Bárbara e eu fomos conhecer o Parque dos Falcões com o William, o taxista que contratamos, no penúltimo dia de nossa viagem. A empresa de turismo Crystal Tour, que nos levou para conhecer o Cânion do Xingó, sequer nos ligou para dizer que não iriam fazer o passeio, como haviam combinado. Suponho que não tenham conseguido o mínimo de quatro pessoas para justificar a saída de um carro, mas também acho que não custava nada ter ligado avisando que não iriam fazer o passeio conosco. Ainda bem que conhecemos o William que fez um bom trabalho e nos cobrou um preço justo (e bem mais barato do que a agência cobraria).
O Parque dos Falcões fica nos arredores da cidade de Itabaiana, mais conhecida como a cidade do ouro, dos caminhões e, como insinuou o William, dos matadores... As estradas que utilizamos no Sergipe eram muito boas e bem conservadas, mas para chegar no sítio onde fica o parque foi necessário pegar um pequeno trecho de estrada de chão. O William nos disse que aquela área é preservada e por isto a estrada não pode receber nenhum tipo de pavimentação.
Assim que entramos no parque fomos encaminhados para um auditório onde foi apresentado um vídeo sobre o trabalho com as aves de rapina, desenvolvido pelo Percílio. Ele é uma pessoa carismática e muito simpática, que tem um amor incondicional pelas aves e outros animais que circulam pelo sítio. O Percílio é uma figura! É uma pessoa encantadora. Adorei o Percílio.
A história dele com as aves começou muito cedo, quando ele tinha mais ou menos 7 anos e ganhou um ovo de carcará que colocou para chocar em uma galinha. O carcarazinho nasceu e os dois se tornaram inseparáveis. O Percílio nos disse que tudo o que ele sabe sobre as aves ele aprendeu com o Tito que, na realidade, é a Tito pois é uma carcará fêmea e não um macho como se pensou inicialmente. A Tito já está com 30 anos de idade, mas mantem a mesma aparência e vitalidade de um pássaro jovem. Ela nunca aceitou nenhum macho e acho que vê o Percílio como seu parceiro. Os pássaros são fiéis aos parceiros.
O Percílio nos disse que aprendeu tudo o que sabe sobre as aves com a experiência própria e a observação cuidadosa (ele tem a alma de um pássaro). Ele fala a linguagem delas e um entende o outro perfeitamente. As aves amam o Percílio e a recíproca é absolutamente verdadeira.
O Parque dos Falcões possui mais de 300 aves (e todas atendem pelo nome). O carcará chamado Psicopata, por exemplo, costuma dar voos rasantes e bicar a cabeça dos intrusos no parque. Algumas das aves vivem soltas mas nunca vão embora porque sabem que lá é um refúgio seguro. Outras vivem semisoltas e voam apenas para se exercitarem e manter o peso. Algumas vivem permanentemente em cativeiro porque não têm condições de viver em liberdade. É que, por maus tratos do homem cruel e insensato, as pobrezinhas perderam suas asas ou os pés. Uma maldade. O Percílio nos contou que algumas aves chegam em suas mãos tão traumatizadas e feridas que o trabalho de reabilitação torna-se bastante difícil. Só mesmo muito amor e cuidados consegue resgatar estas belas aves de rapina e devolver-lhes um mínimo de dignidade e vida selvagem. Ele nos mostrou, por exemplo, um belo gavião que recebeu um tiro de chumbinho na cabeça e isto provoca epilepsia na ave. Quando as crises acontecem ele coloca música e acaricia a ave que aos poucos vai voltando ao normal. Outro pássaro em cativeiro, e que já reproduziu várias vezes, é uma rara coruja orelhuda que perdeu uma das asas. Aliás, no viveiro onde ela está havia dois ninhos com filhotes recém nascidos. O Percílio é realmente uma pessoa muito abençoada. Oxalá outros Percílios apareçam pelo mundo.
Vimos corujas pequeninas e com uma aparência tão frágil que dava vontade de fazer um carinho. Outras grandes, com olhos amarelos, redondos e atentos, e garras tão poderosas, que chegava a dar medo. A harpia enorme e linda, que um dia voou pelos céus dos Andes, foi resgatada muito maltratada e agora, já reabilitada, estava se deliciando com um banho de água fresquinha. Ela está aguardando um parceiro, também resgatado, que chegará em alguns dias no santuário. Vimos urubus rei, águias, carcarás, falcões, corujas, pombos e muitas outras aves. Tinha até um falcão peregrino, típico dos Estados Unidos, que se acidentou e não conseguiu mais voar porque quebrou a asa. O falcão peregrino é uma das aves mais rápidas do mundo. Ele consegue atingir a incrível velocidade de mais de 300 Km por hora.
O Percílio nos contou muito triste que há alguns anos havia no santuário um urubu albino muito raro que foi roubado e morto por biólogos. Dá para acreditar? Ele conseguiu outro urubu albino que está em cativeiro porque não conseguiria sobreviver solto na natureza. As penas brancas não resistem ao sol.
Acreditam que o Percílio desenvolveu um método de implante de penas? Pois é, ele implanta penas naquelas aves que perderam as suas por maus tratos. O cara é um gênio do bem. Abençoado Percílio. Ele consegue induzir até 4 cios por ano em algumas aves em risco de extinção. Muitas aves conseguem se reproduzir com os cuidados que recebem no santuário. Algumas são soltas na natureza e outras são enviadas para centros que cuidam de aves de rapina.
A apresentação do vôo da águia é muito legal e é o ponto alto do passeio. Atendendo ao comando a ave começa a voar e voa tão alto que só vemos um pontinho no céu, depois ela desce feito um corisco para pousar suavemente no braço do Percílio. Ele acaricia a ave que torna a voar e solta seu grito agudo e característico. É lindo! Tudo é feito com muita cumplicidade e carinho entre a ave e seu cuidador.
O Percílio apresentou um carcará bem bravo que, nas mãos dele, fica dócil como um cordeirinho. Ele me chamou e colocou o pássaro em meus braços como um bebezinho. A ave fechou os olhinhos e ficou bem tranquila. O percílio mandou que ela abrisse o bico e pediu que eu colocasse o dedo dentro do bico. Fiz o que ele mandou sem o menor receio de que a ave fosse travar aquele bico poderoso em meu dedo. Confiei no Percílio tanto quanto as aves que ele cuida confiam nele. Ele tem o poder de nos fazer acreditar. Santo Percílio. Fiquei emocionada, pois adoro aves de rapina e nunca me imaginei segurando um carcará vivo nas mãos. Uma experiência incrível! Depois, o Percílio e seus ajudantes pegaram outras aves e todas as pessoas presentes puderam segurar cada uma delas nas mãos. As crianças ficaram maravilhadas com a oportunidade de pegar um pássaro nas mãos. Eu parecia uma criança também.
Valeu cada minuto do passeio no Parque dos Falcões. É muito bom conhecer pessoas que se importam com os animais e cuidam deles com tanto amor. O Percílio nos mostrou um pavão solto no quintal que se apaixonou por uma galinha de angola e o produto deste amor, uma ave que ele chama de mutante. É uma curiosa mistura de pavão com a galinha pintadinha. Muito interessante: é grande como uma fêmea de pavão e pintadinha como a galinha de angola. Coisas do Percílio. Que nome podemos dar a este ser mutante? Pavangola?