Fiz o zometa na terça-feira e hoje amanheci com o corpo dolorido. Parece até que estou toda quebrada, com os ossos moídos. Foi  difícil levantar da cama macia  para tomar o primeiro remédio da manhã. Voltei para a cama e fiquei deitada mais um pouco. Quando precisei levantar novamente para tomar os cinco comprimidos de quimioterapia cheguei até a janela, como faço todos os dias, olhei para as árvores do jardim, fiquei observando os piriquitinhos verdes  que visitam meu quintal bem cedinho para comerem  um pouco de semente de girassol,  e foi inevitável lembrar minha amiga Mororó que já se foi e até sentir um pouco de inveja... Ela não sente mais dor, não sente mais nada... Ela ficou apenas nas lembranças das pessoas que gostavam dela, como eu.

Enquanto tirava os comprimidos da embalagem metálica, ouvindo aquele tec, tec, tec característico, lembrei que minha amiga odiava aquele mesmo barulho que ela ouvia todas as manhãs quando seu marido quebrava a embalagem para pegar o remédio. Nas últimas semanas de vida ela não conseguiu mais engolir o remédio. A doença avançou e consumiu minha amiga.

Pensei em mim e no porque nunca desisti. Não existe um motivo único, são várias as razões que me levam a continuar insistindo, apesar das dores e dos mal estares. Estou mais para uma Valquíria do que para uma flor delicada cultivada em estufa.

Quando adoeci, caí no fundo da toca do coelho como a Alice. Como ela, também estou procurando por uma saída. Bebo o líquido da garrafinha e cresço além do necessário e quase morro afogada em minhas próprias lágrimas quando encolho e me transformo num tiquinho de nada... Sou assim, incoerente e curiosa, insistente e teimosa. Não entrego os pontos na primeira dificuldade. Persevero. Vou em frente, apesar de todas as dificuldades. Corro atrás do coelho para ver de perto seu grande relógio que trabalha no mesmo rítmo das batidas do meu coração... Bato um papo com a lagarta sabida, fujo da rainha malvada da mesma forma que me sinto atraída por ela. Tenho preguiça da rainha branca, ela é muito passiva... Não sou assim, estou mais para a rainha vermelha.