Viagem para Londres

Ontem estava cansada e sonolenta por causa da quimio, hoje estou com o corpo todo dolorido por causa do zometa, uma medicação que uso a cada 28 dias para recuperação do osso danificado pela metástase. Mas deixa prá lá. Enquanto me concentro escrevendo desvio o pensamento da dor.
Tentei postar antes de dormir mas não consegui. Quero escrever sobre o período que morei em Londres.
Conclui, depois de dois anos de tratamento, que a melhor maneira de ficar curada de vez era mudando de ares, vivendo uma experiência diferente. Decidi morar um ano no exterior.
Minha filha não quiz ir comigo, mas como o sonho era meu resolvi ir sozinha mesmo. Morar fora era um desejo que eu tinha desde adolescente e a oportunidade era naquele momento. Foi a melhor coisa que fiz por mim mesma. Aquele ano foi muito bom...

Londres

Depois de dois anos de tratamento e várias cirurgias resolvi mudar de ares e viajar um pouco. Decidi morar em Londres e fui sozinha já que minha filha decidiu ficar em Brasília (hoje ela se arrepende da decisão).
Fomos eu e uma amiga com a desculpa de estudar inglês. Ela acabou ficando apenas duas semanas e retornou a Brasília, eu fiquei um ano. Foi uma decisão acertada.
Tendo um amigo por lá, acabei morando no mesmo prédio que ele em Piccadilly Circus, no coração de Londres. Era um local estratégico, pois a partir dali eu fazia tudo o que queria caminhando.
Nossa chegada na cidade não foi tranquila, pois a casa da família onde iríamos ficar hospedadas havia cancelado nossa reserva e a escola onde iríamos estudar não nos avisou. Chegamos naquela cidade enorme sem ter lugar para hospedar. Acabamos indo para o hotel onde nosso amigo morava e trabalhava o que acabou sendo muito melhor do que morar em casa de família, num bairro distante do centro.
Meu curso era no período da tarde, o que me dava o direito de trabalhar 20 horas por semana, assim arrumei emprego no café da manhã do hotel. Era muito prático, pois eu morava no prédio ao lado e sequer precisava pegar ônibus ou metro. Meu trabalho consistia em arrumar as mesas para o café e retirar as bandejas quando os hóspedes terminava suas refeições.
O trabalho encerrava às 11 horas, eu voltava para meu quarto e em seguida almoçava para sair para a escola que era perto dali. Dava para fazer tudo com bastante calma.
Terminada as aulas eu voltava devagar para casa e no caminho sempre passava no mercado para comprar alguma coisa para comer a noite. De vez em quando eu aproveitava para assistir alguma peça teatral que estivesse com preço promocional. Sempre havia alguma coisa interessante em cartaz por preços acessíveis.
Outra coisa que eu fazia com frequência era ir ao cinema. Uma colega que trabalhava comigo no café da manhã também trabalhava no cinema e sempre me presenteava com um ingresso.
Minhas horas de folga eram aproveitadas nos museus ou galerias, ou batendo perna pela cidade aproveitando seus belos parques e jardins. Eu passava horas nos museus e não gastava nada, pois como estudante a entrada era gratuita.
Aproveitei meus finais de semana viajando pelo interior da Inglaterra. Conheci várias cidades que tinham alguma história para contar. Também viajei para a Escócia e fiz turismo pela Europa indo primeiro de trem até Paris e a partir dali de ônibus por várias cidades. Os pacotes para estudantes eram econômicos.
Assim o tempo que morei em Londres passou rápido e quando me dei conta já estava na hora de retornar. Eu estava com saudades da minha filha, minha família, meus amigos, minha casa, mas também estava adorando minha estada por lá. Aprendi a gostar daquela cidade enorme e cheia de gente de todas as partes do mundo. Aprendi a ouvir diferentes sotaques e idiomas enquanto caminhava por suas ruas largas. Conheci seus museus, suas galerias de arte. Entrei nas igrejas, assisti a muitos concertos de música erudita. Fiz muitas coisas que normalmente não tenho a oportunidade de fazer por aqui e até arranjei um namorado com a metade da minha idade. As lembranças que tenho daquele período são as melhores. Foi muito bom principalmente porque foi um ano que não passei sequer perto de um hospital. Não precisei ingerir sequer uma aspirina. Nem por um momento parei para pensar nos dois anos que estive em tratamento. Aquele ano cheio de novidades me deixou curada. Eu estava feliz.


2 Responses
  1. Lara Amaral Says:

    Legal vc relembrar desses tempos bons para vc... Todas as viagens sobre as quais vc escreve, eu acabo querendo fazer tbm, pois vc as romantiza de uma forma tão bonita... afinal, todo lugar tem sua beleza e histórias interessantes para se aprender. Quando eu começar a viajar pelo mundo, daqui há alguns anos, já sabe quem fará meu plano de viagem, né? Só pode ser vc! hehe...
    Para esquecer da dor, dos problemas ou simplesmente para distrair, não importa, continue escrevendo, pois vc o faz belamente.
    Beijos!


  2. Issia Montes Says:

    Curti ese texto, achei verdadeira e totalmente clean! Acho que foi uma época de extrema felicidade... Qdo se curar dessa vez vamu p Itália?? Hehehehehe!!!


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou