Viajando nas lembranças de antigas viagens - Kusadasi - Éfeso

      No cair da noite o navio zarpou e do deck mais alto eu via Mikonos com suas charmosas casinhas brancas ir ficando para trás. Sua imagem a distância parecia  a de um cartão postal, e aos poucos Mikonos foi diminuindo até desaparecer do meu campo de visão.  Como era verão o sol se punha muito tarde e naquela hora ainda brilhava no céu azul  e eu observava encantada aquele azul escurecer devagarinho e se transformar num azul escuro salpicado de estrelas coloridas. Era uma visão fantástica e um colorido tão especial que a palheta de poucos artistas será capaz de reproduzir, mas ficou registrado para sempre em minha memória saudosa do céu acima do Mar Egeu.
A noite no navio era sempre muito animada com teatro e muitas brincadeiras depois do jantar e o amanhecer sempre nos brindava com um porto diferente, desta vez estávamos chegando em Kusadasi, que fica na costa do Mar Egeu, só que na Turquia. Nosso interesse naquelas paragens era conhecer Éfeso.
Éfeso foi uma cidade greco-romana da Antiguidade e deve ter sido um lugar incrível e de grande desenvolvimento, a julgar pelas ruínas bem conservadas que tive a sorte conhecer de perto. A cidade foi um grande centro comercial e cultural, mas entrou em declínio quando teve início o assoreamento do seu porto.  Era em Éfeso que ficava o Templo da Deusa Ártemis, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, mas que lamentavelmente foi destruído por uma turba de fanáticos,  juntamente com muitos outros edifícios da cidade.  O imperador Constantino I reconstruiu Éfeso parcialmente  e mandou erguer novos banhos públicos, mas um terremoto destruiu tudo mais uma vez.
  O que restou da antiga Éfeso está bem conservado e o trabalho de restauração deve continuar até os dias de hoje, eu suponho. Fiquei encantada com as ruas antigas, algumas pavimentadas com belos mosaicos, outras com blocos de mármore.  Os banheiros públicos coletivos com água corrente eram muito  bem bolados, mas o que me chocou foi imaginar a falta de privacidade. Huumm... latrinas uma ao lado da outra... eu não queria passar por uma experiência desta natureza.  Ainda me lembro do guia explicar que não havia cheiro dentro do banheiro porque os detritos caíam direto numa canalização de água que saía de um dos banhos públicos que ficava ali perto. Será?
Éfeso também abrigou a magnífica Biblioteca de Celsus, mas em 1999  (e ainda hoje, eu espero) restava de pé apenas a bela fachada do prédio de dois andares, com lindas colunas e estátuas que a ornamentaram em seu apogeu.  Fiquei boquiaberta com a beleza da construção e tentei imaginar as pessoas que frequentavam aquele local há mais de 2000 anos e que às vezes saíam de lá em direção ao bordel que ficava no lado oposto da praça e que era ligado a biblioteca por uma passagem direta. O bordel era chamado Casa do Amor, bem sugestivo não acham? Nesta casa foi encontrada uma pequena estátua do deus Príapo (hoje ela está guardada no Museu de Éfeso), que é representado como um homem idoso mostrando um enorme pênis ereto.
Além de todo este aspecto turístico, para os católicos Éfeso é um lugar especial porque foi para lá  que São João levou Maria, a mãe de Jesus, em 37 DC e foi lá que ela viveu pelo resto de sua vida. A casa da Virgem Maria é muito simples, toda construída em pedras. Ela fica no alto do monte Coresus e atrai uma multidão de turistas.  Quando entrei na Casa da Virgem Maria foi inevitável me sentir emocionada. Fiz questão de beber água na fonte abastecida pelo mesmo manancial onde Maria matava sua sede e ainda trouxe para casa uma garrafinha cheia daquela água para minha mãe que é católica fervorosa.

Viajando nas lembranças de antigas viagens - Mikonos - Grécia

     Iniciando um novo protocolo para tratamento de um câncer metastático torna-se necessária minha permanência em Brasília por pelo menos mais uns três ou quatro meses. Depois deste prazo terei que fazer novos exames para que meu médico possa avaliar se a medicação nova está sendo eficaz ou não.
Desde que descobri o câncer de mama em 1998, descobri também que viajar funciona para mim como um elixir de boa saúde tão eficaz quanto um quimioterápico, embora um não possa excluir o outro. Concluí que faço tratamento para viver e não o contrário, então viajar é como criar asas e voar para ganhar vida nova... Adoro sair pelo mundo conhecendo lugares e pessoas, reconhecendo paisagens que me seduziram em livros e revistas, visitando museus para conhecer de perto a fascinante história da humanidade.
Sem poder sair de Brasília, até porque meu corpo precisa se acostumar com a nova medicação, meu desejo de viajar continua tão forte que faz com que eu viaje nas viagens que já fiz e que ficaram para sempre marcadas em minha memória. Hoje relembrei a viagem que fiz para conhecer a Grécia, em 1999. Eu tinha operado  a tireóide para retirar um nódulo suspeito quando apareceu a oportunidade de viajar com minha amiga Cris e eu não pensei duas vezes. O médico recomendou apenas que eu procurasse proteger a cicatriz no pescoço para evitar que o sol deixasse uma marca escura, nada além disto. Era tudo o que eu precisava para viajar sem pensar duas vezes.
Desembarcamos em Athenas no dia 27 de junho e no entardecer daquele dia fomos assistir a um show que tinha como cenário de fundo a Acrópole. A tarde estava perfeita, e o azul sem nuvens  do céu foi ficando cada vez mais índigo e uma lua cheia, prateada e brilhante, foi surgindo devagar no céu só para deixar o cenário ainda mais perfeito. Eu não sabia se apreciava a beleza da lua cheia no céu sem nuvens, a paisagem deslumbrante com a Acrópole recortada ao fundo e que mudava de cores a todo momento ou se atentava para as falas dos artistas no palco. Eu estava simplesmente encantada, eu estava na Grécia, berço da filosofia, terra de Platão e de Sócrates, da literatura, dos deuses da mitologia, terra dos Jogos Olímpicos... quanta coisa cabia no meu imaginário sobre a Grécia, e eu estava ali.
Naquela noite dormi sonhando com a lua prateada deslizando no céu azul índigo, acima do frontão da Acrópole,  e  com os Deuses Gregos festejando minha chegada em Athenas. Eu estava feliz, muito feliz Acordei cedo no dia seguinte porque iríamos embarcar no Porto de Pireus, no navio Triton, para um Cruzeiro por algumas Ilhas Gregas. Era minha primeira viagem de navio e eu estava ansiosa e curiosa para conhecer um navio por dentro, e muito mais ainda para conhecer as Ilhas Gregas de Mikonos, Santorine, Creta e outras, que estavam previstas no roteiro.
Nosso primeiro desembarque foi na charmosa Ilha de Mikonos, cheia de casinhas brancas recortadas contra pequenas colinas de granito marrom. O azul escuro das águas do Mar Egeu completava a beleza meio rústica do lugar quase sem árvores.  As ruas pareciam compridos corredores, que também serviam de proteção contra um vento incessante. Passamos o dia passeando pela ilha e de vez em quando deparávamos com um beco de muros e casinhas brancas, emoldurado por cachos de bouganvilias vermelhas e cor de vinho. Eu e a Cris não resistíamos e sempre posávamos para uma foto.
Passamos um dia inteiro curtindo Mikonos, ilha do arquipélago das Cíclades, e no final da tarde retornamos ao navio para retomarmos nossa viagem em direção a Kusadasi, na Turquia.

Quimioterápicos em falta nas clínicas privadas

     Falta de medicação nos hospitais públicos já virou rotina, mas nos hospitais e clínicas privadas é muito estranho, principalmente quando se trata de quimioterápicos. O que está acontecendo? Será que é algum tipo de boicote dos laboratórios para aumentar o preço dos remédios que já são caríssimos ou é falta de controle no setor de compras das clínicas? Sinceramente não cheguei a nenhuma conclusão...
     Sexta-feira estava agendada minha segunda dose de ataque do Faslodex, mas o remédio estava em falta na clínica, pode?  Reclamei e disse que era inconcebível ficar sem medicação, principalmente no meu caso que estou iniciando um novo protocolo e a segunda dose do Faslodex é uma dose de ataque portanto, uma dose importante e que precisa ser feita na data certa.
     Depois de falar sei lá com quantos pessoas na quinta-feira e na sexta-feira pela manhã a clínica retornou minha ligação avisando que eu poderia fazer a medicação às 14 horas e eu estava lá pontualmente. Estranhei a demora no atendimento, mas rapidinho entendi o que estava acontecendo: é que somente depois da minha chegada na clínica a enfermagem se deu conta de que eu teria que tomar duas doses do remédio e só tinham conseguido uma única dose.
     Fiquei aguardando o pessoal da enfermagem conseguir a outra dose do Faslodex em outra clínica que estivesse disposta a emprestar a medicação para que eu pudesse usar o remédio. Uma das enfermeiras me informou que alguns remédios estão em falta, e não apenas o Faslodex, olha só que horror!  Ela me falou que o Herceptin também está em falta e eu já aproveitei para avisar que dia 1º de março tenho agendado a segunda dose desta medicação. Tomara que até lá já esteja regularizado o estoque dos quimioterápicos e afins em todas as clinicas do DF.
     Gente é um verdadeiro tormento você ter que se preocupar se a clínica onde você faz tratamento para curar o câncer vai fornecer os remédios na data certa ou não. Este tipo de tratamento precisa ter uma sequência ininterrupta de medicação na data certa  para fazer o efeito esperado.
     Concluindo, consegui fazer as duas doses do Faslodex que estavam previstas para sexta-feira. Meu corpo ficou bastante dolorido ontem, mas hoje estou me sentindo um pouco melhor. O Faslodex, sem dúvida, está cumprindo seu papel.

Veias difíceis

     Saí toda furada no primeiro dia do novo protocolo de quimioterapia para tratar um câncer metastático. É que minhas veias não estão muito boas e como eu estava um pouco ansiosa com a troca de médicos, de clínica e de protocolo elas conseguiram desaparecer e não havia agulha, por mais fina que fosse, que conseguisse encontrar uma veia adequada. 
     Levei cinco picadas e uma delas deixou o meu braço muito roxo, até que na 6ª tentativa finalmente conseguiram puncionar uma veia de bom calibre no meu dedo indicador, onde a picada além de ardida dói bastante. Depois que terminei o herceptin ainda tive que tomar mais duas injeções de Faslodex. Hoje, sem sombra de dúvidas, foi o dia das picadas de agulha...
     Antes de sair da clínica a enfermeira me orientou para tomar bastante água de côco e fazer exercício com bolinhas no dia anterior da próxima aplicação, para facilitar a punção das veias.
     Cheguei em casa, almocei porque eu estava faminta e caí num sono profundo e cheio de sonhos confusos. Acabei de acordar, a única lembrança das picadas no braço é uma mancha roxa na pele clara, mas o corpo inteiro dolorido me faz lembrar que a medicação está atuando para curar meu corpo.

Fratura não consolidada

     Acabei de chegar do consultório do Dr. França, meu ortopedista especialista em problemas dos pés. Ele confirmou que a fratura do 5º metatarso do pé direito realmente não fechou, por causa da pseudoartrose, mas que está evoluindo.  Ele também disse que eu não sinto dor porque um dos lados do osso está fechado, então já me dou por satisfeita porque assim posso continuar andando sem ajuda, tenho apenas que usar um sapato com solado grosso para não permitir que o pé acabe torcendo e abrindo todo o osso novamente.
     Terei que retornar com uma nova radiografia no final de março e espero que até lá o ossinho do meu pé já tenha colado por inteiro. Esperança é a última que morre...

Língua com marca dos dentes e um pé que continua quebrado

     Hoje saí cedo de casa, primeiro fui ao consultório do meu periodontista e ele esclareceu que minha estranha e franzida língua (toda marcada com o formato dos dentes, com cortes e algumas papilas inflamadas) é resultado da pouca saliva que ando produzindo. Ainda bem que não é nada demais,  basta ingerir uma maior quantidade de água durante o dia, mas se o problema persistir existe o recurso de fazer uso de saliva artificial. É a tecnologia resolvendo os pequenos e grandes problemas. No mais os meus dentes, apesar de um pouco escurecidos depois de tantas e diferentes quimioterapias, estão bem. Também, com os cuidados do Dr. Geancarlo e uma escovação diária bem feita após qualquer refeição é muito mais fácil manter a saúde dos dentes. 
     Saindo do periodontista fui ao Hospital Home fazer outra radiografia para conferir a evolução da fratura no meu pé direito e para minha decepção ela está do mesmo jeito. Aos meus olhos de leiga ela me pareceu até pior do que a última que fiz em janeiro, mas vamos aguardar a consulta com o Dr. França que está agendada para amanhã às 8:30h e saber a real situação do meu pé; mas eu podia jurar que o osso já estava bem coladinho, pois estou conseguindo caminhar sem sentir dor.

Esperança com o novo tratamento

     Agora já está decidido, sexta-feira começo o novo protocolo para tratamento do câncer metastático. Estou animada e confiando que a medicação nova irá interromper a progressão da doença ou, melhor ainda, poderá regredir o estrago que já foi feito em meu corpo.
     É muito ruim saber que dentro da gente existe um monstro crescendo e se alimentando de nossa vitalidade. Preciso encontrar um antídoto eficiente para matar de vez este bicho voraz e conto com a eficiência do novo protocolo. A oração e o pensamento positivo ajudam na cura é claro mas não bastam, todo paciente com câncer precisa da ajuda de médicos especialistas e da eficiência dos tratamento.
     Acredito também que o entusiasmo pela vida serve como combustível para intensificar o efeito benéfico da quimioterapia e isto eu tenho de sobra. É por isto que não abro mão da ajuda de minha psicóloga, com ela aprendo a me conhecer melhor e a descobrir dentro de mim a força necessária para enfrentar um tratamento longo e difícil, mas necessário. 
     O entusiasmo que tenho pela vida tem relação direta com o amor que sinto pela minha filha, pela família especial que tive a sorte de ter, pelos amigos que estão sempre ao meu lado em todos os momentos. Nunca deixo de fazer aquilo que gosto e isto inclui viajar pelo mundo, ler bons livros, aprender coisas novas, bater longos papos, fazer tudo aquilo que dou conta e acreditar que a vida vale a pena.