na pracinha da cidade. Havia um misto de curiosidade e surpresa com a
chegada dos noivos, pois ninguém acreditava que Dolores iria se casar algum
dia. Desde que ela fora embora para o
Rio de Janeiro seu desejo era o de se tornar freira, e ser esposa de Cristo.
Heitor era um homem
alto e bonito. Sua pele bronzeada pelo sol tropical destacava os olhos verdes num rosto
de traços fortes e marcantes. Ele não aparentava ter quase 60 anos. Diferente de Dolores, estava tão feliz com as bodas que até mandou
preparar na padaria da cidade um bolo enfeitado com uma pombinha branca para
recepcionar os amigos e familares da noiva. Como religiosa que era, Dolores
escolheu o mês de maio, mês de Maria, para se casar e entrou caminhando séria e
solene pela nave da pequena Igreja do interior. Ela não estava feliz dentro do
vestido de noiva simples e elegante, estava assustada e deprimida. O casamento
não fazia parte dos seus planos de vida, mas a pressão havia sido tão grande
que ela acabou por concordar em se casar com um homem velho que tinha idade
para ser seu pai.
Heitor a aguardava
sorridente no altar, ele usava um terno preto com finas listras brancas que o
fazia parecer ainda mais alto do que era realmente. A cerimônia foi breve e no
dia seguinte o casal tomou o ônibus de volta ao Rio de Janeiro. Em março do ano
seguinte nasceu a primeira filha do casal.
Eles tiveram três
filhas e foram felizes juntos, apesar da diferença de idade. Pouco depois de
completarem onze anos de casados Dolores ficou viúva e precisou criar suas
filhas sozinha e com muitas dificuldades, como ela havia previsto desde o
momento em que disse o SIM no altar, na cerimônia do seu casamento.
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Obrigada pelo comentário. bjs Lou