Gato velho consegue caçar?
quarta-feira, setembro 30, 2009
Hoje pela manhã fiquei muito indignada com o gato velho da casa. É que como todo gato velho ele aparenta decrepitude, é magro como aqueles flagelados que chocam a gente, anda vacilante, está quase completamente cego e quando começa a miar grosso ninguém aguenta ouvir seu lamento.
Sabem o que ele fez hoje bem cedinho? Duvido que alguém vá acreditar.
Pois é, o infeliz, o coitadinho que só está esperando a morte chegar, que passa o dia inteiro dormindo conseguiu caçar uma inocente rolinha que estava comendo no canteiro de meu jardim. Como ele conseguiu essa façanha ninguém consegue imaginar. Só vimos o monte de penas espalhadas pelo chão da sala e ele se deliciando com a rolinha morta na boca. E o pior é que, velho como está, não dá conta de mastigar um passarinho recém caçado pois os poucos dentes que ainda possui na boca não ajudam na mastigação.
O Nino, como o chamamos, foi salvo pela minha irmã de uma morte certa quando ainda era apenas um bebè, há mais de 16 anos. Ela, aproveitando um período que eu estava hospitalizada por causa de uma cirurgia, adotou um gatinho preto rajado e muito feio e o trouxe para dentro de casa. Eu, quando retornei do hospital, já o encontrei aboletado em cima do meu sofá como se fosse o dono do pedaço.
Vocês não podem imaginar a feiura do bichinho. Era muito magrinho, o rabinho parecia um fiapo de barbante, o pêlo preto com rajas discretamente mais claras destacava o enorme olho amarelo. Era a feiura em forma de gato, mas... Com casa e comida farta, um veterinário para cuidar das vacinas e de qualquer probleminha que aparecesse e muito carinho de todos ele se transformou no gato mais bonito das redondezas. O pelo negro lustroso e muito macio o fazia parecer uma pantera em miniatura. Ele ficou lindo e muito carinhoso. Tornou-se o xodó de toda a casa.
Um dia, há muito tempo, quando ele já podia ser considerado um adolescente, protagonizou uma cena hilária. Meio doido para encontrar uma gata no cio o bicho conseguiu driblar a vigilância da casa e fugiu tão logo alguém abriu a porta da casa. Desceu em disparada pela escada abaixo e como morávamos no primeiro andar foi fácil alcançar o jardim do prédio e sair correndo. Minha irmã corria atrás gritando e pedindo que alguém ajudasse a pegar o fujão. O Eufrásio, porteiro do prédio e também nosso amigo, saiu correndo atrás da Suzi que corria atrás do gato. Num instante havia uma fila de pessoas correndo desembestadas atrás de um gato preto que não sabia muito bem para onde ir. É claro que não demorou muito e o pobre animal ficou acuado e acabou sendo resgatado por alguém daquele enorme grupo que acabou se formando para captura do bichano. Ele retornou para casa humilhado, arfando no colo da minha irmã. Ela exausta pela corrida, ele aborrecido por não ter alcançado seu objetivo. Concluí que já estava passando da hora de castrar o coitado.
No outro dia lá estava ele no veterinário para passar pela maior humilhação na vida de um macho... Fomos pegá-lo no dia seguinte, ainda grogue por causa da anestesia e caindo como um joão bobo, o levamos de volta para casa.
Passado um tempo fiquei pensando na sacanagem que fizemos com o coitado. Tão viril, tão bonito e sequer uma vez pode aproveitar sua condição de macho e curtir com uma gatinha graciosa.
Mudamos do apartamento para uma casa. No primeiro dio o gato ficou assustado com a mudança e se escondeu dentro de um guarda-roupa. Ficou um dia inteiro escondido. No outro dia se aventurou pela casa examinando cada pedacinho desconhecido. No terceiro dia já se entusiasmou e foi explorar o quintal até que um dia teve coragem de atravessar a cerca para conhecer o quintal do vizinho e aí não deu mais sossego. Ele passava os dias explorando os terrenos baldios e os quintais alheios. Acho que teve uma existência aparentemente feliz. Só não afirmo que foi feliz porque faltava-lhe a parte mais importante na estrutura de um gato macho...
E assim o tempo foi passando. A juventude cedeu lugar a maturidade e agora o bichano já está na velhice decrépita, mas pelo jeito o instinto de caçador continua em forma.
Ele teve seus dias de glória, isso é fato, mas agora me contem: como foi que o gato velho e decrépito conseguiu caçar uma rolinha?