Resultado do PET

      Depois do último diagnóstico que evidenciou o avanço do câncer metastático e a falta de opções da medicina para casos como o meu decidi que não iria ficar chorando desesperada, apenas esperando a morte chegar. Já que não havia opção na medicina, eu iria criar essa opção vivendo a vida do jeito que gosto, sendo feliz com o que tenho nas mãos e viajando. Foi o que fiz.
     Antes de embarcar fiz três protocolos do quimioterápico folfiri, de forma experimental, na tentativa de barrar o avanço da doença, e depois minha médica suspendeu a quimioterapia um mês antes da viagem para evitar que os efeitos colaterais atrapalhassem o passeio. Embarquei para a Bretanha no dia 8 de outubro para umas férias de três semanas numa terra em que a natureza dá o tom.
     O melhor de tudo foi rever minha filha que está viajando desde fevereiro, curtindo um ano sabático, sonho antigo que ela está realizando este ano. Ficamos juntas uma semana na Bretanha, curtindo a natureza, conhecendo lugares incríveis, dividindo momentos de muito amor e cumplicidade.
     Voltando ao assunto do câncer, duas semanas antes do último diagnóstico eu havia iniciado um curso na igreja católica chamado Oficina de Oração. Essa oficina ensina, a qualquer pessoa que queira, independentemente de sua opção religiosa, orar e entrar em conexão com Deus e com o divino. Tenho certeza de que a meia hora diária de oração me ajudou e continua ajudando a entrar num estado de paz interior e conexão com o Pai que faz toda a diferença no enfrentamento dos problemas inerentes a doença, ao tratamento e até do dia a dia.  Estou aprendendo, com esse estado de meditação, que a felicidade é realmente um jeito de ser, um estado mental e, pelo menos para mim, está funcionando de forma positiva.
      Finalmente chegou a hora da consulta. O médico abriu o resultado do PET na tela do computador, olhou atentamente enquanto eu, também atentamente, observava suas reações ao que lia. Percebi um leve e discreto sorriso e aquilo me pareceu um bom sinal. Depois de alguns minutos que pareceram uma eternidade ele virou para mim e disse: houve uma melhora significativa. Em alguns pontos as metástases regrediram enquanto em outros está estável. Isso é ótimo! A doença está sob controle novamente. Saí da zona de risco iminente.
      Definitivamente a fênix que existe em mim renasceu das cinzas mais uma vez.

Último dia em Paris

      O dia amanheceu nublado, frio e ameaçando chover. Estava tudo escuro e feio então resolvemos tomar nosso café da manhã sem pressa e depois, bem encapotadas, saímos para nosso último dia em Paris. Para evitar dores e cansaço, e já que tanto eu quanto a Lia conhecemos a cidade e suas melhores atrações, decidimos fazer um passeio com ônibus de turismo Hop on Hop off. São mais de 3 horas de passeio percorrendo os pontos turísticos mais cobiçados e a pessoa pode descer e subir no ônibus quantas vezes quiser, durante o período de 24 horas de validade do bilhete.
     Como nosso hotel ficava próximo da Igreja de Notre Dame foi lá que embarcamos. Ficamos no andar de cima do ônibus de turismo, na parte coberta, e tínhamos uma vista privilegiada da cidade. Primeiro demos uma volta completa no circuito. Quando a fome apertou desembarcamos para almoçar, embarcamos em seguida para descermos novamente no Trocadero. Queríamos fotografar a Torre Eiffel daquele ângulo, com calma. Aproveitamos uma apresentação de música nos jardins do Trocadero, tomamos sorvete sentadas confortavelmente enquanto observávamos o movimento dos turistas naquele vai e vem incessante. Naquela altura do dia o sol brilhava e em nada lembrava a manhã fria e cinzenta que encontramos ao acordar.
     Fomos caminhando devagar para tomarmos o ônibus novamente. Já era final de tarde então desembarcamos pela última vez na margem do Sena e percorremos sem pressa o caminho dos caixotes verdes onde ficam os buquinistas vendendo seus livros antigos, cartazes e souvenirs. Aliás, acho que aqueles caixotes verdes alinhados ao longo da mureta do Sena e seus buquinistas já fazem parte da história de Paris. São como um cartão postal da cidade.  Reza a lenda que alguns daqueles caixotes verdes estão ali desde o século XVIII, será?
     Quando o sol começou a exibir seu  ocaso ao entardecer fomos para a beira do rio observar e curtir aquele momento. O som da cidade parecia ter desaparecido para nos permitir apreciar a natureza se mostrando em todo seu esplendor. Ele foi se escondendo devagarinho no centro de um colorido dourado lindo. Quando a noite começou a aparecer continuamos nossa caminhada em direção ao hotel, ainda inebriadas com tamanha beleza. O céu já estava se cobrindo de um tom azul escuro e as primeiras estrelas começavam a enfeitar o firmamento...




Um giro em Paris (24 out 2017)

     Paris amanheceu fria e chuvosa. Uma chuva fininha, típica de molhar bobo. 
     Helena e Luciana ficaram de nos encontrar no hotel para sairmos juntas mas, como elas atrasaram um pouco, por causa do trânsito intenso pela manhã, a Lia resolveu sair sozinha para resolver suas coisas. Eu continuei aguardando e em poucos minutos elas chegaram esbaforidas, preocupadas com o atraso.
     Tentamos encontrar a Lia mas não deu certo então fomos passear. Decidimos ver a exposição do Rubens, exibindo retratos de príncipes, que estava no Musée du Luxembourg e passamos algumas horas por lá apreciando todos aqueles quadros, lendo sua história. Minhas costas doíam tanto que chegavam a arder então, onde havia um banco eu sentava para aliviar um pouco e dar tempo do emplastro fazer o efeito desejado.
      Sentada eu apreciava com calma as pinturas das pessoas retratadas por Rubens como Marie de Médicis e outros soberanos. Aliás tenho que destacar que para pintar soberanos era preciso ter muito prestígio e Rubens era o pintor mais importante de sua época. Ao apreciar todas aquelas obras de arte barroca me veio a lembrança das últimas exposições apresentadas no Brasil e que causaram tantas polêmicas. Não consegui evitar e comparar o lixo que alguns, que se autodenominam artista de hoje, apresentam como se fosse arte. Tenha dó. Não dá nem para discutir, é lixo mesmo. E de péssimo gosto.
     Saímos do museu com fome, então paramos no Les Deux Magots para almoçar. Para variar, o almoço estava delicioso e, em boa companhia, ficou melhor ainda. Almoçamos sem pressa, papeando, contando histórias, relembrando situações engraçadas e dando risadas. Foi ótimo. Depois saímos caminhando devagar pelos arredores e, sem querer, demos de cara com a perfumaria Buly, fundada em 1803, e que serviu de inspiração para Balzac escrever seu romance César Birotteau que conta a ascensão e a queda de um perfumista que buscava prestígio na alta sociedade.
     Adoro entrar nessas perfumarias antigas, que ainda guardam vestígios de seu passado no mobiliário, nos frascos de perfumes e até no piso de azulejos vitrificados, já bem gastos pelo tempo. Era tudo tão charmoso. As estantes de madeira nobre cheias de gavetinhas pequenas e detalhadas, os frascos bem trabalhados, os funis pequeninos para que o freguês possa, ainda hoje, sentir a fragrância do perfume que o irá seduzir... Não tivemos pressa em sair dali onde muitas pessoas, como nós, apreciavam aquele pedaço do passado que estava tão bem conservado.
     Minhas costas voltaram a doer muito. Decidimos pegar um táxi de volta ao hotel onde encontramos a Lia descansando. Ela desceu e ficamos conversando um pouco na salinha ao lado do refeitório de café da manhã. Mais tarde a Helena e Luciana foram embora para continuarem o passeio que haviam programado. Eu e Lia ficamos no hotel descansando, de onde só saímos mais tarde para darmos uma pequena volta nas margens do Sena.

De volta a Paris ( 23 out 2017)

      O táxi nos pegou no hotel em Dinard e nos deixou na Gare em Saint Malo. Uma chuvinha fina caiu o tempo todo, como a nos lembrar que assim costuma ser o tempo na Bretanha. A viagem de trem foi tranquila e durou quase três horas.
      Retirar as malas do trem estava complicado, ainda bem que apareceu um jovem abençoado para nos ajudar. Ficou bem claro que pessoas idosas, ou com qualquer tipo de limitação, devem evitar viagens de trem e, se o fizerem, devem carregar, na melhor das hipóteses, uma pequena mala de mão. Nada de uma mala de tamanho médio, caso das nossas, e muito menos uma mala grande e pesada.
      Estávamos arrastando nossas malas pelo chão irregular da Gare quando apareceu um carregador. Ufa! Que alívio. Ele colocou nossas malas no carrinho e nos levou até a área do táxi que nos deixou no hotel. Lá, fomos recebidas pela simpática Raquel como se fôssemos amigas de longa data.
     Deixamos nossas malas no quarto e saímos para almoçar num restaurante próximo do hotel. Já passava das 15h, estamos cansadas e com fome. Paris estava fria e chovia bastante. Não parecia nada animador nos afastarmos muito. Depois do almoço voltamos para o hotel para descansar e a Helena pegou outro táxi para se encontrar com a filha em outro hotel. Aquela parte da viagem ficaríamos somente eu e Lia em Paris e de lá iríamos para Lisboa antes de retornarmos a Brasília.  A Helena ficaria com a filha em Paris por alguns dias e depois seguiriam viagem juntas para Milão.
      Descansamos e pouco e quando descemos ao saguão do hotel o tempo havia melhorado bastante. Aproveitamos para dar uma volta pela cidade. Só bater perna pelas ruas de Paris, ou caminhar sem pressa nas margens do Sena já vale por um passeio.

Um giro na Bretanha - último dia em Dinard (22 out 2017)

      Nosso último dia em Dinard amanheceu nublado, com a maré alta e ondas violentas quebrando no calçadão e a água invadindo a promenade des Anglais. O tempo esfriou bastante, o céu estava cinza e triste e uma chuva fina caia insistente, como é comum na Bretanha. Mesmo assim o mar estava cheio de surfistas e alguns banhistas, sem medo de água gelada, nadavam calmamente naquele mar bravio.
      Eram 11:30h da manhã e a chuva continuava a cair. A maré já estava recuando e, da janela da sala, eu via os últimos surfistas deixarem o mar. Ventava bastante, mas na faixa de areia alguns jovens rapazes jogavam bola. Eles não se importavam com o frio, com a chuva, e nem com o vento gelado.
      Eu bem que preferia um belo dia de sol para me despedir da Bretanha mas, cá para nós, dias chuvosos são bem a cara daquela terra que aprendi a amar. Nós é que demos muita sorte em pegar todos aqueles dias de tempo bom. Fomos almoçar no restaurante dos gerânios o prato que mais gostamos na cidade: brochette de coquille Saint Jacques e camarão. Delícia!
      Choveu e abriu o sol várias vezes durante o dia e lá pelas tantas um belo arco íris se formou no mar. Que lindo! Fiquei observando da janela até ele se dissipar entre as nuvens, ficando só em minhas lembranças. 
      No dia seguinte seguiríamos viagem para Paris. O Lionel foi se despedir e levou para mim um presente de sua mãe. Fiquei emocionada. Dona Denise, que só me viu pessoalmente uma vez, me deu de presente uma relíquia que ela trouxe da Terra Santa, lá pelos anos 60, quando visitou a cidade. Ela, que já alcançou muitas graças, quer que a relíquia agora me ajude a recuperar a saúde, fazendo o que a medicina não consegue mais fazer. Fiquei comovida com o carinho e o desprendimento de uma senhorinha com mais de 90 anos. Tenho certeza de que para ela não deve ter sido simples desapegar de uma relíquia que a acompanha por tantos anos.

Um giro pela Bretanha - Dinard (21 out 2017)

      A feira de rua em Dinard aos sábados é muito maior do que nas terças e quintas. Parece até que as famílias da cidade fazem da feira um ponto de encontro aos sábados. O carrossel estava cheio de crianças. Alguns pais, meio sem jeito, tentavam ajeitar seus pimpolhos nos brinquedos. Algumas crianças preferiam os carrinhos, outras preferiam subir nos brinquedos em formato de animais. Fosse em qualquer tipo de brinquedo o fato é que tanto as crianças quanto seus pais todos se divertiam prá valer. A música tocava alta. O vai e vem das pessoas era incessante. E a vida acontecia naquela cidade pacata, cheia de idosos competindo em idade com Matusalém.
      O almoço no restaurante dos gerânios estava divino. Apelidamos o restaurante dessa forma porque suas janelas baixinhas, de frente para a rua, são enfeitadas com gerânios vermelhos e ficam muito graciosas. Depois do almoço fomos caminhar pela promenade des Anglais. Que vista linda! Não me canso de apreciar aquele mar verde esmeralda e a silhueta de Saint Malo destacando a torre da Igreja de Saint Vicent.
     Demos uma volta completa na promenade e depois retornamos ao calçadão em frente a praia d'Écluse. Enquanto Helena e Lia foram ao mercado comprar chocolate, fiquei sentada num dos bancos do calçadão observando a vida acontecer. Os restaurantes e quiosques estavam lotados e cheios de filas. Parece que todos queriam aproveitar o raro e belo dia de sol no outono. Algumas pessoas caminhavam sozinhas, outras com seus parceiros, famílias inteiras com filhos e cachorros e muitas pessoas com seus animais de estimação. Era uma festa.
     Na areia da praia, aproveitando a maré baixa, uma mulher brincava com seu cachorro jogando um graveto bem longe. O cachorro corria, pegava o graveto e trazia de volta para recomeçar a brincadeira. Ele latia, abanava a cauda e corria feito um maluquinho. Uma graça. Um outro cachorro, de pequeno porte, caminhava na beirada do muro que separa a areia da praia da calçada. O muro é muito alto e fiquei na maior aflição com medo que o bichinho acabasse se esborrachando lá embaixo. Ele não estava nem aí e continuava seu trajeto todo faceiro.
     Naquele frenesi de pessoas caminhando, beliscando algum petisco, tomando sorvete, ou fazendo nada como eu, observei Hitchcock impassível sob seu pedestal no calçadão. As gaivotas abusadas, que adoram roubar qualquer tipo de comida de algum turista distraído, pousavam em seu ombro e até em sua cabeça que já estava toda suja de seus dejetos. Fiquei ali mais um pouco até que o vento começou a soprar frio e forte então levantei e caminhei devagar em direção ao hotel que ficava ali perto. Do sofá da sala continuei apreciando o mar e suas ondas quebrando na praia, as pessoas caminhando, a vida acontecendo na pacata Dinard numa tarde de outono...

Um giro pela Bretanha - Saint Malo (20 out 2017)

      Não conseguimos nenhum táxi em Dinard então optamos por pegar um ônibus até o terminal de Saint Malo e, de lá para a cidade intramuros, um táxi. Foi bom porque já deixamos combinado com o taxista de nos pegar no hotel dia 23, quando voltamos a Saint Malo para tomar o trem para Paris.
      Saint Malo, localizada numa das margens do Canal da Mancha, é uma cidade medieval totalmente murada. São mais de 1.700m de muralhas que serviam de abrigo para os corsários franceses que saqueavam os navios que passavam pelo canal, com o aval do Rei...
      A cidade murada é conhecida também por causa de alguns de seus moradores célebres como Jacques Cartier, explorador europeu nascido em Saint Malo. Ele ficou conhecido por ter realizado três viagens ao Canadá. Cartier navegou para a América do Norte em busca de ouro, especiarias e uma rota mais curta para a Ásia, e acabou por descobrir o rio São Lourenço que é o principal acesso ao interior do Canadá. Tem também o famoso escritor François-René de Chateaubriand, nascido na cidade e que está enterrado na Ilha Grand-Bé, ali pertinho.  Na maré baixa é possível ir caminhando a pé até a ilha.
       A catedral de Saint Vincent, construída entre os séculos 12 e 18, patrimônio histórico da cidade, foi parcialmente destruída na guerra. Foi reconstruída e guarda em seu interior o túmulo do explorador Jacques Cartier.
      Saint Malo tem uma história triste. Foi quase totalmente devastada na Segunda Grande Guerra, quando mais de 80% da cidade ficou destruída. Sua reconstrução demorou mais de 30 anos. Dinard, sua cidade vizinha, também sofreu com a ocupação dos alemães. Ainda hoje é possível ver restos dos bunkers alemães nas praias de Dinard.
      Outra coisa que é preciso destacar sobre a cidade é sua gastronomia. No almoço comemos um risoto de Saint Jacques divino. Nossa! Que delícia. Seus doces também são muito apreciados. Um deles, bem típico, é o kouign-Amann, uma espécie de croissant caramelizado, com muita manteiga e açúcar.
     É gostoso caminhar em cima das muralhas da cidade mas, naquele dia, ventava tanto que tornava o passeio bastante penoso. Desistimos. Optamos por passear por suas ruelas cheias de lojinhas mas, mesmo assim, um vento impiedoso insistia em deixar tudo gelado. Eu tinha esquecido minha touca e como meu cabelo está muito curtinho minhas orelhas ficaram geladas e minha cabeça começou a doer. Na primeira loja que vi um gorro com cara de quentinho entrei crente que iria comprar. Quando vi o preço quase tive um ataque: ele custava mais de 300 euros. Credo! Indaguei se era tecido com fios de ouro... Saí da loja de fininho e entrei em outra, quase em frente, e comprei um gorro listrado, que me deixou com aparência de delinquente, por apenas 9 euros. Melhor assim, e bem mais barato...

Um giro pela Bretanha - Dinard (19 out 2017)

      Bárbara e Henrique seguiram viagem para Londres ontem. Não foi fácil despedir-me. Foram dias incríveis com minha filha, passeando por essas terras celtas cheias de histórias, de mitos e lendas... terra do Rei Arthur, de Merlin e Morgana. Terra dos menires, cheios de mistérios... Terra das grandes marés e de enormes falésias. Terra de um povo místico, de crenças em sortilégios e magias, bruxarias...
      Houve um entardecer em que o céu na Bretanha ficou cor de laranja, bem acobreado. Uma cor linda! Aquele céu diferente, e que tanto nos encantou, deixou alguns bretões apavorados. Eles pensaram que fosse um sinal do final dos tempos. Na realidade aquele belo céu alaranjado ao por do sol era apenas consequência de um ciclone que se formara no Atlântico e que, ao se aproximar da costa, levando fumaça das queimadas que aconteciam em Portugal e na Espanha, e areia do deserto do Saara deu aquele tom inusitado ao céu bretão. Uma cor diferente no céu  foi o bastante para atiçar a imaginação de um povo chegado a histórias, mitos e lendas...
     Passamos o dia de ontem descansando da maratona de passeios incríveis. Já não somos mais crianças e o tempo, sem sombra de dúvida, cobra seu preço. Ainda bem que o dia hoje amanheceu lindo e com a maré bem alta, com as ondas golpeando o muro de pedra que cerca a praia d'Ecluse. Gosto de ouvir o murmúrio do mar e o barulho das ondas quebrando na praia.
     Saímos para passear na feira de rua que acontece todas as terças, quintas e sábados na cidade. Lá é possível encontrar de tudo: de flores a roupas, comidas, queijos, geléias, verduras e frutas frescas. Até móveis eu vi. Passeamos pelas barracas observando o vai e vem das pessoas, ouvindo o músico que cantava próximo do carrossel que fazia a alegria de algumas crianças. Sentei num banco observando o movimento e vi muitas velhinhas puxando seus carrinhos cheios de compras. Como tem idosos naquela cidade!
     Antes de voltarmos para o hotel paramos para almoçar. Que comida gostosa! Nos deliciamos com uma outra versão de coquille Saint Jacques. Acho que experimentamos todos os diferentes pratos feitos com a iguaria, que só é encontrada nessa época do ano.
     Fomos para o hotel descansar. O Lionel, nosso amigo bretão, chegou e ficamos papeando um pouco, depois ele saiu com a Helena para dar uma volta pela cidade. Eu e Lia preferimos ficar no hotel descansando. Preferi me poupar para poder passear no dia seguinte. Nosso plano era almoçar em Saint Malo.

Um giro pela Normandia - Monte de Saint Michel (17 out 2017)

    Começamos nosso passeio do dia parando para almoçar em Cancale, cidade famosa por suas enormes fazendas de ostras e sua gastronomia. São vários restaurantes de frente para o mar e acertamos na escolha. Resolvi experimentar a sugestão do Chef, com coquille Saint-jacques, e comi quase rezando de tão bom estava aquele almoço. Hummm...

     Eu não poderia passear pela Bretanha sem dar uma escapada até a fronteira com a Normandia para visitar,  mais uma vez,  o Monte de Saint Michel.
     O Monte de Saint Michel é uma ilha rochosa que fica na foz do Rio Couesnon, no Departamento da Mancha, na França. A ilha é murada e abriga um pequeno vilarejo medieval, um mosteiro e a abadia que inspira seu nome.
     Um fenômeno natural, que pode ser observado principalmente nesta época do ano, atrai milhares de visitantes ao Monte de Saint Michel: o fenômeno das grandes marés que podem subir mais de 15 metros na maré alta. É um fenômeno fantástico que pode ser apreciado de perto no alto dos mirantes do monte. É um espetáculo grandioso, emocionante. Quilômetros de areia, onde milhares de turistas caminham a pé, ficam alagados e debaixo de mais de 15 metros de água. O pequeno rochedo fica rodeado pelas águas do mar por todos os lados.
      Quando a maré baixa é possível caminhar naquela vasta imensidão de areia, mas é preciso tomar cuidado com a areia movediça que está por todos os lados. O ideal é fazer um passeio orientado por guias experientes, para evitar sustos e surpresas desagradáveis.
     Subimos o monte por sua estreita ruazinha cheias de lojas de souvenirs e bugigangas de todo tipo, alguns restaurantes e até alguns hotéis. Eram muitos degraus, centenas deles e, exatamente por isto, é preciso ter boas pernas e bom preparo físico. Dessa vez não consegui chegar até a abadia, minhas pernas não deram conta do recado e minha respiração estava ofegante demais para continuar a subida. Parei num dos mirantes e fiquei sentada no banco enquanto a Bárbara e o Henrique continuavam a subida. Quando recuperei o fôlego cheguei na beira do mirante para observar a subida da maré. Pena que não era uma daquelas grandes marés, mas mesmo assim valeu a pena.
     Uma gaivota se exibia voando do alto da abadia até a beira d'água e voltava gritando, passava voando bem pertinho da multidão que se aglomerava na beira do mirante. Ela tirava um fino da gente, gritando estridente e mergulhando em direção a água. Que imagem fantástica os pássaros conseguem ter. É nessas horas que meu coração de águia treme de emoção. Me imagino lá do alto, bem pertinho do céu, voando livre, sentindo o vento arrepiar minhas penas,  ganhando velocidade, rasgando o ar...
      Que lugar incrível é o Monte de Saint Michel. Não existe vocabulário capaz de expressar com justiça a emoção que sentimos naquele lugar. É preciso ver de perto e, preferencialmente, passar uma noite dentro da cidade murada, observando o por do sol, a chegada da noite, as estrelas cintilando no negro céu...

Um giro pela Bretanha - Carnac (16 out 2017)

      Primeiro paramos em Josselin para almoçar e andar um pouco pela cidade. Da pequena eclusa pudemos apreciar de longe o belo castelo medieval que se destaca na paisagem da cidade. O rio, que reflete o castelo, as árvores e flores de sua margem, deixam a paisagem ainda mais encantadora, quase romântica. É agradável caminhar por lá, pisar naquelas ruazinhas estreitas de calçamento de pedras, observar as cores do outono embelezando tudo, as folhas amarelas cobrindo o chão. Um cenário incrível, eternizado na memória do viajante e captados pela objetivas das máquinas fotográficas.
      Não demoramos muito porque nosso destino era Carnac, onde veríamos os famosos alinhamentos de mais de 3000 menires, que são grandes blocos de pedras, algumas delas pesando centenas de toneladas. O nome menir,  em bretão antigo,  significa pedra longa.
     Os alinhamentos de Carnac são três grupos de pedras, em mais de 4km de extensão. O primeiro grupo é o de Kermario, o mais conhecido e badalado dos três, com pedras medindo mais de 7m de altura. O outro agrupamento é chamado Le Menec e o terceiro conjunto de alinhamentos é conhecido como Kerlescan. Os alinhamentos, apesar de cercados por uma grade, são vistos da estrada, e é possível visitá-los de perto, pagando a entrada.
     Visitamos de perto o alinhamento de Le Menec, andamos entre aquelas enormes pedras cheias de mistérios tentando imaginar o real motivo para terem sido colocadas naquele lugar. Ainda bem que o dia estava ligeiramente nublado porque andar naquela enorme extensão de pedras com o sol a pino deve ser uma loucura, por lá não existe nenhuma árvore, somente pequenos arbustos e pedras, muitas pedras, algumas enormes. Que tecnologia aquele povo, há mais de 2000 AC, usaram para deslocar blocos de pedras pesando centenas de toneladas? É no mínimo curioso. Existem inúmeras teorias sobre os alinhamentos de Carnac, mas nenhuma certeza. No campo dos alinhamentos existe um mirante. Quem se animar a subir consegue ter uma ampla e boa visão dos menires.
      Visitamos também o túmulo de Kercado. Para chegar lá passamos por uma mata densa e úmida, que deixava a impressão de abrigar figuras fantásticas... O túmulo data de 4.500 AC e está bem conservado. Um grupo de crianças, em idade pré escolar, faziam uma visita ao local e ouviam atentamente as explicações de seus professores.
      Entramos no túmulo, que agora está iluminado por dentro. Em 2013, quando o visitei pela primeira vez, não havia nenhuma iluminação. Era tudo escuro e quase assustador...
      No retorno para Dinard paramos para conhecer o Calvário de Guéhenno, que são esculturas em granito com cenas da vida de Cristo. O Calvário de Guéhenno fica dentro de um pequeno cemitério, próximo de Josselin.
      Na Bretanha existem vários Calvários do século 13. Eles foram esculpidos objetivando espantar a morte trazida pela peste negra que assolou a Europa na Idade Média. O tema da morte, representada pela figura de Ankou, símbolo da morte e da miséria, em bretão significa morte não natural.
      Chegamos tarde em Dinard, cansados mas felizes com o fantástico passeio daquele dia incrível.

Um giro pela Bretanha - Fougéres (15 out 2017)

     O sol acordou tarde no domingo, e a Lia e Helena também. Acho que todos cansaram muito no passeio de ontem pela Floresta de Broceliande. O sol, que havia despertado com preguiça, brilhou intensamente depois que as brumas se afastaram.
     Resolvemos passear em Fougères, uma cidade medieval, com muita história, e não muito distante de Dinard. O que não sabíamos é que a cidade fica parecendo uma cidade fantasma aos domingos. Tudo estava fechado e foi difícil até encontrar um restaurante aberto para almoçarmos. Além de esperarmos um tempão por uma mesa, tivemos que nos contentar em comer o que ainda havia disponível na casa, que não era lá grande coisa. 
     Caminhamos pelas ruas silenciosas da cidade fantasma, decepcionados com aquela aparência  desolada, vazia, sem vivalma na rua. Entramos na igreja Saint-Léonard, construída no século XII, e de lá fomos para o bairro medieval ver de perto suas casinhas de madeira, em estilo enxaimel, tão antigas e velhinhas que dão a impressão de que só estão de pé porque uma escora a outra.
      Estávamos em frente ao velho castelo da cidade quando desabou uma chuva repentina. Corremos para nos abrigar sob a marquise de um studio de dança quando observamos uma rama de kiwi que saia do quintal de uma casa e atravessava a rua, apoiada num arame, carregadinha de frutos maduros. Pena que estivesse tão alta...
     A chuva foi breve e num instante estava tudo seco. Decidimos seguir viagem para Dol-de-Bretanhe, outra cidadezinha medieval muito graciosa, com pouco mais de 5000 habitantes, que fica no caminho entre Fougéres e Dinard.
     A velha catedral de Saint-Samson, do Séc XIII, em estilo gótico flamboyant, estava silenciosa e fria. Os vitrais coloridos, iluminados pelo sol, davam a ela uma atmosfera calma e tranquila. Não havia ninguém em seu interior.
    Como em Fougéres tudo estava fechado em Dol. Caminhamos por suas charmosas ruas de pedras, silenciosas e quase vazias. Depois de vermos tudo, apenas por fora, resolvemos seguir viagem de volta para casa em Dinard.

Um giro pela Bretanha - Floresta de Broceliande (14 out 2017)

      O céu estava limpo quando acordei mas, em poucos minutos, uma neblina espessa cobriu tudo de branco. O mundo, além da varanda do apartamento, parecia ter desaparecido...
      Saímos logo depois do café da manhã em direção a Paimpont, para a Floresta de Broceliande. A neblina encobria tudo dos dois lados da estrada. Era tudo branco, não se via nada além de poucos metros de estrada na frente do carro.
      Quando estávamos chegando em Broceliande, por volta do meio dia, a neblina desapareceu como que por encanto e um céu azul de brigadeiro nos recepcionou na entrada da grande floresta. Paramos inicialmente na Abadia de Paimpont, um edifício de pedras, construído no século VII e reconstruído no século IX, depois de ter sido destruído pelos Normandos.
      A igreja, em estilo gótico, é do século XIII. Tem a forma de um casco de barco virado para baixo. Nossa Senhora de Paimpont, uma imagem do século XIV, tem lugar de destaque na igreja.
      Como aprendemos que os restaurantes na Bretanha costumam fechar às 14h resolvemos almoçar no Restaurante Le Relais de Broceliande, antes de começar nosso passeio pela floresta. Ainda bem que chegamos cedo, pois em poucos minutos o restaurante estava lotado e não sobrava nenhuma mesa livre.
      Terminado nosso almoço, e munidos de um bom GPS, fomos primeiro ao Túmulo do Mago Merlin. Alguns pequenos sinais na mata indicam a direção do túmulo. Logo que chegamos, eu e Helena, que conhecemos o local quatro anos antes, percebemos que o pequeno arbusto que crescia perto das pedras que marcam o túmulo do mago não existe mais. Não deve ter resistido ao ataque dos turistas que certamente arrancavam seus pequenos galhos para levar como souvenir.
      Na fonte da juventude, que estava com pouquíssima água bem lá no fundo, Bárbara me ajudou a molhar as mãos para passá-la em meu corpo, nos locais mais afetados pelo câncer. Não custa nada botar fé na mágica de Merlin. Depois fomos até a clareira onde as pessoas fazem seus montinhos de pedras com pedidos para o Mago. O acesso estava ruim porque havia muita lama no caminho, então tivemos que tomar cuidado para evitar tombos desnecessários. Acho que todos do grupo amontoaram suas pedras, perfeitamente equilibradas umas em cima das outras.
      De lá seguimos de carro até um estacionamento que fica relativamente próximo do Vale sem Retorno, local em que Viviane, sacerdotisa de Avalon, abandonava seus amantes infiéis, e do Espelho das Fadas. Ali perto também fica a árvore de ouro, uma obra de arte que foi colocada na Floresta de Broceliande em 1991, depois de um incêndio que destruiu quase 500 hectares da mata. A árvore de ouro simboliza o renascimento da floresta e sua fragilidade diante dos riscos de incêndio.
      Eu, Bárbara e Henrique pegamos um caminho bastante acidentado para chegarmos na árvore de ouro. Subimos e descemos pedras, e saímos um pouco arranhados pelos arbustos pontiagudos que crescem entre as pedras. O acesso era difícil, mas foi bem divertido. Muita gente ia e vinha pelo mesmo caminho. Eram crianças, jovens, adultos e até idosos. Um povo alegre e animado. Na volta pegamos um caminho bem mais fácil, mas muito menos divertido e interessante.
     De Broceliande seguimos para Dinan onde paramos para fazer um lanche antes de retornarmos a Dinard. Demos uma volta pela cidade, mas como já estava ficando tarde não demoramos muito por lá. Nosso dia foi cheio e muito animado. Voltamos cheios de histórias para contar.

Um Giro pela Bretanha - Dinard e Saint Suliac (13 out 2017)

      Fomos cedo ao mercado fazer compras para o café da manhã. Quantas coisas gostosas: uma infinidade de pães, queijos, biscoitos, vinhos. Uma verdadeira delícia aquela orgia de sabores, para atender todos os paladares.
      Nosso primeiro café da manhã em Dinard foi um sucesso. Pães, queijos diversos, geleias, hum... nos deliciamos sem a menor pressa de terminar.  Depois do café fomos passear em Saint Suliac, uma pequena cidade medieval, muito bem preservada, que fica próxima de Dinard.
      Saint Suliac faz parte de uma associação que tem por objetivo a promoção e a preservação de pequenas comunidades rurais ou que tenham um rico patrimônio histórico. Cerca de 160 comunidades pertencem a essa Associação. As regras são rígidas e os requisitos para fazer parte da associação são: localização, pertencer ao programa de proteção ao patrimônio e ter o limite mínimo de 2000 habitantes, entre outras exigências. 
      Saint Suliac é uma cidadezinha linda e charmosa. Parece cristalizada no passado com suas casinhas de pedra e jardins floridos bem cuidados. Sua história está bem preservada e, apesar de já estarmos no século 21, dos carros de alta tecnologia estacionados em algumas garagens, seus costumes e modo de vida parecem ser de outra era... Um passado remoto, que parece perdido no tempo.
      Visitamos a igreja, caminhamos pelas ruas estreitas de pedras, sentamos para descansar em toscos bancos de madeira. Quando a fome apertou resolvemos voltar para Dinard, mas todos os restaurantes estavam fechados pois já passava das 14h. Tivemos que nos contentar em comer uma omelete no único lugar que encontramos aberto.
      Depois desse almoço bem franciscano fomos caminhar pela Promenade Clair de Lune. Eu e Helena observamos que ela está toda reformada e bem mais segura do que há quatro anos, quando visitamos Dinard pela primeira vez.
      A promenade fica na encosta, à beira mar. Em alguns trechos é bastante estreita e perigosa. Quando a maré está alta não dá para caminhar por lá porque existe o risco da onda quebrar em cima dela e jogar a pessoa no mar lá embaixo, em meio a muitas pedras. No alto da encosta ficam algumas mansões que foram construídas na época em que Dinard, localizada na Costa de Esmeralda, era um balneário chique, com hotéis de luxo e mansões cinematográficas. Era considerada a Riviera Francesa da moda lá pelos anos 20.
      Depois de alguns anos de ostracismo Dinard está voltando a ser uma praia cobiçada no verão. Nesta época do ano, quando está mais frio e acontecem as grandes marés, que chegam a subir até 15 metros na maré alta, a cidade está muito tranquila, quase vazia. Sua população, na grande maioria, parece muito idosa. Teve um dia em que eu e minhas amigas estávamos sentadas em frente a janela do restaurante, que dava para a rua. Uma de minhas amigas, com mais de 80 anos, exclamou de repente "me sinto criança nesta cidade". Olhei para fora e vi vários idosos, apoiados em suas bengalas, competindo em idade com Matusalém. Tive que soltar uma sonora gargalhada.
     
     

Mais um PET - suspense...

     Minha oncologista pediu outro PET para avaliar a eficácia de um quimioterápico que estou fazendo, de forma experimental, já que esgotei todos os protocolos disponíveis para casos como o meu.
      Continuo acreditando que todo ser vivo tem prazo de validade assim, mesmo tendo recebido um diagnóstico nada agradável, ou melhor, catastrófico, em nenhum momento entrei em pânico ou fiquei deprimida. Continuei e continuo levando minha vida como sempre, fazendo o que dou conta, sendo feliz hoje. Me recuso a ficar apenas esperando a morte chegar, com cara de infeliz, azucrinando a vida de todos ao meu redor. Pior do que morrer, na minha forma de encarar a vida, é não viver.
     Para mim, a melhor forma de tratamento, mais eficaz do que qualquer quimioterapia, é viajar e curtir a vida, é estar com as pessoas que amo, é curtir a natureza, é ser feliz com o que tenho nas mãos. Sendo assim combinei com minha oncologista, Dra. Danielle, que eu queria viajar em outubro. Ela não se opôs, pela contrário, disse-me que não me impediria fazer nada que eu realmente tivesse vontade de fazer.
     Não saio por aí feito uma doidinha sem juízo. Combino tudo com meus médicos e me programo com calma e segurança para não estragar meu passeio e muito menos o passeio de quem está me acompanhando.
     Suspendemos o folfiri um mês antes do embarque, já que ele provoca muitos efeitos colaterais e, certamente, iria atrapalhar muito meus planos de passeio. Fiz apenas o Herceptin que não tem efeitos colaterais que me atrapalhem viajar.
     Meu plano era voltar a Bretanha, uma das seis nações Celtas. A Bretanha é uma terra de muitas lendas, sortilégios e bruxarias, terra de um povo místico e cheio de crendices, terra encantada, coberta de florestas densas, montanhas e falésias altíssimas. Terra abraçada pelas águas do Canal da Mancha e do Oceano Atlântico, fazendo dela a região francesa com a maior costa de litoral. A Bretanha, nessa época do ano, exibe as maiores marés que se tem notícia. Suas águas, nas grandes marés, sobem até 15 metros.
     Meu segundo plano era rever a Floresta de Broceliande, a floresta do Mago Merlin e da cultura celta. Afinal, se a medicina ocidental não tem mais nada que possa fazer por mim quem sabe a mágica de Merlin possa resolver? Não custava nada tentar.
     No dia 8 de outubro embarquei para Paris e de lá segui de carro para Dinard, uma cidadezinha próxima de Saint Malo e que é um charme. A Floresta de Broceliande fica na Bretanha, em Paimpont, próximo de Dinard e de Rennes, a capital. 
      Fui a Broceliande, bati um longo papo com Merlin e fiz meu montinho de pedras com pedidos ao mago. Eu não tenho nada a perder e acreditar na mágica dele pode ser bastante eficaz.
      Hoje, a enfermeira que puncionou meu cateter para fazer o PET chamava-se Morgana, o mesmo nome da grande paixão do mago. A técnica de enfermagem tinha o nome da minha filha: Bárbara. Só faltou o médico charmar-se Merlin. Será apenas coincidência ou premonição...

    

Um Giro pela Bretanha - Chartres (12 out 2017)

      A Bárbara e o Henrique saíram cedo para a Gare du Nord para retirar o carro que havíamos alugado para viajar pela Bretanha. O trânsito intenso naquela hora da manhã atrasou muito a chegada deles de volta ao hotel, mas finalmente conseguimos sair em direção a Chartres, que fica no caminho entre Paris e Dinard, nosso destino final. 
      Sair de Paris não é uma tarefa fácil por causa do trânsito, mas assim que pegamos a auto estrada foi uma beleza e o carro parecia deslizar num tapete macio e sem saliências. A bruma encobria um pouco da paisagem, atrapalhando a vista.
      Chartres fica a pouco menos de 100 km de Paris. Chegamos lá no horário do almoço então, antes de qualquer passeio, decidimos almoçar. Depois do delicioso almoço fomos caminhando até a catedral gótica, construída na Idade Média. Aquela obra durou muitos anos: iniciou no ano de 1020 e só foi concluída em 1064. Devastada por um incêndio, que por milagre não destruiu seus famosos vitrais, foi reconstruída entre 1193 e 1250.
      A catedral de Chartres é famosa por seus fantásticos vitrais que ocupam uma área de quase 3000m² com ilustração de várias passagens bíblicas. São mais de 150 vitrais enormes, numa tonalidade azul tão peculiar que é conhecida como "bleu de Chartres".
       As esculturas em pedra no interior da catedral são lindas! A altura do teto da nave central impressiona, mas a visão dos vitrais iluminados pela luz do sol é de tirar o fôlego.
      Além dos famosos vitrais a Catedral de Chartres tem o maior labirinto da França. No centro do labirinto uma placa descreve a batalha de Teseu e o Minotauro, um mito do Palácio de Knossos, na Grécia, e seu labirinto.
      Sentei numa das cadeiras que ficava próxima do altar para fazer uma oração agradecendo a Deus a oportunidade de ver de perto tamanha maravilha. Fiquei ali algum tempo imaginando o povo simples e ignorante da idade média diante da imponência e beleza daquela construção que, sem dúvida, os deixava intimidados, quase amedrontados. Olhei para a rosácea que tem no centro a figura de Maria com o Menino Jesus e tentei sentir o que os peregrinos sentiam ao ver aquela imagem. Se hoje, século 21, a catedral impressiona, posso imaginar como o povo da idade média se sentia naquele ambiente religioso intimidador...
      A Catedral de Chartres é área de peregrinação e faz parte do Caminho de Santiago de Compostela. Nas ruas vimos algumas placas indicativas do caminho de Santiago.
      Seguimos viagem para Dinard onde chegamos ao anoitecer, por volta das 19h. Já estava escuro, e nós estávamos cansados da viagem. Nosso apartamento, de frente para o mar, era grande e espaçoso. A sala enorme, uma varanda que ocupava toda a extensão da sala e dos quartos ficava bem em frente ao Canal da Mancha e, lá no fundo, delineava a pequena cidade murada de Saint Malo, destacando a pontiaguda torre de sua igreja.
      Deixamos a bagagem no apartamento e saímos para comer no único restaurante aberto, que ficava bem próximo do hotel. Depois demos uma volta no calçadão da praia. Eu e Helena pudemos matar as saudades daquele lugar que nos conquistou anos atrás e retornamos para casa. Acho que eu já estava dormindo quando minha cabeça tocou o travesseiro. Dormi direto até por volta das 3 horas da manhã e quando acordei vi que a maré, que já tinha subido mais e 10 metros, estava começando a recuar. O murmúrio das ondas quebrando na praia convidavam a oração. Foi o que fiz.
     A dor no peito, na altura do esterno e em volta da garganta estava mais forte. Fiquei apreensiva... A ideia da progressão da doença me assusta nestas horas. Aproveitei meu momento de oração para pedir por um milagre que me livre das dores e da doença que a medicina não é mais capaz de controlar. Quem sabe, já que estou em terras celtas, cheias de lendas e magias, o Mago Merlin possa fazer sua mágica...

Um giro em Paris (11 out 2017)

     Acordamos tarde e como já havia encerrado o horário do café da manhã no hotel saímos para comer numa boulangerie, que ficava bem pertinho do Sena. Lanchamos sem pressa, apreciando a paisagem e saboreando as delícias das padarias francesas.
      Enquanto caminhávamos nas margens do rio percebemos um movimento anormal de policiais na rua e muitas viaturas. Achamos mais prudente nos distanciarmos daquele movimento todo, afinal não fazíamos a menor ideia do que poderia estar acontecendo.
     Voltamos para o hotel e assim que chegamos na recepção a Raquel veio nos informar toda animada que minha filha já estava hospedada, mas que saíra com o marido para almoçar. A Raquel é uma das recepcionistas do hotel e é uma simpatia de pessoa, muito atenciosa com todos os hóspedes. Só para dar um pequeno exemplo: a Helena comentou com ela que eu não estava passando muito bem e, na mesma hora, ela mandou levar uma bandeja com chá para que eu pudesse me sentir um pouco melhor. A gentileza dela conquistou todas nós, derretendo nossos corações.
     Subimos para o quarto para descansar um pouco e, quando estávamos saindo para almoçar, ainda no corredor, dei de cara com a Bárbara vindo ao meu encontro com um enorme sorriso no rosto. Acho que congelei e, como em câmera lenta, caminhamos ao encontro uma da outra e nos abraçamos emocionadas. Chorei de emoção. Um misto de alegria, saudades, surpresa... Eram mais de oito meses de saudades acumuladas e foi bom demais poder tocá-la, sentir seu cheiro, olhar dentro dos seus olhos e sentir a explosão de amor tomar conta de nós duas. Como é bom amar e se sentir amada.
     Depois de curtir um pouco a emoção do reencontro saímos todos para almoçar, afinal estávamos famintas. A Bárbara e o Henrique nos acompanharam ao restaurante para tomar um vinho enquanto almoçávamos. Comemos sem pressa, papeando e matando as saudades, brindando aquele reencontro e curtindo antecipadamente a viagem que faríamos juntos para a Bretanha no dia seguinte.