Resultado do PET

      Depois do último diagnóstico que evidenciou o avanço do câncer metastático e a falta de opções da medicina para casos como o meu decidi que não iria ficar chorando desesperada, apenas esperando a morte chegar. Já que não havia opção na medicina, eu iria criar essa opção vivendo a vida do jeito que gosto, sendo feliz com o que tenho nas mãos e viajando. Foi o que fiz.
     Antes de embarcar fiz três protocolos do quimioterápico folfiri, de forma experimental, na tentativa de barrar o avanço da doença, e depois minha médica suspendeu a quimioterapia um mês antes da viagem para evitar que os efeitos colaterais atrapalhassem o passeio. Embarquei para a Bretanha no dia 8 de outubro para umas férias de três semanas numa terra em que a natureza dá o tom.
     O melhor de tudo foi rever minha filha que está viajando desde fevereiro, curtindo um ano sabático, sonho antigo que ela está realizando este ano. Ficamos juntas uma semana na Bretanha, curtindo a natureza, conhecendo lugares incríveis, dividindo momentos de muito amor e cumplicidade.
     Voltando ao assunto do câncer, duas semanas antes do último diagnóstico eu havia iniciado um curso na igreja católica chamado Oficina de Oração. Essa oficina ensina, a qualquer pessoa que queira, independentemente de sua opção religiosa, orar e entrar em conexão com Deus e com o divino. Tenho certeza de que a meia hora diária de oração me ajudou e continua ajudando a entrar num estado de paz interior e conexão com o Pai que faz toda a diferença no enfrentamento dos problemas inerentes a doença, ao tratamento e até do dia a dia.  Estou aprendendo, com esse estado de meditação, que a felicidade é realmente um jeito de ser, um estado mental e, pelo menos para mim, está funcionando de forma positiva.
      Finalmente chegou a hora da consulta. O médico abriu o resultado do PET na tela do computador, olhou atentamente enquanto eu, também atentamente, observava suas reações ao que lia. Percebi um leve e discreto sorriso e aquilo me pareceu um bom sinal. Depois de alguns minutos que pareceram uma eternidade ele virou para mim e disse: houve uma melhora significativa. Em alguns pontos as metástases regrediram enquanto em outros está estável. Isso é ótimo! A doença está sob controle novamente. Saí da zona de risco iminente.
      Definitivamente a fênix que existe em mim renasceu das cinzas mais uma vez.

Último dia em Paris

      O dia amanheceu nublado, frio e ameaçando chover. Estava tudo escuro e feio então resolvemos tomar nosso café da manhã sem pressa e depois, bem encapotadas, saímos para nosso último dia em Paris. Para evitar dores e cansaço, e já que tanto eu quanto a Lia conhecemos a cidade e suas melhores atrações, decidimos fazer um passeio com ônibus de turismo Hop on Hop off. São mais de 3 horas de passeio percorrendo os pontos turísticos mais cobiçados e a pessoa pode descer e subir no ônibus quantas vezes quiser, durante o período de 24 horas de validade do bilhete.
     Como nosso hotel ficava próximo da Igreja de Notre Dame foi lá que embarcamos. Ficamos no andar de cima do ônibus de turismo, na parte coberta, e tínhamos uma vista privilegiada da cidade. Primeiro demos uma volta completa no circuito. Quando a fome apertou desembarcamos para almoçar, embarcamos em seguida para descermos novamente no Trocadero. Queríamos fotografar a Torre Eiffel daquele ângulo, com calma. Aproveitamos uma apresentação de música nos jardins do Trocadero, tomamos sorvete sentadas confortavelmente enquanto observávamos o movimento dos turistas naquele vai e vem incessante. Naquela altura do dia o sol brilhava e em nada lembrava a manhã fria e cinzenta que encontramos ao acordar.
     Fomos caminhando devagar para tomarmos o ônibus novamente. Já era final de tarde então desembarcamos pela última vez na margem do Sena e percorremos sem pressa o caminho dos caixotes verdes onde ficam os buquinistas vendendo seus livros antigos, cartazes e souvenirs. Aliás, acho que aqueles caixotes verdes alinhados ao longo da mureta do Sena e seus buquinistas já fazem parte da história de Paris. São como um cartão postal da cidade.  Reza a lenda que alguns daqueles caixotes verdes estão ali desde o século XVIII, será?
     Quando o sol começou a exibir seu  ocaso ao entardecer fomos para a beira do rio observar e curtir aquele momento. O som da cidade parecia ter desaparecido para nos permitir apreciar a natureza se mostrando em todo seu esplendor. Ele foi se escondendo devagarinho no centro de um colorido dourado lindo. Quando a noite começou a aparecer continuamos nossa caminhada em direção ao hotel, ainda inebriadas com tamanha beleza. O céu já estava se cobrindo de um tom azul escuro e as primeiras estrelas começavam a enfeitar o firmamento...




Um giro em Paris (24 out 2017)

     Paris amanheceu fria e chuvosa. Uma chuva fininha, típica de molhar bobo. 
     Helena e Luciana ficaram de nos encontrar no hotel para sairmos juntas mas, como elas atrasaram um pouco, por causa do trânsito intenso pela manhã, a Lia resolveu sair sozinha para resolver suas coisas. Eu continuei aguardando e em poucos minutos elas chegaram esbaforidas, preocupadas com o atraso.
     Tentamos encontrar a Lia mas não deu certo então fomos passear. Decidimos ver a exposição do Rubens, exibindo retratos de príncipes, que estava no Musée du Luxembourg e passamos algumas horas por lá apreciando todos aqueles quadros, lendo sua história. Minhas costas doíam tanto que chegavam a arder então, onde havia um banco eu sentava para aliviar um pouco e dar tempo do emplastro fazer o efeito desejado.
      Sentada eu apreciava com calma as pinturas das pessoas retratadas por Rubens como Marie de Médicis e outros soberanos. Aliás tenho que destacar que para pintar soberanos era preciso ter muito prestígio e Rubens era o pintor mais importante de sua época. Ao apreciar todas aquelas obras de arte barroca me veio a lembrança das últimas exposições apresentadas no Brasil e que causaram tantas polêmicas. Não consegui evitar e comparar o lixo que alguns, que se autodenominam artista de hoje, apresentam como se fosse arte. Tenha dó. Não dá nem para discutir, é lixo mesmo. E de péssimo gosto.
     Saímos do museu com fome, então paramos no Les Deux Magots para almoçar. Para variar, o almoço estava delicioso e, em boa companhia, ficou melhor ainda. Almoçamos sem pressa, papeando, contando histórias, relembrando situações engraçadas e dando risadas. Foi ótimo. Depois saímos caminhando devagar pelos arredores e, sem querer, demos de cara com a perfumaria Buly, fundada em 1803, e que serviu de inspiração para Balzac escrever seu romance César Birotteau que conta a ascensão e a queda de um perfumista que buscava prestígio na alta sociedade.
     Adoro entrar nessas perfumarias antigas, que ainda guardam vestígios de seu passado no mobiliário, nos frascos de perfumes e até no piso de azulejos vitrificados, já bem gastos pelo tempo. Era tudo tão charmoso. As estantes de madeira nobre cheias de gavetinhas pequenas e detalhadas, os frascos bem trabalhados, os funis pequeninos para que o freguês possa, ainda hoje, sentir a fragrância do perfume que o irá seduzir... Não tivemos pressa em sair dali onde muitas pessoas, como nós, apreciavam aquele pedaço do passado que estava tão bem conservado.
     Minhas costas voltaram a doer muito. Decidimos pegar um táxi de volta ao hotel onde encontramos a Lia descansando. Ela desceu e ficamos conversando um pouco na salinha ao lado do refeitório de café da manhã. Mais tarde a Helena e Luciana foram embora para continuarem o passeio que haviam programado. Eu e Lia ficamos no hotel descansando, de onde só saímos mais tarde para darmos uma pequena volta nas margens do Sena.

De volta a Paris ( 23 out 2017)

      O táxi nos pegou no hotel em Dinard e nos deixou na Gare em Saint Malo. Uma chuvinha fina caiu o tempo todo, como a nos lembrar que assim costuma ser o tempo na Bretanha. A viagem de trem foi tranquila e durou quase três horas.
      Retirar as malas do trem estava complicado, ainda bem que apareceu um jovem abençoado para nos ajudar. Ficou bem claro que pessoas idosas, ou com qualquer tipo de limitação, devem evitar viagens de trem e, se o fizerem, devem carregar, na melhor das hipóteses, uma pequena mala de mão. Nada de uma mala de tamanho médio, caso das nossas, e muito menos uma mala grande e pesada.
      Estávamos arrastando nossas malas pelo chão irregular da Gare quando apareceu um carregador. Ufa! Que alívio. Ele colocou nossas malas no carrinho e nos levou até a área do táxi que nos deixou no hotel. Lá, fomos recebidas pela simpática Raquel como se fôssemos amigas de longa data.
     Deixamos nossas malas no quarto e saímos para almoçar num restaurante próximo do hotel. Já passava das 15h, estamos cansadas e com fome. Paris estava fria e chovia bastante. Não parecia nada animador nos afastarmos muito. Depois do almoço voltamos para o hotel para descansar e a Helena pegou outro táxi para se encontrar com a filha em outro hotel. Aquela parte da viagem ficaríamos somente eu e Lia em Paris e de lá iríamos para Lisboa antes de retornarmos a Brasília.  A Helena ficaria com a filha em Paris por alguns dias e depois seguiriam viagem juntas para Milão.
      Descansamos e pouco e quando descemos ao saguão do hotel o tempo havia melhorado bastante. Aproveitamos para dar uma volta pela cidade. Só bater perna pelas ruas de Paris, ou caminhar sem pressa nas margens do Sena já vale por um passeio.

Um giro na Bretanha - último dia em Dinard (22 out 2017)

      Nosso último dia em Dinard amanheceu nublado, com a maré alta e ondas violentas quebrando no calçadão e a água invadindo a promenade des Anglais. O tempo esfriou bastante, o céu estava cinza e triste e uma chuva fina caia insistente, como é comum na Bretanha. Mesmo assim o mar estava cheio de surfistas e alguns banhistas, sem medo de água gelada, nadavam calmamente naquele mar bravio.
      Eram 11:30h da manhã e a chuva continuava a cair. A maré já estava recuando e, da janela da sala, eu via os últimos surfistas deixarem o mar. Ventava bastante, mas na faixa de areia alguns jovens rapazes jogavam bola. Eles não se importavam com o frio, com a chuva, e nem com o vento gelado.
      Eu bem que preferia um belo dia de sol para me despedir da Bretanha mas, cá para nós, dias chuvosos são bem a cara daquela terra que aprendi a amar. Nós é que demos muita sorte em pegar todos aqueles dias de tempo bom. Fomos almoçar no restaurante dos gerânios o prato que mais gostamos na cidade: brochette de coquille Saint Jacques e camarão. Delícia!
      Choveu e abriu o sol várias vezes durante o dia e lá pelas tantas um belo arco íris se formou no mar. Que lindo! Fiquei observando da janela até ele se dissipar entre as nuvens, ficando só em minhas lembranças. 
      No dia seguinte seguiríamos viagem para Paris. O Lionel foi se despedir e levou para mim um presente de sua mãe. Fiquei emocionada. Dona Denise, que só me viu pessoalmente uma vez, me deu de presente uma relíquia que ela trouxe da Terra Santa, lá pelos anos 60, quando visitou a cidade. Ela, que já alcançou muitas graças, quer que a relíquia agora me ajude a recuperar a saúde, fazendo o que a medicina não consegue mais fazer. Fiquei comovida com o carinho e o desprendimento de uma senhorinha com mais de 90 anos. Tenho certeza de que para ela não deve ter sido simples desapegar de uma relíquia que a acompanha por tantos anos.

Um giro pela Bretanha - Dinard (21 out 2017)

      A feira de rua em Dinard aos sábados é muito maior do que nas terças e quintas. Parece até que as famílias da cidade fazem da feira um ponto de encontro aos sábados. O carrossel estava cheio de crianças. Alguns pais, meio sem jeito, tentavam ajeitar seus pimpolhos nos brinquedos. Algumas crianças preferiam os carrinhos, outras preferiam subir nos brinquedos em formato de animais. Fosse em qualquer tipo de brinquedo o fato é que tanto as crianças quanto seus pais todos se divertiam prá valer. A música tocava alta. O vai e vem das pessoas era incessante. E a vida acontecia naquela cidade pacata, cheia de idosos competindo em idade com Matusalém.
      O almoço no restaurante dos gerânios estava divino. Apelidamos o restaurante dessa forma porque suas janelas baixinhas, de frente para a rua, são enfeitadas com gerânios vermelhos e ficam muito graciosas. Depois do almoço fomos caminhar pela promenade des Anglais. Que vista linda! Não me canso de apreciar aquele mar verde esmeralda e a silhueta de Saint Malo destacando a torre da Igreja de Saint Vicent.
     Demos uma volta completa na promenade e depois retornamos ao calçadão em frente a praia d'Écluse. Enquanto Helena e Lia foram ao mercado comprar chocolate, fiquei sentada num dos bancos do calçadão observando a vida acontecer. Os restaurantes e quiosques estavam lotados e cheios de filas. Parece que todos queriam aproveitar o raro e belo dia de sol no outono. Algumas pessoas caminhavam sozinhas, outras com seus parceiros, famílias inteiras com filhos e cachorros e muitas pessoas com seus animais de estimação. Era uma festa.
     Na areia da praia, aproveitando a maré baixa, uma mulher brincava com seu cachorro jogando um graveto bem longe. O cachorro corria, pegava o graveto e trazia de volta para recomeçar a brincadeira. Ele latia, abanava a cauda e corria feito um maluquinho. Uma graça. Um outro cachorro, de pequeno porte, caminhava na beirada do muro que separa a areia da praia da calçada. O muro é muito alto e fiquei na maior aflição com medo que o bichinho acabasse se esborrachando lá embaixo. Ele não estava nem aí e continuava seu trajeto todo faceiro.
     Naquele frenesi de pessoas caminhando, beliscando algum petisco, tomando sorvete, ou fazendo nada como eu, observei Hitchcock impassível sob seu pedestal no calçadão. As gaivotas abusadas, que adoram roubar qualquer tipo de comida de algum turista distraído, pousavam em seu ombro e até em sua cabeça que já estava toda suja de seus dejetos. Fiquei ali mais um pouco até que o vento começou a soprar frio e forte então levantei e caminhei devagar em direção ao hotel que ficava ali perto. Do sofá da sala continuei apreciando o mar e suas ondas quebrando na praia, as pessoas caminhando, a vida acontecendo na pacata Dinard numa tarde de outono...

Um giro pela Bretanha - Saint Malo (20 out 2017)

      Não conseguimos nenhum táxi em Dinard então optamos por pegar um ônibus até o terminal de Saint Malo e, de lá para a cidade intramuros, um táxi. Foi bom porque já deixamos combinado com o taxista de nos pegar no hotel dia 23, quando voltamos a Saint Malo para tomar o trem para Paris.
      Saint Malo, localizada numa das margens do Canal da Mancha, é uma cidade medieval totalmente murada. São mais de 1.700m de muralhas que serviam de abrigo para os corsários franceses que saqueavam os navios que passavam pelo canal, com o aval do Rei...
      A cidade murada é conhecida também por causa de alguns de seus moradores célebres como Jacques Cartier, explorador europeu nascido em Saint Malo. Ele ficou conhecido por ter realizado três viagens ao Canadá. Cartier navegou para a América do Norte em busca de ouro, especiarias e uma rota mais curta para a Ásia, e acabou por descobrir o rio São Lourenço que é o principal acesso ao interior do Canadá. Tem também o famoso escritor François-René de Chateaubriand, nascido na cidade e que está enterrado na Ilha Grand-Bé, ali pertinho.  Na maré baixa é possível ir caminhando a pé até a ilha.
       A catedral de Saint Vincent, construída entre os séculos 12 e 18, patrimônio histórico da cidade, foi parcialmente destruída na guerra. Foi reconstruída e guarda em seu interior o túmulo do explorador Jacques Cartier.
      Saint Malo tem uma história triste. Foi quase totalmente devastada na Segunda Grande Guerra, quando mais de 80% da cidade ficou destruída. Sua reconstrução demorou mais de 30 anos. Dinard, sua cidade vizinha, também sofreu com a ocupação dos alemães. Ainda hoje é possível ver restos dos bunkers alemães nas praias de Dinard.
      Outra coisa que é preciso destacar sobre a cidade é sua gastronomia. No almoço comemos um risoto de Saint Jacques divino. Nossa! Que delícia. Seus doces também são muito apreciados. Um deles, bem típico, é o kouign-Amann, uma espécie de croissant caramelizado, com muita manteiga e açúcar.
     É gostoso caminhar em cima das muralhas da cidade mas, naquele dia, ventava tanto que tornava o passeio bastante penoso. Desistimos. Optamos por passear por suas ruelas cheias de lojinhas mas, mesmo assim, um vento impiedoso insistia em deixar tudo gelado. Eu tinha esquecido minha touca e como meu cabelo está muito curtinho minhas orelhas ficaram geladas e minha cabeça começou a doer. Na primeira loja que vi um gorro com cara de quentinho entrei crente que iria comprar. Quando vi o preço quase tive um ataque: ele custava mais de 300 euros. Credo! Indaguei se era tecido com fios de ouro... Saí da loja de fininho e entrei em outra, quase em frente, e comprei um gorro listrado, que me deixou com aparência de delinquente, por apenas 9 euros. Melhor assim, e bem mais barato...

Um giro pela Bretanha - Dinard (19 out 2017)

      Bárbara e Henrique seguiram viagem para Londres ontem. Não foi fácil despedir-me. Foram dias incríveis com minha filha, passeando por essas terras celtas cheias de histórias, de mitos e lendas... terra do Rei Arthur, de Merlin e Morgana. Terra dos menires, cheios de mistérios... Terra das grandes marés e de enormes falésias. Terra de um povo místico, de crenças em sortilégios e magias, bruxarias...
      Houve um entardecer em que o céu na Bretanha ficou cor de laranja, bem acobreado. Uma cor linda! Aquele céu diferente, e que tanto nos encantou, deixou alguns bretões apavorados. Eles pensaram que fosse um sinal do final dos tempos. Na realidade aquele belo céu alaranjado ao por do sol era apenas consequência de um ciclone que se formara no Atlântico e que, ao se aproximar da costa, levando fumaça das queimadas que aconteciam em Portugal e na Espanha, e areia do deserto do Saara deu aquele tom inusitado ao céu bretão. Uma cor diferente no céu  foi o bastante para atiçar a imaginação de um povo chegado a histórias, mitos e lendas...
     Passamos o dia de ontem descansando da maratona de passeios incríveis. Já não somos mais crianças e o tempo, sem sombra de dúvida, cobra seu preço. Ainda bem que o dia hoje amanheceu lindo e com a maré bem alta, com as ondas golpeando o muro de pedra que cerca a praia d'Ecluse. Gosto de ouvir o murmúrio do mar e o barulho das ondas quebrando na praia.
     Saímos para passear na feira de rua que acontece todas as terças, quintas e sábados na cidade. Lá é possível encontrar de tudo: de flores a roupas, comidas, queijos, geléias, verduras e frutas frescas. Até móveis eu vi. Passeamos pelas barracas observando o vai e vem das pessoas, ouvindo o músico que cantava próximo do carrossel que fazia a alegria de algumas crianças. Sentei num banco observando o movimento e vi muitas velhinhas puxando seus carrinhos cheios de compras. Como tem idosos naquela cidade!
     Antes de voltarmos para o hotel paramos para almoçar. Que comida gostosa! Nos deliciamos com uma outra versão de coquille Saint Jacques. Acho que experimentamos todos os diferentes pratos feitos com a iguaria, que só é encontrada nessa época do ano.
     Fomos para o hotel descansar. O Lionel, nosso amigo bretão, chegou e ficamos papeando um pouco, depois ele saiu com a Helena para dar uma volta pela cidade. Eu e Lia preferimos ficar no hotel descansando. Preferi me poupar para poder passear no dia seguinte. Nosso plano era almoçar em Saint Malo.

Um giro pela Normandia - Monte de Saint Michel (17 out 2017)

    Começamos nosso passeio do dia parando para almoçar em Cancale, cidade famosa por suas enormes fazendas de ostras e sua gastronomia. São vários restaurantes de frente para o mar e acertamos na escolha. Resolvi experimentar a sugestão do Chef, com coquille Saint-jacques, e comi quase rezando de tão bom estava aquele almoço. Hummm...

     Eu não poderia passear pela Bretanha sem dar uma escapada até a fronteira com a Normandia para visitar,  mais uma vez,  o Monte de Saint Michel.
     O Monte de Saint Michel é uma ilha rochosa que fica na foz do Rio Couesnon, no Departamento da Mancha, na França. A ilha é murada e abriga um pequeno vilarejo medieval, um mosteiro e a abadia que inspira seu nome.
     Um fenômeno natural, que pode ser observado principalmente nesta época do ano, atrai milhares de visitantes ao Monte de Saint Michel: o fenômeno das grandes marés que podem subir mais de 15 metros na maré alta. É um fenômeno fantástico que pode ser apreciado de perto no alto dos mirantes do monte. É um espetáculo grandioso, emocionante. Quilômetros de areia, onde milhares de turistas caminham a pé, ficam alagados e debaixo de mais de 15 metros de água. O pequeno rochedo fica rodeado pelas águas do mar por todos os lados.
      Quando a maré baixa é possível caminhar naquela vasta imensidão de areia, mas é preciso tomar cuidado com a areia movediça que está por todos os lados. O ideal é fazer um passeio orientado por guias experientes, para evitar sustos e surpresas desagradáveis.
     Subimos o monte por sua estreita ruazinha cheias de lojas de souvenirs e bugigangas de todo tipo, alguns restaurantes e até alguns hotéis. Eram muitos degraus, centenas deles e, exatamente por isto, é preciso ter boas pernas e bom preparo físico. Dessa vez não consegui chegar até a abadia, minhas pernas não deram conta do recado e minha respiração estava ofegante demais para continuar a subida. Parei num dos mirantes e fiquei sentada no banco enquanto a Bárbara e o Henrique continuavam a subida. Quando recuperei o fôlego cheguei na beira do mirante para observar a subida da maré. Pena que não era uma daquelas grandes marés, mas mesmo assim valeu a pena.
     Uma gaivota se exibia voando do alto da abadia até a beira d'água e voltava gritando, passava voando bem pertinho da multidão que se aglomerava na beira do mirante. Ela tirava um fino da gente, gritando estridente e mergulhando em direção a água. Que imagem fantástica os pássaros conseguem ter. É nessas horas que meu coração de águia treme de emoção. Me imagino lá do alto, bem pertinho do céu, voando livre, sentindo o vento arrepiar minhas penas,  ganhando velocidade, rasgando o ar...
      Que lugar incrível é o Monte de Saint Michel. Não existe vocabulário capaz de expressar com justiça a emoção que sentimos naquele lugar. É preciso ver de perto e, preferencialmente, passar uma noite dentro da cidade murada, observando o por do sol, a chegada da noite, as estrelas cintilando no negro céu...

Um giro pela Bretanha - Carnac (16 out 2017)

      Primeiro paramos em Josselin para almoçar e andar um pouco pela cidade. Da pequena eclusa pudemos apreciar de longe o belo castelo medieval que se destaca na paisagem da cidade. O rio, que reflete o castelo, as árvores e flores de sua margem, deixam a paisagem ainda mais encantadora, quase romântica. É agradável caminhar por lá, pisar naquelas ruazinhas estreitas de calçamento de pedras, observar as cores do outono embelezando tudo, as folhas amarelas cobrindo o chão. Um cenário incrível, eternizado na memória do viajante e captados pela objetivas das máquinas fotográficas.
      Não demoramos muito porque nosso destino era Carnac, onde veríamos os famosos alinhamentos de mais de 3000 menires, que são grandes blocos de pedras, algumas delas pesando centenas de toneladas. O nome menir,  em bretão antigo,  significa pedra longa.
     Os alinhamentos de Carnac são três grupos de pedras, em mais de 4km de extensão. O primeiro grupo é o de Kermario, o mais conhecido e badalado dos três, com pedras medindo mais de 7m de altura. O outro agrupamento é chamado Le Menec e o terceiro conjunto de alinhamentos é conhecido como Kerlescan. Os alinhamentos, apesar de cercados por uma grade, são vistos da estrada, e é possível visitá-los de perto, pagando a entrada.
     Visitamos de perto o alinhamento de Le Menec, andamos entre aquelas enormes pedras cheias de mistérios tentando imaginar o real motivo para terem sido colocadas naquele lugar. Ainda bem que o dia estava ligeiramente nublado porque andar naquela enorme extensão de pedras com o sol a pino deve ser uma loucura, por lá não existe nenhuma árvore, somente pequenos arbustos e pedras, muitas pedras, algumas enormes. Que tecnologia aquele povo, há mais de 2000 AC, usaram para deslocar blocos de pedras pesando centenas de toneladas? É no mínimo curioso. Existem inúmeras teorias sobre os alinhamentos de Carnac, mas nenhuma certeza. No campo dos alinhamentos existe um mirante. Quem se animar a subir consegue ter uma ampla e boa visão dos menires.
      Visitamos também o túmulo de Kercado. Para chegar lá passamos por uma mata densa e úmida, que deixava a impressão de abrigar figuras fantásticas... O túmulo data de 4.500 AC e está bem conservado. Um grupo de crianças, em idade pré escolar, faziam uma visita ao local e ouviam atentamente as explicações de seus professores.
      Entramos no túmulo, que agora está iluminado por dentro. Em 2013, quando o visitei pela primeira vez, não havia nenhuma iluminação. Era tudo escuro e quase assustador...
      No retorno para Dinard paramos para conhecer o Calvário de Guéhenno, que são esculturas em granito com cenas da vida de Cristo. O Calvário de Guéhenno fica dentro de um pequeno cemitério, próximo de Josselin.
      Na Bretanha existem vários Calvários do século 13. Eles foram esculpidos objetivando espantar a morte trazida pela peste negra que assolou a Europa na Idade Média. O tema da morte, representada pela figura de Ankou, símbolo da morte e da miséria, em bretão significa morte não natural.
      Chegamos tarde em Dinard, cansados mas felizes com o fantástico passeio daquele dia incrível.

Um giro pela Bretanha - Fougéres (15 out 2017)

     O sol acordou tarde no domingo, e a Lia e Helena também. Acho que todos cansaram muito no passeio de ontem pela Floresta de Broceliande. O sol, que havia despertado com preguiça, brilhou intensamente depois que as brumas se afastaram.
     Resolvemos passear em Fougères, uma cidade medieval, com muita história, e não muito distante de Dinard. O que não sabíamos é que a cidade fica parecendo uma cidade fantasma aos domingos. Tudo estava fechado e foi difícil até encontrar um restaurante aberto para almoçarmos. Além de esperarmos um tempão por uma mesa, tivemos que nos contentar em comer o que ainda havia disponível na casa, que não era lá grande coisa. 
     Caminhamos pelas ruas silenciosas da cidade fantasma, decepcionados com aquela aparência  desolada, vazia, sem vivalma na rua. Entramos na igreja Saint-Léonard, construída no século XII, e de lá fomos para o bairro medieval ver de perto suas casinhas de madeira, em estilo enxaimel, tão antigas e velhinhas que dão a impressão de que só estão de pé porque uma escora a outra.
      Estávamos em frente ao velho castelo da cidade quando desabou uma chuva repentina. Corremos para nos abrigar sob a marquise de um studio de dança quando observamos uma rama de kiwi que saia do quintal de uma casa e atravessava a rua, apoiada num arame, carregadinha de frutos maduros. Pena que estivesse tão alta...
     A chuva foi breve e num instante estava tudo seco. Decidimos seguir viagem para Dol-de-Bretanhe, outra cidadezinha medieval muito graciosa, com pouco mais de 5000 habitantes, que fica no caminho entre Fougéres e Dinard.
     A velha catedral de Saint-Samson, do Séc XIII, em estilo gótico flamboyant, estava silenciosa e fria. Os vitrais coloridos, iluminados pelo sol, davam a ela uma atmosfera calma e tranquila. Não havia ninguém em seu interior.
    Como em Fougéres tudo estava fechado em Dol. Caminhamos por suas charmosas ruas de pedras, silenciosas e quase vazias. Depois de vermos tudo, apenas por fora, resolvemos seguir viagem de volta para casa em Dinard.

Um giro pela Bretanha - Floresta de Broceliande (14 out 2017)

      O céu estava limpo quando acordei mas, em poucos minutos, uma neblina espessa cobriu tudo de branco. O mundo, além da varanda do apartamento, parecia ter desaparecido...
      Saímos logo depois do café da manhã em direção a Paimpont, para a Floresta de Broceliande. A neblina encobria tudo dos dois lados da estrada. Era tudo branco, não se via nada além de poucos metros de estrada na frente do carro.
      Quando estávamos chegando em Broceliande, por volta do meio dia, a neblina desapareceu como que por encanto e um céu azul de brigadeiro nos recepcionou na entrada da grande floresta. Paramos inicialmente na Abadia de Paimpont, um edifício de pedras, construído no século VII e reconstruído no século IX, depois de ter sido destruído pelos Normandos.
      A igreja, em estilo gótico, é do século XIII. Tem a forma de um casco de barco virado para baixo. Nossa Senhora de Paimpont, uma imagem do século XIV, tem lugar de destaque na igreja.
      Como aprendemos que os restaurantes na Bretanha costumam fechar às 14h resolvemos almoçar no Restaurante Le Relais de Broceliande, antes de começar nosso passeio pela floresta. Ainda bem que chegamos cedo, pois em poucos minutos o restaurante estava lotado e não sobrava nenhuma mesa livre.
      Terminado nosso almoço, e munidos de um bom GPS, fomos primeiro ao Túmulo do Mago Merlin. Alguns pequenos sinais na mata indicam a direção do túmulo. Logo que chegamos, eu e Helena, que conhecemos o local quatro anos antes, percebemos que o pequeno arbusto que crescia perto das pedras que marcam o túmulo do mago não existe mais. Não deve ter resistido ao ataque dos turistas que certamente arrancavam seus pequenos galhos para levar como souvenir.
      Na fonte da juventude, que estava com pouquíssima água bem lá no fundo, Bárbara me ajudou a molhar as mãos para passá-la em meu corpo, nos locais mais afetados pelo câncer. Não custa nada botar fé na mágica de Merlin. Depois fomos até a clareira onde as pessoas fazem seus montinhos de pedras com pedidos para o Mago. O acesso estava ruim porque havia muita lama no caminho, então tivemos que tomar cuidado para evitar tombos desnecessários. Acho que todos do grupo amontoaram suas pedras, perfeitamente equilibradas umas em cima das outras.
      De lá seguimos de carro até um estacionamento que fica relativamente próximo do Vale sem Retorno, local em que Viviane, sacerdotisa de Avalon, abandonava seus amantes infiéis, e do Espelho das Fadas. Ali perto também fica a árvore de ouro, uma obra de arte que foi colocada na Floresta de Broceliande em 1991, depois de um incêndio que destruiu quase 500 hectares da mata. A árvore de ouro simboliza o renascimento da floresta e sua fragilidade diante dos riscos de incêndio.
      Eu, Bárbara e Henrique pegamos um caminho bastante acidentado para chegarmos na árvore de ouro. Subimos e descemos pedras, e saímos um pouco arranhados pelos arbustos pontiagudos que crescem entre as pedras. O acesso era difícil, mas foi bem divertido. Muita gente ia e vinha pelo mesmo caminho. Eram crianças, jovens, adultos e até idosos. Um povo alegre e animado. Na volta pegamos um caminho bem mais fácil, mas muito menos divertido e interessante.
     De Broceliande seguimos para Dinan onde paramos para fazer um lanche antes de retornarmos a Dinard. Demos uma volta pela cidade, mas como já estava ficando tarde não demoramos muito por lá. Nosso dia foi cheio e muito animado. Voltamos cheios de histórias para contar.

Um Giro pela Bretanha - Dinard e Saint Suliac (13 out 2017)

      Fomos cedo ao mercado fazer compras para o café da manhã. Quantas coisas gostosas: uma infinidade de pães, queijos, biscoitos, vinhos. Uma verdadeira delícia aquela orgia de sabores, para atender todos os paladares.
      Nosso primeiro café da manhã em Dinard foi um sucesso. Pães, queijos diversos, geleias, hum... nos deliciamos sem a menor pressa de terminar.  Depois do café fomos passear em Saint Suliac, uma pequena cidade medieval, muito bem preservada, que fica próxima de Dinard.
      Saint Suliac faz parte de uma associação que tem por objetivo a promoção e a preservação de pequenas comunidades rurais ou que tenham um rico patrimônio histórico. Cerca de 160 comunidades pertencem a essa Associação. As regras são rígidas e os requisitos para fazer parte da associação são: localização, pertencer ao programa de proteção ao patrimônio e ter o limite mínimo de 2000 habitantes, entre outras exigências. 
      Saint Suliac é uma cidadezinha linda e charmosa. Parece cristalizada no passado com suas casinhas de pedra e jardins floridos bem cuidados. Sua história está bem preservada e, apesar de já estarmos no século 21, dos carros de alta tecnologia estacionados em algumas garagens, seus costumes e modo de vida parecem ser de outra era... Um passado remoto, que parece perdido no tempo.
      Visitamos a igreja, caminhamos pelas ruas estreitas de pedras, sentamos para descansar em toscos bancos de madeira. Quando a fome apertou resolvemos voltar para Dinard, mas todos os restaurantes estavam fechados pois já passava das 14h. Tivemos que nos contentar em comer uma omelete no único lugar que encontramos aberto.
      Depois desse almoço bem franciscano fomos caminhar pela Promenade Clair de Lune. Eu e Helena observamos que ela está toda reformada e bem mais segura do que há quatro anos, quando visitamos Dinard pela primeira vez.
      A promenade fica na encosta, à beira mar. Em alguns trechos é bastante estreita e perigosa. Quando a maré está alta não dá para caminhar por lá porque existe o risco da onda quebrar em cima dela e jogar a pessoa no mar lá embaixo, em meio a muitas pedras. No alto da encosta ficam algumas mansões que foram construídas na época em que Dinard, localizada na Costa de Esmeralda, era um balneário chique, com hotéis de luxo e mansões cinematográficas. Era considerada a Riviera Francesa da moda lá pelos anos 20.
      Depois de alguns anos de ostracismo Dinard está voltando a ser uma praia cobiçada no verão. Nesta época do ano, quando está mais frio e acontecem as grandes marés, que chegam a subir até 15 metros na maré alta, a cidade está muito tranquila, quase vazia. Sua população, na grande maioria, parece muito idosa. Teve um dia em que eu e minhas amigas estávamos sentadas em frente a janela do restaurante, que dava para a rua. Uma de minhas amigas, com mais de 80 anos, exclamou de repente "me sinto criança nesta cidade". Olhei para fora e vi vários idosos, apoiados em suas bengalas, competindo em idade com Matusalém. Tive que soltar uma sonora gargalhada.
     
     

Mais um PET - suspense...

     Minha oncologista pediu outro PET para avaliar a eficácia de um quimioterápico que estou fazendo, de forma experimental, já que esgotei todos os protocolos disponíveis para casos como o meu.
      Continuo acreditando que todo ser vivo tem prazo de validade assim, mesmo tendo recebido um diagnóstico nada agradável, ou melhor, catastrófico, em nenhum momento entrei em pânico ou fiquei deprimida. Continuei e continuo levando minha vida como sempre, fazendo o que dou conta, sendo feliz hoje. Me recuso a ficar apenas esperando a morte chegar, com cara de infeliz, azucrinando a vida de todos ao meu redor. Pior do que morrer, na minha forma de encarar a vida, é não viver.
     Para mim, a melhor forma de tratamento, mais eficaz do que qualquer quimioterapia, é viajar e curtir a vida, é estar com as pessoas que amo, é curtir a natureza, é ser feliz com o que tenho nas mãos. Sendo assim combinei com minha oncologista, Dra. Danielle, que eu queria viajar em outubro. Ela não se opôs, pela contrário, disse-me que não me impediria fazer nada que eu realmente tivesse vontade de fazer.
     Não saio por aí feito uma doidinha sem juízo. Combino tudo com meus médicos e me programo com calma e segurança para não estragar meu passeio e muito menos o passeio de quem está me acompanhando.
     Suspendemos o folfiri um mês antes do embarque, já que ele provoca muitos efeitos colaterais e, certamente, iria atrapalhar muito meus planos de passeio. Fiz apenas o Herceptin que não tem efeitos colaterais que me atrapalhem viajar.
     Meu plano era voltar a Bretanha, uma das seis nações Celtas. A Bretanha é uma terra de muitas lendas, sortilégios e bruxarias, terra de um povo místico e cheio de crendices, terra encantada, coberta de florestas densas, montanhas e falésias altíssimas. Terra abraçada pelas águas do Canal da Mancha e do Oceano Atlântico, fazendo dela a região francesa com a maior costa de litoral. A Bretanha, nessa época do ano, exibe as maiores marés que se tem notícia. Suas águas, nas grandes marés, sobem até 15 metros.
     Meu segundo plano era rever a Floresta de Broceliande, a floresta do Mago Merlin e da cultura celta. Afinal, se a medicina ocidental não tem mais nada que possa fazer por mim quem sabe a mágica de Merlin possa resolver? Não custava nada tentar.
     No dia 8 de outubro embarquei para Paris e de lá segui de carro para Dinard, uma cidadezinha próxima de Saint Malo e que é um charme. A Floresta de Broceliande fica na Bretanha, em Paimpont, próximo de Dinard e de Rennes, a capital. 
      Fui a Broceliande, bati um longo papo com Merlin e fiz meu montinho de pedras com pedidos ao mago. Eu não tenho nada a perder e acreditar na mágica dele pode ser bastante eficaz.
      Hoje, a enfermeira que puncionou meu cateter para fazer o PET chamava-se Morgana, o mesmo nome da grande paixão do mago. A técnica de enfermagem tinha o nome da minha filha: Bárbara. Só faltou o médico charmar-se Merlin. Será apenas coincidência ou premonição...

    

Um Giro pela Bretanha - Chartres (12 out 2017)

      A Bárbara e o Henrique saíram cedo para a Gare du Nord para retirar o carro que havíamos alugado para viajar pela Bretanha. O trânsito intenso naquela hora da manhã atrasou muito a chegada deles de volta ao hotel, mas finalmente conseguimos sair em direção a Chartres, que fica no caminho entre Paris e Dinard, nosso destino final. 
      Sair de Paris não é uma tarefa fácil por causa do trânsito, mas assim que pegamos a auto estrada foi uma beleza e o carro parecia deslizar num tapete macio e sem saliências. A bruma encobria um pouco da paisagem, atrapalhando a vista.
      Chartres fica a pouco menos de 100 km de Paris. Chegamos lá no horário do almoço então, antes de qualquer passeio, decidimos almoçar. Depois do delicioso almoço fomos caminhando até a catedral gótica, construída na Idade Média. Aquela obra durou muitos anos: iniciou no ano de 1020 e só foi concluída em 1064. Devastada por um incêndio, que por milagre não destruiu seus famosos vitrais, foi reconstruída entre 1193 e 1250.
      A catedral de Chartres é famosa por seus fantásticos vitrais que ocupam uma área de quase 3000m² com ilustração de várias passagens bíblicas. São mais de 150 vitrais enormes, numa tonalidade azul tão peculiar que é conhecida como "bleu de Chartres".
       As esculturas em pedra no interior da catedral são lindas! A altura do teto da nave central impressiona, mas a visão dos vitrais iluminados pela luz do sol é de tirar o fôlego.
      Além dos famosos vitrais a Catedral de Chartres tem o maior labirinto da França. No centro do labirinto uma placa descreve a batalha de Teseu e o Minotauro, um mito do Palácio de Knossos, na Grécia, e seu labirinto.
      Sentei numa das cadeiras que ficava próxima do altar para fazer uma oração agradecendo a Deus a oportunidade de ver de perto tamanha maravilha. Fiquei ali algum tempo imaginando o povo simples e ignorante da idade média diante da imponência e beleza daquela construção que, sem dúvida, os deixava intimidados, quase amedrontados. Olhei para a rosácea que tem no centro a figura de Maria com o Menino Jesus e tentei sentir o que os peregrinos sentiam ao ver aquela imagem. Se hoje, século 21, a catedral impressiona, posso imaginar como o povo da idade média se sentia naquele ambiente religioso intimidador...
      A Catedral de Chartres é área de peregrinação e faz parte do Caminho de Santiago de Compostela. Nas ruas vimos algumas placas indicativas do caminho de Santiago.
      Seguimos viagem para Dinard onde chegamos ao anoitecer, por volta das 19h. Já estava escuro, e nós estávamos cansados da viagem. Nosso apartamento, de frente para o mar, era grande e espaçoso. A sala enorme, uma varanda que ocupava toda a extensão da sala e dos quartos ficava bem em frente ao Canal da Mancha e, lá no fundo, delineava a pequena cidade murada de Saint Malo, destacando a pontiaguda torre de sua igreja.
      Deixamos a bagagem no apartamento e saímos para comer no único restaurante aberto, que ficava bem próximo do hotel. Depois demos uma volta no calçadão da praia. Eu e Helena pudemos matar as saudades daquele lugar que nos conquistou anos atrás e retornamos para casa. Acho que eu já estava dormindo quando minha cabeça tocou o travesseiro. Dormi direto até por volta das 3 horas da manhã e quando acordei vi que a maré, que já tinha subido mais e 10 metros, estava começando a recuar. O murmúrio das ondas quebrando na praia convidavam a oração. Foi o que fiz.
     A dor no peito, na altura do esterno e em volta da garganta estava mais forte. Fiquei apreensiva... A ideia da progressão da doença me assusta nestas horas. Aproveitei meu momento de oração para pedir por um milagre que me livre das dores e da doença que a medicina não é mais capaz de controlar. Quem sabe, já que estou em terras celtas, cheias de lendas e magias, o Mago Merlin possa fazer sua mágica...

Um giro em Paris (11 out 2017)

     Acordamos tarde e como já havia encerrado o horário do café da manhã no hotel saímos para comer numa boulangerie, que ficava bem pertinho do Sena. Lanchamos sem pressa, apreciando a paisagem e saboreando as delícias das padarias francesas.
      Enquanto caminhávamos nas margens do rio percebemos um movimento anormal de policiais na rua e muitas viaturas. Achamos mais prudente nos distanciarmos daquele movimento todo, afinal não fazíamos a menor ideia do que poderia estar acontecendo.
     Voltamos para o hotel e assim que chegamos na recepção a Raquel veio nos informar toda animada que minha filha já estava hospedada, mas que saíra com o marido para almoçar. A Raquel é uma das recepcionistas do hotel e é uma simpatia de pessoa, muito atenciosa com todos os hóspedes. Só para dar um pequeno exemplo: a Helena comentou com ela que eu não estava passando muito bem e, na mesma hora, ela mandou levar uma bandeja com chá para que eu pudesse me sentir um pouco melhor. A gentileza dela conquistou todas nós, derretendo nossos corações.
     Subimos para o quarto para descansar um pouco e, quando estávamos saindo para almoçar, ainda no corredor, dei de cara com a Bárbara vindo ao meu encontro com um enorme sorriso no rosto. Acho que congelei e, como em câmera lenta, caminhamos ao encontro uma da outra e nos abraçamos emocionadas. Chorei de emoção. Um misto de alegria, saudades, surpresa... Eram mais de oito meses de saudades acumuladas e foi bom demais poder tocá-la, sentir seu cheiro, olhar dentro dos seus olhos e sentir a explosão de amor tomar conta de nós duas. Como é bom amar e se sentir amada.
     Depois de curtir um pouco a emoção do reencontro saímos todos para almoçar, afinal estávamos famintas. A Bárbara e o Henrique nos acompanharam ao restaurante para tomar um vinho enquanto almoçávamos. Comemos sem pressa, papeando e matando as saudades, brindando aquele reencontro e curtindo antecipadamente a viagem que faríamos juntos para a Bretanha no dia seguinte.

Um giro em Paris (10 out 2017)

     Saímos depois do café da manhã e fomos caminhando sem pressa até a Uniqlo. Queríamos comprar algumas blusas bem quentinhas para enfrentarmos o frio da Bretanha. 
     Não foi uma caminhada fácil para mim porque eu não estava me sentindo muito bem. Do nada eu começava a suar frio e enjoava. Acho que era efeito colateral da última quimioterapia. Toda hora eu precisava parar perto de alguma lixeira para vomitar e, do mesmo jeito que o mal estar vinha ele desaparecia como que por encanto.
     Compramos alguns agasalhos quentinhos e depois paramos para almoçar. Tive que encarar apenas uma sopa de legumes, que por sinal estava uma delícia, porque o mal estar não me deixava com coragem para comer nada além de uma sopinha.
     Batemos perna sem pressa de chegar a lugar algum, olhamos vitrines, sentamos nas praças para apreciar o movimento e descansar um pouco. Ficamos apenas vendo a vida passar, as árvores perdendo suas folhas para o outono, as calçadas cobertas de folhas amarelas. Gosto de sentar e ficar observando aquele monte de gente apressada correndo de um lado para o outro, turistas fotografando tudo, ruas lotadas, tráfego caótico, buzinas rasgando o ar... Fico tentando imaginar o que se passa na cabeça das pessoas... Um monte de pessoas anônimas dividindo o mesmo espaço na cidade luz...
      Ao entardecer fomos para a beira do Sena apreciar o por de sol. Pegamos um belo dia de céu azul e temperatura agradável, ideal para bater perna e andar sem destino pela linda Paris, e ideal para ser encerrado com um fantástico por de sol.
     Quando o cansaço tomou conta do grupo pegamos um táxi de volta ao hotel. A noite, quando a fome reclamou, fomos a um restaurante próximo para tomar uma deliciosa sopa de cebola. Adoro a sopa de cebola gratinada servida na cidade. É boa demais.

Chegada em Paris (9 out 2017)

     A viagem foi um pouco cansativa por causa das muitas horas de voo. Saímos de Brasília para Lisboa no dia 8 de outubro, e de lá fizemos conexão para Paris. Chegamos muito cansadas, afinal não somos mais crianças e o tempo cobra um tributo alto...
     Fizemos nosso check in com a Raquel, uma jovem muito atenciosa e gentil, e saímos para almoçar. Nosso hotel ficava próximo da Rue Rivoli, cheia de lojinhas e restaurantes. Depois do almoço caminhamos um pouco pela margem do Sena, atravessamos a Pont Neuf, que está cheia de cadeados que os turistas penduram (uma prática que tem causado muitos problemas), e fomos até a Igreja de Notre Dame. 
     No caminho até a igreja vimos alguns mendigos com seus animais de estimação, esmolando nas calçadas e pontes, e guardando cuidadosamente uma moeda e outra que alguns transeuntes colocavam em seus chapéus. Observei o carinho com que aqueles mendigos cuidavam de seus bichinhos. Um senhor barbudo abraçava carinhosamente seu cachorro que recostava a cabeça em seu peito com a melhor cara dengosa do mundo. Outro senhor tinha três cachorros, dois no colo e um enrolado num cobertor que parecia bem quentinho. Na Pont Saint Michel, uma idosa estava sentada com dois coelhos que comiam algumas folhas de alface bem verdinhas. Já vi muitos mendigos com cachorros, mas com coelhos de estimação foi a primeira vez. Os mendigos sempre cobram uma moeda dos turistas que querem tirar suas fotos. Colaboramos com uma moeda também.
      Fiquei sabendo que a prefeitura não recolhe os mendigos com animais de estimação porque são obrigados a colocar os animais albergados também. Como fica muito caro albergar animais os fiscais da prefeitura fazem vista grossa para a prática e os mendigos continuam pelas ruas da cidade esmolando e contando com a empatia das pessoas por seus animais...
     Na igreja de Notre Dame ficamos sentadas na praça algum tempo observando o vai e vem dos turistas fotografando a catedral de todos os ângulos e fazendo selfies, enquanto ouvíamos o burburinho incessante da cidade. Como estávamos muito cansadas da viagem fomos voltando devagar para o hotel. Dormimos pesadamente naquela noite, auxiliadas pelo silêncio que reinava no hotel, apesar da proximidade com as ruas movimentadas.

Revendo minha filha

      Minhas férias da quimioterapia chegaram ao fim. Que pena.
     Cheguei de viagem ontem e desci do avião enjoando. Acho que comi alguma coisa que não me caiu bem... Vomitei muito, mas tomei um chá de boldo feito pela minha mãe e hoje amanheci nova.
      O início da viagem foi um pouco difícil. Do nada eu começava a suar frio e enjoava muito e, do mesmo jeito que o enjoo vinha ele desaparecia como se nada tivesse acontecido. Apareceram alguns sintomas novos que desapareceram aos poucos. Ainda bem, pois cheguei a ficar preocupada porque eram três semanas de férias antes de retornar a Brasília. Tive dois episódios de diarréia na primeira semana, vomitei bastante, mas depois fiquei bem e pude curtir muito minha viagem pela Bretanha. O melhor de tudo foi rever minha filha e viajar com ela por lugares que eu gosto tanto.
     Nosso reencontro foi no hotel em Paris. Ela havia me avisado que só chegaria por volta das 15h então, eu e minhas amigas, saímos para passear na beira do Sena pela manhã, sem pressa, observando a paisagem, o vai e vem das pessoas, o burburinho daquela cidade encantadora. Quando voltamos ao hotel, antes do almoço, a recepcionista me avisou que ela já havia chegado mas que tinha saído para almoçar. Subimos para o quarto e quando estávamos saindo, no corredor, dei de cara com minha filha vindo ao meu encontro com o melhor sorriso do mundo estampado no rosto.
     Foi como se o tempo parasse... Fiquei provavelmente com cara de boba. Como em câmera lenta nos aproximamos uma da outra e nos abraçamos apertadas para diminuir a saudade, como que para ter certeza de que estávamos novamente juntas, uma sentindo a outra, cheirando a outra... Me vi chorando de emoção. Um amor imenso inundando meu coração. Foi bom demais aquele reencontro, aquele abraço, aquele sentimento explodindo em risos, lágrimas, toques sutis...
     Não sei dizer quanto tempo ficamos ali abraçadas. Alguns minutos decerto, mas valeram como uma eternidade. Quando as emoções serenaram nos demos as mãos e saímos todos juntos para o restaurante. Ela e o marido já tinham almoçado mas eu e minhas amigas estávamos famintas. 
     Depois do almoço voltamos para o hotel, descansamos um pouco e saímos passeando juntos. Mais tarde eu e minhas amigas voltamos para descansar enquanto eles continuaram curtir a cidade. Nada como a energia e animação da juventude. A idade cobra seu tributo e é melhor não exagerar. Dormimos cedo, pois no dia seguinte iríamos seguir viagem de carro para a Bretanha e, no caminho, estava planejado pararmos em Chartres, para conhecer a famosa catedral gótica da idade média.

Preparando para minhas férias de quimioterapia

     Quarta-feira a noite senti minha garganta arranhar e não deu outra, gripei. Também, com esse tempo maluco que ora está quente, quase cozinhando a gente e, de repente, faz um frio danado, não há corpo que resista sem ao menos pegar um resfriado. Agora, além de falar baixinho ainda estou rouca.
      Ainda bem que o dia da minha viagem de férias está chegando. Estou muito animada. 
      Na quarta-feira tive consulta com o Dr. Igor, já que minha oncologista, a Dra. Daniele, está de licença gestante. Sua filhinha estava um pouco apressada e acabou chegando antes do esperado. 
      O Dr. Igor ficará atendendo os pacientes da Dra. Daniele durante sua licença. Gostei muito dele. É um médico com uma cara muito boa e me pareceu muito atencioso. Aliás, a bem da verdade, toda a equipe do Hospital Sirio-Libanês é muito boa, não dá para negar.
      Conversei com o Dr. Igor sobre a proposta  da Dra. Dani para que eu fizesse o teste genético da Foundation One para saber se existe alguma droga que consiga barrar o avanço do câncer que, no meu caso, saiu do controle porque já fiz todos os protocolos disponíveis para casos como o meu. Falei com ele que pensei muito sobre o assunto e decidi que não farei o teste. Não quero criar falsas expectativas para depois ficar frustrada porque não há nada que realmente possa ser feito. Prefiro deixar como está e ir vivendo um dia de cada vez e sendo feliz com o que tenho em minhas mãos agora, como minha próxima viagem por exemplo.
     Ele apoiou minha decisão. Além do mais, como eu sempre disse e acredito, temos prazo de validade. Quando chega nossa hora de partir não adianta espernear porque vamos morrer mesmo então... nesse intervalo entre o nascer e o morrer quero mais é ser feliz agora.
      Ontem fiz apenas o herceptin, para que eu possa viajar e aproveitar minhas férias. Quero aproveitar minha viagem para a Bretanha e curtir aquela natureza selvagem, indomável. Quero ver de perto, mais uma vez, aquelas incríveis marés que sobem mais de 15 metros em poucos minutos. Quero caminhar pelas florestas, observar as belíssimas hortências que crescem em todos os lugares enchendo o mundo de flores coloridas. Minha conexão com Deus fica muito mais forte quando estou em contato com a natureza e é isso que vou encontrar na Bretanha. Lá também posso encontrar o encanto da Floresta de Brocéliande e a magia de Merlin... 
      Estou contando os dias, principalmente porque vou encontrar minha filha em Paris e de lá viajaremos juntas para a Bretanha. Será muito legal! Vamos ficar juntas uma semana e então ela seguirá viagem enquanto eu permaneço mais alguns dias em Dinard, antes de voltar para Brasília.
      Na volta para Brasília terei que fazer o PET mais uma vez para avaliar a eficácia do folfiri. Quem sabe as notícias desta serão melhores do que no último PET; afinal tem a mágica do Merlin que vou encontrar em Brocéliande e o milagre do Pai, nosso criador.

Terceiro ciclo do folfiri

Ninguém merece conviver com os efeitos colaterais do folfiri. Deus me livre! 
Agora estou parecendo uma rainha, pois não saio mais do trono. É diarréia que não acaba mais.
Minha oncologista prescreveu imosec no primeiro episódio de diarréia após esse terceiro ciclo para evitar que eu perca mais peso e desidrate. Estou usando também um probiótico para restaurar a flora intestinal que nesta altura do campeonato deve estar bem judiada.
Outro efeito colateral, que apelidei efeito Michael Jackson ao contrário, é que minha pele está ficando preta. Os nós dos dedos já estão bem escuros e o meu rosto também. A pele também está bem ressecada.
O enjoo me tira do sério e a fadiga... nem me fale. Tenho as vezes a impressão de que não consigo segurar nem um copo porque meus braços ficam trêmulos. A musculatura fica bem fraquinha e caminhar é outra tarefa muito difícil.
Como vou viajar no próximo dia 8 esta foi a última quimioterapia antes da viagem. No laudo médico a Dra. Daniele escreveu que estou em férias de quimioterapia. Que delícia. Eu mereço estas férias e estou precisando muito delas. Não vejo a hora de embarcar, rever a Bretanha e encontrar minha filha que não vejo a mais de sete meses. Será bom demais.
Na volta da viagem foi fazer outro PET para ver como está a doença. Espero que desta vez as notícias sejam melhores do que no último PET. Quem sabe um milagre aconteça...

Segundo ciclo do folfire

     Na última quarta-feira fiz o segundo ciclo do folfire, apesar de minha imunidade estar baixa. A Dra. Daniele entendeu valer a pena fazer mais um ciclo de quimioterapia antes de minha próxima viagem em outubro.
     Estou animada com a viagem, apesar de ainda estar me sentindo bastante fraca e cansada. Os efeitos colaterais desse novo protocolo são cruéis, mas meu novo gastro, o Dr. Fernando Castro, me deu várias orientações que fizeram cessar a diarréia e diminuíram o excesso de gazes que me deixavam louca. O Dr. Fernando é um encanto de pessoa e um médico muito atencioso. Ele prescreveu um probiótico, além de uma alimentação mais leve, em pequenas quantidades e mais frequente. Está funcionando.
     Ontem eu estava me sentindo muito fraca, passei a maior parte do dia dormindo. Hoje saí cedo para fazer um novo hemograma que confirmou que minha imunidade baixou mais ainda. Entrei em contato com a Dra. Daniele, minha oncologista, que acabou por prescrever uma dose de neulastin para resolver o problema o mais rápido possível afinal, com uma leucopenia severa, fico muito exposta a infecções. Fiz o neulastin pela manhã e sei que vou melhorar. 
     Quando estava no hospital aguardando para fazer a medicação encontrei o Dr. Fernando que acompanhava sua esposa para fazer uma medicação. Ficamos papeando na recepção enquanto esperávamos atendimento e foi um momento agradável. Todos conversavam animadamente e ninguém estava com cara de enterro. Isto é ótimo.
     Prefiro focar minha atenção na próxima viagem. Até lá quero estar zerada, inteira, para encarar alguns dias passeando e curtindo a vida. Não quero ficar pensando em doença afinal, há muito decidi que trato para poder viver e não vivo para me tratar. Sendo assim, de vez em quando tiro umas férias para curtir tudo de bom que a vida pode oferecer. É a minha pausa para viajar.

Novo protocolo: Folfiri e Herceptin

     Na quinta-feira fiz o herceptin e foi colocada a bomba de infusão para o folfiri. Essa bomba portátil libera a medicação ininterruptamente por 46 horas. Hoje pela manhã fui retirar o mecanismo.
      Senti bastante enjôo e não escapei de ter que usar o vonau flash para não vomitar. Detesto ter que usar esse tipo de medicação porque costuma prender o intestino e aí a emenda fica pior do que o soneto. Espero que agora eu fique bem, sem enjoar.
     A bomba que libera a medicação emite um ruído discreto mas, no período da noite, o ruído pode incomodar um pouco. Não foi meu caso, confesso. Consegui dormir sem problemas, apesar do ruído.
     Vou fazer esse protocolo a cada 15 dias. Tomara que faça o efeito esperado e interrompa a evolução alucinada da doença. Vamos ver.
    

Resultado do PET: avanço da doença com preservação dos órgãos vitais

     O tratamento que iniciei depois do PET que fiz em junho não fez o menor efeito e a doença avançou um bocado. Na realidade, depois de ter esgotado todos os protocolos para casos como o meu, qualquer coisa daqui para frente é apenas paliativo, uma tentativa de bloquear o avanço da doença.
     Eu já sabia que isto poderia acontecer mas, nessa altura do campeonato, prefiro ter qualidade de vida do que um pseudo aumento no tempo de vida. Não tenho a menor vocação para ficar vegetando como uma cenoura em cima de uma cama. Só quero continuar viva enquanto eu puder fazer as coisas que gosto, enquanto puder interagir com as pessoas que amo, enquanto puder viajar, comer bem, tomar um bom vinho, apreciar as belezas da natureza...
     Eu já tinha negociado estas coisas com minha médica. Estou segura do que desejo para minha própria vida e fui taxativa ao dizer que prefiro reduzir pela metade minha expectativa de sobrevida, desde que seja com qualidade. Não tenho vocação para mártir e nem quero ser modelo de força e coragem e ficar sofrendo dia após dias, sem perspectiva de melhora para, no final das contas, acabar morrendo cheia de dores.
     A conclusão do PET que fiz agora em agosto mostrou que houve um aumento em torno de 50 a 70% no metabolismo das lesões já existentes e ainda surgiram novas lesões. Uma verdadeira festa maligna. Que merda! Mas, fazer o quê? Tenho que lidar com a realidade sem entrar em desespero.
     Considero, no entanto, que ainda estou no lucro tendo em vista que meus órgãos vitais continuam preservados. Considero isto uma grande vantagem.
     Eu já estava com uma viagem agendada para outubro e minha médica disse que posso continuar com meus planos. Não faz o menor sentido deixar de fazer o que gosto para ficar curtindo tristeza. Nessa altura do campeonato o melhor a fazer é viver intensamente enquanto ainda tenho tempo e energia para isto. Será apenas mais uma pausa para viajar.

Conversa com o Mago Merlin durante a radioterapia

Já faz algum tempo que não escrevo nada. É que minha mão direita anda inchando muito e por isto preciso mantê-la para cima o maior tempo possível e, sendo assim, tenho que ficar longe do computador e de qualquer outro movimento repetitivo. Minha mão esquerda voltou ao normal depois que fiz o esvaziamento axilar então, para evitar qualquer problema, é melhor não fazer nada repetitivo com ela também.
Fiz o esvaziamento axilar esquerdo no dia 11 de maio e um mês depois, para minha frustração, já havia um nódulo de um cm fazendo festa na axila. Não tive alternativa que não fosse encarar as 25 aplicações de radioterapia. Já fiz treze aplicações, e ainda preciso fazer mais duas semanas e meia de tratamento.
No dia 14 de junho fiz o PET que evidenciou o aparecimento desse linfonodo na axila, com acentuado aumento de metabolismo. O linfonodo supraclavicular direito está estável e houve redução do metabolismo no linfonodo infraclavicular direito. O linfonodo gástrico, no entanto, deu uma piorada,  e ainda apareceu um retroperitoneal. Ninguém merece.
As lesões no músculo peitoral aumentaram sua atividade metabólica bem como a lesão no esterno. As demais lesões ósseas ficaram estáveis e o restante também.
Parece até uma tragédia, mas o diabo nem está tão feio quanto parece. De um modo geral estou bem e tolerando sem maiores problemas a radioterapia. Minha pele na região da axila está resistindo bravamente ao tratamento, mas também faço uso três vezes ao dia do creme que o hospital recomendou.
Quando entro na sala gelada de radiação procuro relaxar como aprendi com minha psicóloga. Assim que deito na máquina fria fecho os olhos e começo minha viagem para lugares onde me sinto bem. Como gosto muito de mata num instante me vejo na floresta de Broceliande, na Bretanha, conversando animadamente com o Mago Merlin. Andamos pela mata até a Fonte da Juventude e então a mágica acontece. Ao invés de pensar na radiação emitida pela máquina, penetrando meu corpo para destruir as células cancerígenas, prefiro imaginar que Merlin está usando sua varinha mágica para matar de uma vez por todas essas células malignas que insistem invadir meu corpo. É bem mais fácil e divertido brincar de mágica do que pensar na radiação.
A brincadeira com a mágica deve estar funcionando bem porque estou conseguindo fazer o tratamento sem sentir tantos efeitos colaterais como tive nas duas outras experiências com radioterapia.
O tratamento é diário, mas é muito rápido. O tempo gasto da hora que entro na sala e sou preparada para o início do procedimento até a hora de sair deve durar aproximadamente quinze minutos. A radiação propriamente dita é breve e dura entre um e dois minutos no máximo. É o suficiente para a eficácia do tratamento e desde a primeira aplicação já comecei a sentir um discreto desconforto na axila. Nada significativo, apenas um pequeno desconforto até o momento e espero que continue assim até o final.

Início de novo protocolo

     A ideia do tratamento com o herceptin, a carboplatina e o taxol estava me deixando apreensiva, pois já fiz dois ciclos desse protocolo em 2007 e tive uma neurotoxicidade periférica intensa que provocou paresia e parestesia das quatro extremidades. Na mesma ocasião tive paralisia da prega vocal e perdi a voz. Hoje recuperada, minha voz, além de rouca, é muito baixa e, vez por outra, fica quase inaudível.
     Entendi que esse protocolo é top. A rainha das medicações para casos como o meu. Pensei muito e, por fim, optei por não fazer o tratamento proposto pelo Dr. Fernando e iniciei um novo protocolo com o acompanhamento de outra oncologista, a Dra. Daniele Assad.
     Encerrar meu tratamento com o Dr. Fernando e sua equipe não foi fácil, mas depois de muita reflexão, e tomada a decisão de mudar, fiquei bem comigo mesma. Confio na Dra. Daniele, que já fez parte da equipe do Dr. Fernando e que agora faz parte da equipe do Hospital Sirio-Libanês.
     Iniciei o novo protocolo na última sexta-feira. Estou fazendo o herceptin na veia, a cada 21 dias (agora também existe a possibilidade de fazer essa medicação subcutânea). Também estou usando 1 comprimido de ciclofosfamida todos os dias, e dois comprimidos de metrotrexato duas vezes por semana. Uso também o Xgeva subcutâneo a cada 28 dias.
     Considerando que a maior parte do câncer metastático, que havia se espalhado para os gânglios da axila esquerda, foi retirado na cirurgia, e que ainda farei radioterapia nos nódulos remanescentes supraclaviculares e subpeitoral, optamos por deixar o protocolo mais agressivo como uma carta na manga, que poderá ser usado no futuro, se houver necessidade.
     Vamos experimentar essa abordagem nova por dois meses, repetir os exames para ver como meu organismo está respondendo, para decidir o que fazer daí para frente. Estou confiante que dará certo, pois o volume de doença, sem dúvida, diminuiu muito. Não sinto mais dor no braço esquerdo e os marcadores tumorais diminuíram consideravelmente.
     Até agora todas as decisões que tomei em relação ao tratamento foram benéficas para mim, afinal estou sobrevivendo as metástases há dez anos.  Estou sem dor e considero minha qualidade de vida muito boa até agora. É claro que já tive altos e baixos mas, nesse momento, estou bem. A cirurgia foi um sucesso e saber que fiquei livre da maior parte do câncer metastático teve um efeito psicológico muito positivo em mim.

Retirada de pontos cirúrgico e retomada dos ciclos quimioterápicos

     Na última sexta-feira tive consulta com o Dr. Fernando. Ele olhou a área da cirurgia na axila esquerda, disse que a cicatrização está ótima e perguntou-me se está mesmo descartada a ideia de fazer radioterapia. Respondi que por hora sim, mas que estou ciente de que pode ser que seja preciso fazer esse procedimento no futuro (espero sinceramente que isto não seja necessário).
     Ficou acertado que retomarei os ciclos de quimioterapia na próxima sexta-feira, quando completam 15 dias da cirurgia. Ficou também acertado que o novo protocolo será: carboplatina, taxol e herceptin, além do Xgeva. Já fiz dois ciclos com esse protocolo quando iniciei o tratamento há dez anos e, como já fiz todos os protocolos disponíveis para o meu caso, ele achou melhor repetir o tratamento que é o mais indicado para quem é HER2 positivo (a biópsia comprovou que os tumores na axila continuam sendo HER2 positivo). A imuno-histoquímica ficará pronta na próxima semana.
     Ontem fui retirar os pontos cirúrgicos com a Dra. Fátima. Foi tranquilo e indolor. Ela ficou satisfeita ao conferir que não existe acúmulo de líquido no braço que está normal e sem sinal de edema. Acho tão bom ver as ruguinhas em meus dedos e não sentir mais dor. É um verdadeiro alívio.
     A Dra. Fátima também ficou muito satisfeita quando conferiu que já estou conseguindo abrir e levantar completamente o braço operado. Isto é ótimo e assim não será preciso nem mesmo fazer fisioterapia. Agora é cuidar do braço com carinho para que ele continue bem. Para isto procuro mantê-lo elevado o maior tempo possível e evito ficar fazendo qualquer movimento repetitivo.
     Agora, o problema maior é que tenho que tomar o maior cuidado com ambos os braços. Não posso aferir pressão em nenhum deles e muito menos tomar injeção ou retirar sangue. Daqui para frente, aferir pressão arterial, só na perna, e retirar sangue terá que ser feito no pé, onde é bem mais dolorido. Mas, o que não tem remédio remediado está.

    

Cirurgia para retirada de nódulos na axila esquerda

     Entrar na sala gelada de um centro cirúrgico, para um procedimento agendado, é um tanto quanto assustador, por mais que o paciente tenha total confiança em seu médico.
     A Dra. Fátima é minha mastologista desde que tive o câncer primário em 1998 e tenho absoluta certeza de que eu não poderia estar nas mãos de uma cirurgiã mais competente e segura, mas os demais membros da equipe eram totalmente desconhecidos para mim.
     Deitei na maca coberta por lençóis imaculadamente brancos e no mesmo instante senti um calorzinho confortável acariciando meu corpo gelado, me livrando da sensação de estar exposta no ártico. Era uma espécie de aquecedor usado pelo hospital para dar mais conforto ao paciente que não está acostumado com um ambiente tão frio como o de um centro cirúrgico.
     O médico anestesista procurou me deixar bem relaxada brincando comigo. Como não é possível puncionar meu braço direito porque não tenho os gânglios linfáticos eles inicialmente puncionaram minha mão esquerda para iniciar o processo de anestesia. A Dra. Fátima avisou que não seria possível manter o acesso na mão esquerda porque ela iria operar a axila naquele lado então o anestesista avisou que só iria fazer o procedimento para que eu adormecesse antes de puncionar o veia jugular, em meu pescoço. Isto foi feito para evitar o desconforto da punção direta na jugular. Achei melhor assim.
     O anestesista aplicou uma injeção mas não senti sono. Fiquei deitada observando aquelas luzes acima da maca enquanto ouvia a Dra. Fátima discutindo os procedimentos cirúrgicos com a médica auxiliar. Ficou decidido que o tempo necessário para a anestesia seria de duas horas já que a cirurgia estaria concluída em uma hora e meia. O anestesista colocou a máscara em meu rosto e eu apaguei imediatamente.
     Acordei na sala de recuperação sem dor e com o braço e minha mão esquerda com a coloração normal. O inchaço tinha desaparecido como por encanto. Demorou um pouco até eu ser liberada para o quarto.
     Liguei para a Dra. Fátima assim que pude para agradecer o sucesso da cirurgia. O fato de estar com o braço normal, desinchado e sem dor, quando acordei da cirurgia; ver as rugas dos meus dedos no lugar de sempre me deixaram feliz da vida. Ela riu e brincou: você acha mesmo que fiz tudo aquilo para você continuar sentindo dor? Olha, a cirurgia foi muito maior do que previ. Perdi pelo menos um ano da minha vida e, para compensar, você tem que viver no mínimo mais dez anos.
     Isso é a cara da Dra. Fátima Vogt. Ela é ótima! Uma cirurgiã competente, mastologista comprometida com suas pacientes. Uma médica como poucas. Sou sua fã número um.
     Ela me explicou que o comprometimento na axila esquerda era bem maior do que os exames clínicos sugeriam. Foi necessário esvaziar os níveis um e dois para retirar todos os gânglios doentes. Um bloco deles estava comprimindo a artéria do braço causando com isso o inchaço e a dor. Ela limpou tudo e me livrou do problema.
     Tenho que agradecer primeiro a Deus que sempre me protege colocando em minha vida profissionais competentes e comprometidos. Agradecer a Dra. Fátima e a equipe que batalharam mais de três horas na cirurgia e conseguiram resolver meu problema. Agradecer a família e aos amigos que fizeram uma corrente de orações para que tudo desse certo.
     Agora é olhar para frente, aguardar o resultado da imuno-histoquímica para recomeçar a quimioterapia, tocar a vida e ser feliz com o que tenho nas mãos. Sou uma pessoa de sorte e ainda estou dentro do meu prazo de validade, e com qualidade de vida. Olha que legal!

Nódulos na axila esquerda, dedos inchados e mão doendo

     O resultado do último PET indicava que a doença estava sob controle, mas os sintomas me faziam  acreditar que nem tudo estava tão bem assim, mas como contrariar o resultado de um exame tão sofisticado?
     Não demorou muito e meu braço esquerdo começou a doer. Não era nenhuma dor insuportável, mas aquela dor chata que não deixa esquecer que aquele pedaço do corpo existe. Para piorar o quadro, um belo dia minha mão esquerda amanheceu inchada e doendo. A dor era mais forte do que no braço, então procurei o Dr. Fernando para mostrar que alguma coisa não estava funcionando bem.
     Ele me examinou e se mostrou preocupado com o quadro. Pediu que o médico reavaliasse o resultado do PET e suspendeu a quimioterapia para decidir o que fazer dali em diante.
     Depois de discutirem meu caso o Dr. Fernando decidiu que o melhor seria fazer uma mamotomia para ver se houve alguma mutação no tipo de câncer que se espalhou nos gânglios da axila esquerda e também fazer radioterapia na axila.
     Não gostei da ideia da radioterapia porque passei muito mal das outras vezes em que precisei fazer o procedimento na mama e no esterno.
     A Dra. Carol pediu uma ecografia da axila para conferir os nódulos que haviam se espalhado pelo local e ficou comprovado que eram seis nódulos na axila, sendo que o maior media 4 cm, e mais quatro outros nódulos entre a axila esquerda e a mama.
     Procurei minha mastologista, a Dra. Fátima Vogt. Falei que eu não gostaria de fazer radioterapia novamente e queria a opinião dela sobre o assunto. Ela conversou com a Dra. Carol por telefone e depois de discutirmos o assunto demoradamente ficou decidido que eu faria a cirurgia para retirar os nódulos porque, ao que tudo indica, os nódulos podem estar comprimindo a artéria do braço e provocando o inchaço em minha mão. Nesse caso, a radioterapia poderia até piorar o quadro.
     Confio na Dra Fátima e tenho certeza de que ela fará o que for melhor para mim. Afinal ela acompanha meu caso desde que tive o câncer primário em 1998. 
     Foi um corre corre agilizar tudo para que a cirurgia possa ser feita na próxima quinta-feira, afinal já faz um mês que parei de fazer quimioterapia e o Dr. Fernando não quer que eu interrompa o tratamento por muito mais tempo. 
     Lá vou eu para mais uma cirurgia. É o que tenho para o momento. Agora é torcer para que isto resolva o problema, e estou confiando que dará certo. Tenho para mim que ainda estou dentro do meu prazo de validade...



   

Quem sou?

Tenho alma equina,
Sou potranca selvagem correndo livre pelas savanas.
Ora sou líder do bando, ora apenas faço parte da manada.
Sou puro sangue, sou pangaré, sou cavalo baio, sou equina.

Sou ave de rapina.
Sou águia voando sob o céu azul e o sol inclemente.
Sou um falcão peregrino cortando o ar, sou um carcará brasileiro,
Sou coruja ou um frágil colibri.

Sou vegetal.
Sou carvalho frondoso ou um impressionante baobá,
Sou salgueiro chorão deitado a beira do rio,
Sou manacá de cheiro, sou flor,
Sou grama rasteira.

Sou felina.
Sou gata selvagem ou onça pintada,
Sou leoa caçando ou tigresa no cio.
Sou lince correndo,
Sou jaguar, sou gata doméstica dormindo no sofá.

Sou água cristalina escorrendo gelada no curso sinuoso do regato murmurante.
Sou água revolta batendo contra pedras no rio e caindo barulhenta na espetacular cachoeira.
Sou onda que quebra na praia.
Sou gota de chuva ou gota de orvalho.

Sou mineral.
Sou o duro granito,
Sou montanha, sou colina,
Sou areia da praia ou cascalho do rio.

Sou mulher. X mais Y. Masculino e feminino.
Sou feminina, com sutis toques masculinos, sem perder a graça.
Sou mãe protetora, exigente, carinhosa, ciosa de sua cria.
Sou filha preocupada com a mãe agora anciã,
Sou irmã, sou amiga, sou cidadã do mundo.

Para muitos sou a Lourdinha, para outros sou a Lou.
Para poucos sou Maria e para menos ainda sou Maria de Lourdes,
Quem sou eu?
Sou uma mistura de todos os elementos.
Sou amálgama: terra, fogo, água e ar.

Quem sou eu?
Alguém me define?












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Resultado do PET

     Eu estava apreensiva com o resultado do PET, pois os marcadores tumorais indicavam que a doença poderia ter saído do controle. Preferi pegar o resultado apenas no dia da consulta, e nem tive coragem de ler o laudo antes que a Dra. Carol o fizesse.
     Ela estava concentrada na leitura do laudo e eu concentrada na expressão de sua face para tentar descobrir se a coisa estava feia mesmo ou se tinha sido apenas um falso positivo o resultado dos marcadores tumorais.
     Ela lia, marcava algumas coisas com a caneta, mas sua expressão não me parecia alarmada e isso me deixou animada. No final da leitura ela olhou para mim e disse: "oh minha bichinha o remédio está fazendo efeito". A doença só avançou nas axilas, e já é possível ver o tamanho dos nódulos a olho nu, sem precisar tocar, mas no geral está controlada. Isto é uma boa notícia. 
     Respirei aliviada ao saber que meus órgãos vitais continuam preservados. O resultado da ressonância magnética do cérebro está normal, fígado, pâncreas e rins também estão bonitinhos, sem nenhum sinal de câncer. Ufa! Ainda continuo ganhando da doença. O pulmão continua mostrando lesões mas, sinceramente, eu continuo afirmando que não pode ser câncer. Ainda acho que é apenas consequência da radioterapia. Se fosse câncer já teria me ferrado há tempos.
     Eu sabia que os nódulos embaixo da axila esquerda deveriam ter aumentado porque o braço está doendo e a dor piora quando levando o braço. Já é possível sentir o tumor porque ele faz uma protuberância sob a pele. Ainda bem que não é uma dor insuportável. É apenas aquele tipo de dor que não deixa você esquecer que tem braço e axila.
     A Dra. Carol vai discutir o assunto com o Dr. Fernando para decidir o que fazer com relação aos nódulos da axila. Ela acha melhor fazer uma punção para ver se o câncer nessa região continua a ser o HER2 positivo ou se houve alguma mudança. Se a lesão continuar crescendo talvez seja necessário fazer radioterapia, coisa que não me agrada muito. Será que não será melhor tirar logo essa encrenca e ficar livre desses tumores de uma vez por todas? Vou conversar sobre isto com o Dr. Fernando e a Dra. Carol em nossa próxima consulta.

Marcadores tumorais nas alturas - Será que a doença realmente avançou?

     Assim que cheguei da viagem que fiz a Portugal fiz mais um ciclo do Halaven. A Dra. Carol incluiu no pedido do exame de sangue os marcadores tumorais e o resultado foi assustador: eles aumentaram muito de dezembro para cá, e isto pode significar que o novo protocolo não está fazendo o efeito desejado. Na dúvida ela achou melhor antecipar o PET e hoje fiz o exame. Fiz também uma ressonância magnética do crânio para descartar qualquer metástase no cérebro.
     Confesso que estou me sentindo como se estivesse andando sobre uma corda bamba em cima de um penhasco. Logo eu que tenho horror a altura. É um tanto assustador saber que um alienígena está te corroendo por dentro, sem dó nem piedade, e que os remédios, por mais modernos e eficazes que sejam, não conseguem deter seu avanço.
     O resultado dos exames só sairá na próxima segunda-feira e até lá será inevitável ficar apreensiva, muito embora eu esteja careca de saber que não adianta nada ficar assim. Mas, como sou humana, sei que vez ou outra me pegarei pensando no assunto (como se isto resolvesse...)
     Confesso que morrer me assusta muito menos do que saber que a doença está fora de controle... Torço para que meus órgãos vitais ainda estejam preservados, pois assim tenho certeza de que ainda estou ganhando da doença. Tomara! 
     Sei que nem posso reclamar, pois já venho vencendo este câncer há quase duas décadas. Só a metástase, em março deste ano, completou 10 anos que faço tratamento contínuo e quem olha na minha cara jura que sou a pessoa mais saudável do planeta. Às vezes até eu duvido que eu tenha tantas metástase espalhadas pelo corpo. Tento levar a vida da melhor forma possível, fazendo o que posso, sendo feliz com o que tenho nas mãos. Já faz algum tempo que conclui que todos temos prazo de validade e que só morremos na hora que tem de ser, independentemente do fato de termos ou não uma doença grave.. Sendo assim, vou vivendo a vida, e fazendo o que gosto, nesse incrível intervalo entre o nascer e o morrer.

Um giro em Portugal - Lisboa

     Fomos cedo para o Parque das Nações, construído para a grande exposição da Expo 98. A primeira coisa que fizemos foi visitar o Oceanário, um aquário enorme que abriga mais de 500 espécies diferentes de animais marinhos. Vimos desde pinguins, pássaros, lontras até águas-vivas e uma infinidade de peixes, incluindo o curioso e estranho peixe lua, o maior e mais pesado peixe ósseo do mundo, podendo pesar até 900 kg.
     Passeamos um pouco pelo parque e depois pegamos um ônibus que nos deixou em Belém, Como todos já estavam com fome resolvemos primeiro escolher um restaurante para almoçar. Um tiro certeiro no escuro, pois escolhemos aleatoriamente e a comida estava deliciosa, bem como o vinho e a sangria.
     Depois do almoço fomos até a Torre de Belém onde a Raissa, o Henrique e a Bárbara tomaram um belo banho, pois uma onda quebrou bem em cima de todos que estavam na ponte que dava acesso a torre. Saíram rindo da molhadeira e continuamos nosso passeio pelo Mosteiro dos Jerônimos e arredores. Tentamos mais tarde comer um pastel de belém confortavelmente sentados mas foi impossível. O local, para variar, estava superlotado. O jeito foi enfrentar a longa fila e comer em pé mesmo. Uma delícia aquele pastelzinho quente.
     De lá fomos para a Praça do Comércio e fizemos uma caminhada pelos arredores. Já estava anoitecendo quando voltamos caminhando para casa.
     O dia seguinte foi nosso último dia de viagem. Almoçamos no Restaurante Cervejaria O Pinóquio, que fica bem próximo do Teatro D. Maria. Fechamos com chave de ouro nosso passeio em Portugal. A comida do Pinóquio estava excelente, e quem vinha comendo bacalhau durante toda viagem disse que aquele foi o melhor. Eu comi um arroz de pato maravilhoso e recomendo. Gosto de experimentar sabores diferentes quando viajo e eu nunca tinha comido arroz de pato. Valeu.

Um giro em Portugal - Cascais

     A cidade de Cascais fica próxima de Lisboa, entre a Baia de Cascais e a Serra de Sintra. É no máximo 30 minutos de viagem, fácil de chegar de carro ou de trem.
      Estacionamos na beira da praia de areia branca e saímos caminhando a pé até a famosa Boca do Inferno, que é uma rocha erodida na falésia, a beira do mar. O nome parece estranho para o local. Será porque deram esse nome?
     Para quem gosta de caminhar, chegar até a Boca do Inferno é um pulo. Acredita-se que num passado bem remoto existia ali uma gruta, mas hoje resta apenas enorme cavidade na pedra açoitada pelas ondas que quebram constantemente no local, levantando uma espuma branca e fazendo um barulho assustador. Reza a lenda que já ocorreram muitos suicídios por lá. Será? Que desperdício resolver morrer num lugar tão bonito.
     A vista é linda e o por do sol naquele ponto é um belo espetáculo da natureza. Ficamos ali um bom tempo curtindo a natureza e quando resolvemos voltar a Suzi quis descer uma escada para conhecer uma feirinha que funciona ali mas, no segundo degrau, escorregou e quase quebrou o pé. Foi assustador e só não foi mais grave porque ela conseguiu jogar o corpo para trás e cair sentada. Como ela conseguiu mover o pé machucado tivemos certeza de que não havia fratura, mas foi por pouco. Ela conseguiu caminhar de volta até o carro, então resolvemos encerrar o passeio e volar logo a Lisboa. O dia tinha sido muito movimentado e cheio de emoções. Melhor descansar para o dia seguinte.
     Chegando em casa vimos que o pé da Suzi estava muito inchado e com a base toda roxa. Coloquei um emplastro que sempre carrego comigo nas viagens e em pouco tempo ela já estava se sentindo mais confortável e sem dor. Isto foi feito por mais uns três dias, mas no final o pé estava novinho em folha.

Um giro em Portugal - Sintra

     Saímos cedo em direção a Sintra. Uma chuva insistente nos acompanhou durante todo o trajeto. Na cidade não chovia então subimos direto a Serra de Sintra para chegar ao Palácio da Pena. A estrada, estreita e sinuosa, dava a impressão de que nunca mais iríamos chegar, pois uma curva fechada levava a outra e assim sucessivamente. Ainda bem que a vegetação exuberante embelezava o percurso.
     Optamos por visitar primeiro o Castelo dos Mouros, construído no Século IX, hoje em ruínas. De cima das muralhas, cercadas por uma bela floresta, se tem uma linda vista da cidade que se estende até o Oceano Atlântico. Não me animei a subir tantas escadas porque fico exausta. Preferi ficar aguardando em meio das muitas flores que enfeitam o jardim, fazendo algumas fotografias.
     Terminada a visita eu e o Nelson pegamos um tuc tuc para chegar no Palácio da Pena, mas o restante do pessoal preferiu subir a pé mesmo. Uma subida e tanto.
     Havia uma fila imensa para comprar as entradas do palácio, que fica no topo da Serra da Sintra. Foi aí que nos demos conta da besteira que fizemos em visitar primeiro o castelo em ruínas. Era melhor ter começado pelo palácio, logo que abriram as bilheterias. Tinha gente saindo pelo ladrão... Nunca tinha visto aquele palácio tão cheio e concluí que foi a última vez que voltei lá. Detesto lugares muito cheios onde uma vez dentro você não tem como sair porque a multidão não permite. Lugares cheios assim não nos permitem apreciar muita coisa porque você é empurrado de uma sala para outra sem conseguir absorver quase nada do que está vendo. Mas paciência, quem está na chuva é para se molhar...
     A descida da serra só não foi pior e mais agoniante porque tinha um ônibus na nossa frente. Se o ônibus cabia naquela estrada estreita, com carros estacionados por todos os lados, certamente a van passaria sem maiores problemas.
    Já estava difícil vencer aquele caminho estreito e cheio de curvas mas, como desgraça pouca é bobagem, eis que outro ônibus vem subindo no sentido contrário, empacando todo o trânsito. Os motoristas devem ter feito alguma mágica, só pode. Espreme daqui, vai devagarinho por ali, dá uma ré, anda mais um pouquinho e um bom tempo depois os coletivos conseguiram passar um pelo outro e destravar o trânsito. Ufa! Que alívio. 
     Me senti aliviada mesmo quando vi que estávamos no centro da cidade, em ruas mais amplas. Depois de muito procurar por uma vaga que coubesse nossa van fomos almoçar no Restaurante Cantinho de São Pedro, que também estava lotado, mas milagrosamente havia uma mesa restante que coube todo o nosso grupo. O atendimento demorou, mas valeu cada minuto pois a comida estava deliciosa (ando concluindo que estou ficando muito gulosa...).

Um giro em Portugal - Fátima - Óbidos e Lisboa

     Assim que terminamos nosso café da manhã saímos em direção a Fátima, que fica a meia hora de Aveiro. A cidade está tranquila, mas da para perceber que está se preparando para a grande festa que acontecerá em maio. Um ritmo frenético de coisas acontecendo é visto por todos os lados.
     A basílica não estava cheia, então foi tranquilo andar por lá, fazer uma oração, pedir uma graça. Conversei com Nossa Senhora sobre minha saúde. Quem sabe eu seja merecedora de um milagre, já que a medicina tradicional não é mais capaz de me curar... Vamos ver.
     Ficamos toda a manhã em Fátima e seguimos viagem para almoçar em Óbidos. Que cidade medieval mais charmosa. É muito bom se perder por suas ruelas estreitas, com calçamento de pedras. E a comida? Que delicia! Experimentei uma costela de burrego divina. Quem pediu bacalhau ou frutos do mar também acertou no pedido. Aliás, todos os pratos estavam muito bons. Acompanhados de um bom vinho então, hummm...
     No final da tarde seguimos viagem para Lisboa. Lá tínhamos alugado um apartamento com cinco quartos pelo Airbnb e acertamos em cheio. O apartamento era amplo, muito central e confortável, com capacidade para doze pessoas. Tinha uma grande sala, cozinha completa e dois banheiros. Tudo novinho em folha e por um preço espetacular. Valeu a pena a experiência.
     Era muito fácil sair para passear pelo centro histórico, para fazer compras ou jantar. O apartamento ficava  perto da Av. Liberdade e da Praça Marques de Pombal. Dava para fazer quase tudo a pé. E foi o que fizemos a noite: mais um jantar animado em família.
    
     

Um giro em Portugal - Aveiro, a Veneza portuguesa

     Passamos a manhã passeando pelo centro histórico do Porto. Tentamos conhecer a famosa livraria Lello, eleita uma das mais bonitas do mundo, mas estava lotada e com fila para entrar, então deixamos a visita para uma próxima oportunidade. Dizem que J.K. Rowling frequentava essa livraria quando ela morou no Porto, e que se inspirou nela para a cena em que Harry Potter compra os livros para ir para Hogwarts. Legal né!
     Como tínhamos que fazer nosso check out às 11h voltamos para o hotel. Na saída para Aveiro, quando o Henrique foi procurar sua carteira de motorista, que estava junto com o cartão de débito do banco, um susto: ela havia sumido e provavelmente tinha caído do bolso de sua calça em algum momento em que ele pegou o celular. Foi um stress danado. Ele ficou apavorado mas, por sorte, a Cristina, mãe dele, disse ter encontrado uma carteira caída na calçada enquanto caminhávamos pelo centro e que ela havia entregue em uma livraria para o caso do dono procurar. Ela também disse que não teve a curiosidade de abrir a carteira e que não tinha certeza se era ou não a carteira do Henrique. O coitado saiu correndo feito um corisco de volta até a livraria enquanto ficamos ali torcendo para que tudo desse certo e que fosse mesmo a carteira dele. Foram momentos de muita angústia. Até o funcionário do hotel em que estávamos hospedados se prontificou a ajudar indo até a livraria.
     O tempo parecia se arrastar e nada do Henrique retornar. Todos estavam tensos e preocupados com a situação e quando o Henrique entrou pela porta sorrindo respiramos aliviados com a certeza de que tudo tinha sido resolvido.
     Foi uma lição dura, bem no começo da viagem, para deixá-los mais atentos quanto aos cuidados em guardar bem guardado o cartão do banco e outros documentos importantes. Não dá para colocar documentos no bolso. É necessário guardá-los em lugar seguro, fechado. Uma distração como esta pode estragar a viagem. Já pensou? Ainda bem que tudo não passou de um grande susto.
     Antes de pegarmos a estrada em direção a Aveiro, conhecida como a Veneza portuguesa, por causa dos seus canais e seus moliceiros coloridos, semelhantes as gôndolas, paramos em Matosinho para almoçar. Uma orgia de comidas com diferentes tipos de peixes e iguarias. Tudo uma delícia.
     A viagem foi tranquila, mas a chegada no hotel não foi uma tarefa muito fácil. É que o hotel ficava no alto de uma colina e o acesso, além de uma curva muito fechada logo na saída da estrada, era estreito e íngreme. Uma dificuldade para uma van enorme que mais parecia um ônibus. O gerente desceu para segurar o trânsito enquanto o Henrique manobrava o carro para fazer a curva fechada. O estacionamento, que não era muito grande, já estava lotado e foi uma dificuldade encontrar um espaço para estacionar, mas deu tudo certo no final.
     Saímos para explorar Aveiro. Conhecemos o famoso mercado de peixes e andamos pelo centro conhecendo as principais atrações. Como já estava quase anoitecendo fomos pegar o último moliceiro que saía naquele dia para percorrer os canais da ria e percorrer a cidade no entardecer. Estávamos tão encantados com a beleza do espetáculo do por do sol que nem o vento gelado chegou a atrapalhar o passeio. O cachorro de um dos passageiros, um belo animal muito manso e bem educado, foi uma atração a parte.
     Terminado o passeio de barco voltamos para o hotel e depois de um banho reparador saímos para jantar. Como se come bem em qualquer lugar em Portugal. As refeições, acompanhadas sempre de um bom vinho, foram realmente o ponto alto de toda a viagem.