Um filho para pais amorosos

Meu irmão e padrinho, filho adotivo do meu pai com sua primeira mulher, faleceu ontem. Sua bonita história de vida teve início há mais de setenta anos, numa cidadezinha no interior de Minas Gerais.
Meu pai era casado e vivia feliz com sua mulher e a filhinha do casal, uma linda menina chamada Mercedes, com pouco mais de três anos, e que era a alegria da casa. Mercedinha, como ele a chamava, era uma garotinha alegre e tagarela, de olhos azuis bem grandes, cabelos longos, louros e encaracolados. Ela tinha paixão pelo pai, e a recíproca era muito verdadeira.
Meu pai precisava viajar a trabalho e, volta e meia estava ausente de casa. Numa destas viagens, sua mulher estava grávida, perto de dar a luz, quando a pequena Mercedes caiu doente e veio a falecer de forma súbita. A mãe, transida de dor, entrou em trabalho de parto e acabou perdendo também a filhinha recém nascida.
Se perder um filho já é difícil, perder dois filhos, praticamente no mesmo dia, é uma verdadeira tragédia. Meu pai, ao retornar da viagem de trabalho, encontrou sua família destruída. Sua filhinha, paixão de sua vida, estava morta e a outra, que mal acabara de nascer, também havia falecido e, como se isto não bastasse, sua mulher estava entre a vida e a morte.
Dá para imaginar o desespero no coração do meu pai ao enterrar quase toda sua família. Ele ficou arrasado, destruído pela dor, e ainda teve que conviver durante algum tempo com a incerteza da recuperação da mulher. Deve ter sido devastador para ele, mesmo sendo um homem forte e decidido.
Os dias se arrastavam lentamente tanto quanto a recuperação da mulher do meu pai. Ele esteve presente ao lado dela o tempo todo, dando apoio e muito amor. Ela, amparada por aquele carinho, se recuperou aos poucos, e ficou sabendo que não poderia mais ter filhos.
A perda das filhas já era arrasadora, e o casal ficou ainda mais infeliz com a notícia da impossibilidade de ter outros filhos. Retornaram para uma casa que pareceu mais vazia, mais triste e desolada. Mas a vida continuou sua marcha, indiferente àqueles acontecimentos.
Meu pai mergulhou no trabalho para se anestesiar do sofrimento que o devastava. Sua mulher arrastava seu chinelo surrado pela casa, inconformada com a solidão e a falta das filhas. Estava cada dia mais triste e calada, mais infeliz.
Um dia a sorte do casal mudou. Anita ficou sabendo que uma jovem que acabara de dar a luz não queria ficar com a criança, e não hesitou um segundo sequer para ir atrás do bebê, decidida a adotá-lo como filho. Não questionou o sexo ou a aparência do bebê, pois isto não faria a menor diferença. O importante era que a criança precisava de uma mãe amorosa, um pai dedicado e um lar afetivo. Ela e o marido queriam muito um filho e todos sairiam ganhando naquela história. O bebê iria salvá-los e eles poderiam dar para aquele bebê todo o amor que tinham sobrando no coração.
Quando meu pai chegou em casa, após um dia exaustivo de trabalho, Anita o chamou até o quarto que fora da Mercedinha e apontou o pequeno berço onde dormia uma criança toda enroladinha num cobertor quentinho. Ela explicou que aquele garotinho moreno e de cabelos negros era o novo filho deles, que tinha acabado de nascer. Meu pai, muito emocionado, pegou a criança nos braços e agradeceu a Deus a oportunidade de ser pai novamente.
O garoto desenvolveu com os pais laços afetivos muito fortes. Um filho biológico não poderia ter sido mais parecido com meu pai. Os dois eram muito unidos e amigos inseparáveis. Meu pai amou aquele filho com uma devoção comovedora.
Alguns anos depois que ficou viúvo, meu pai conheceu minha mãe e se casou novamente. Com minha mãe ele teve três filhas e eu, pelo que sempre disseram os mais velhos da família, sou muito parecida com a Mercedes. A única diferença é que tenho os cabelos e os olhos negros. Meu pai nunca se aproximou muito de mim. Acho que tinha medo de me perder como perdeu sua Mercedinha.
Meu irmão continuou a ser a paixão de meu pai, enquanto ele viveu. Agora os dois podem se encontrar no infinito, para se juntarem num abraço comevente de pai e filho, cheio de muita saudade e um amor incondicional. A primeira família do meu pai está reunida novamente.
1 Response
  1. shan-Tinha Says:

    emocionante demais, fez até meu coração bater mais forte. o que é anossa vida né, a vida de todos nós, como cuidamos pra não sofrer de novo...fiquei viúva do meu primeiro marido com 22 anos do qual tenho minha filha mais velha, casei d novo e tive o bb q agor tá com 24 anos, qdo ela tinha 20 anos estava noiva e o noivo caiu no chão simplesmente, ficou em coma 5 dias e faleceu...mesmo passado mais de 30 anos senti d novo a tristez da perda e ver meu bb arrasada foi duplamente desolador. É o curso da vida, não sabemos o dia de amanhã até q ele realmente chegue. BJ querida e seja muito feliz todo dia com tudo o que vc tem e com quem estiver com vc! (já havia contado umas "coisas de mim pra ti, mas isso acho q não...)


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou