Descoberta das metástases

Esse texto escrevi em 21/3/2008. Escrever foi a forma que encontrei para exorcisar tudo o que parecia ruim em minha vida.

Em 2006 fui curtir um pouco da Europa. Durante os dias em que passei na Itália, na companhia de duas amigas de infância, peguei um resfriado e uma noite acordei com fortes dores no peito. Consultado, o médico prescreveu antiinflamatório acreditando tratar-se apenas de consequências da gripe forte. Melhorei.
Passado alguns dias, já em Madri e em companhia de outra amiga, as dores voltaram ainda mais fortes. Procurei um hospital onde fui submetida a vários exames, mas os médicos não encontraram nada. Prescreveram apenas remédios à base de paracetamol que não foram eficientes. Pensam que fiquei presa à cama esperando a dor passar? Que nada! Como gosto de caminhar andava horas pela cidade conhecendo cada pedaço da bela Madri. Afinal, eu sempre soube que endorfina ameniza dores e estar feliz provoca a produção de endorfina no organismo.
Naquela algura do campeonato, ainda com dores, resolvi ligar para minha mastologista em Brasília. Como faltavam apenas alguns dias para meu retorno ela sugeriu repetir o antiinflamatório e aguardar minha volta para fazer novos exames.
Já em Brasilia meu tórax estava muito vermelho e inchado, evidenciando que alguma coisa poderia estar muito errada. Fiz uma ressonância que mostrou uma possível metástase óssea no esterno. Ainda em dúvida se era mesmo metástase ficou decidido que eu iria a São Paulo, para o Hospital do Câncer, onde seria submetida a uma biópsia de peito aberto.
Os oncologistas do hospital também ficaram na dúvida se era metástase ou sequela da radioterapia a que fui submetida oito anos antes. Resolveram fazer a cirurgia que evidenciou a metástase óssea que já comprometera dois terços do esterno, daí a causa das dores.
Depois desse diagnóstico fizeram uma varredura em meu corpo para ver se havia mais algum sinal de metástase em outros órgãos, e para meu desgosto descobriram que o pulmão e o baço também haviam sido comprometidos. Essa história trágica me abalou, mas não me derrotou e eu continuei fazendo longas caminhadas pela cidade de São Paulo, dando sonoras gargalhadas, indo ao teatro, visitando parques e museus, fazendo o que sempre gostei de fazer.
Muitas amigas foram me fazer companhia enquanto eu estava em tratamento no Hospital do Câncer. Fiquei hospedada num hotel próximo ao hospital e elas ficavam lá comigo. Estiveram por lá a Lili, Helena, Neli, Maura e Maria do Carmo. Minha irmã ficou do meu lado o tempo todo. A Maria foi para ficar uns três dias e acabou ficando mais de uma semana. Foi certa de que não sairia para nada do hotel ou do hospital e o que ela menos fez foi ficar parada. Passávamos o dia andando pela cidade, conhecendo bairros próximos ou distantes, fazendo compras e rindo de tudo. Aliás, ela adorou conhecer São Paulo comigo. Andou muito a pé, de metrô e de ônibus. Fez coisas que ela nunca imaginou fazer com alguém "tão doente"... Outro dia ela disse-me que não vê a hora de voltarmos para nossos passeios por São Paulo.
A Maura até tirou alguns dias de férias para ficar comigo. Uma vez lá, logo depois da cirurgia, resolvemos passar uns dias em Guarujá para descansar e relaxar um pouco. Porém, mal chegamos à cidade, não demorou uma hora, fomos assaltadas por dois pivetes com um facão enorme. Foi tão rápida a ação dos bandidos que custamos a nos dar conta de que se tratava de um assalto. Depois de tudo acabado e resolvido conseguimos dar boas risadas da situação inusitada: havíamos saído para comprar meu remédio para aliviar as dores (que só era vendido com receita médica) e o bandido levou inclusive a receita. Precisamos ir a outro médico, explicar o ocorrido para conseguir outra receita e assim comprar o remédio. E relaxar que era bom...
De volta a São Paulo e ao hospital fui convidada a fazer parte de um protocolo de pesquisa para uso de um medicamento experimental, o avastim. Pensei bastante e decidi não fazer parte da pesquisa. Voltei a Brasília para ser tratada pela Dra. Luci Ishii, médica que eu já conhecia e em quem confiava. Tenho certeza de que tomei a decisão mais acertada. Afinal, em Brasília, tenho minha família, minha filha, meus amigos e minhas referências.
A Dra. Luci Ishii é uma médica especial, não é uma oncologista comum. Ela encara o paciente como um ser integral preocupando não só com o corpo, mas também com a mente e o espírito; não tem pressa nas consultas e nos dá a certeza, segurança e conforto que precisamos. Ela e sua equipe estão sempre prontas a atender todos os pacientes e seus cuidadores.
Em maio de 2007 dei início ao tratamento quimioterápico no Instituto Luci Ishii. Comecei sessões semanais com a droga taxotere. Fiz sete ciclos e como as respostas estavam muito aquém do esperado resolveram mudar o protocolo para taxol, caboplatina e herceptim. Dois ciclos depois esse coquetel quase acabou comigo. Foi necessário outra abordagem, agora com genzar e herceptim.
Houve muitos momentos difíceis em que desistir parecia o caminho mais fácil. Em outros momentos cheguei a pensar que minha hora de partir estava chegando, mas consegui superar cada percalço do tratamento e estou muito bem agora.
Algumas pessoas falam que sou forte, mas não concordo com isso. Não sou o que dizem, apenas tenho coragem para superar as dificuldades sem me colocar no papel de vítima.

Já estamos em setembro de 2009 e continuo fazendo quimioterapia toda quarta-feira. Já se passaram mais de dois anos... Um dia vou deixar de ser refém desse tratamento e até lá vou aprendendo a viver um dia de cada vez. De vez em quando tiro umas férias e viajo um pouco, é a forma que encontrei de recarregar minhas baterias. Nesses dois anos aprendi fazer uma porção de coisas e cozinhar é uma delas. Descobri que até levo jeito para "chef". 8/set/2009
2 Responses
  1. Lara Amaral Says:

    Leva jeito mesmo. Cozinha que é uma beleza =)! Sua vida é um filme... Sinto, em determinados momentos, ao ler essas suas crônicas, que estou num romance; essa sua forma de ver as coisas... Muito bom passar por aqui. Beijos.


  2. Issia Montes Says:

    Não posso negar que seu texto me trouxe angústia, o medo de te perder envolveu meu coração como uma bola, não sei explicar... Ao mesmo tempo vc me faz feliz com sua coragem, porque por + q vc n diga, vc tem garra, n e qq um q agüenta o q vc vem enfrentando, q consegue ver a vida dessa forma... Admiro vc, por + q eu nunca tenha dito, n sou boa com palavras, sou melhor escrevendo, é + fácil demonstrar o q sinto e amo vc!

    Sei q logo logo esse pesadelo vai passar e tudo vai voltar a ser como antes, sei jeito de enfrentar o problema é único, todo mundo cai um dia + vc é como uma fênix, ressurge com + força e garra, vc é exemplo pra mim... Qdo eu voltar de vez é essa certeza q vou ter, é em ti q vou me espelhar + q nunca! Vc é exemplo pra mim, te amo!


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Obrigada pelo comentário. bjs Lou